“Venha, meu filho, vamos voltar ao meu país! Como a gente é feliz lá! Como a
África é bonita”. Foi com estas palavras que o natural do Brasil, Francisco, foi
convencido pelo pai africano a sair da Bahia no início do século XIX e ir para
Aguê, na atual Nigéria. O relato de um Francisco já idoso e cego está no diário
manuscrito do missionário católico Baudan, em fins do mesmo século, que
registrou as primeiras impressões do ex-escravo sobre a terra dos seus
antepassados – que não foram nada boas.
Pai e filho haviam conseguido a liberdade após a morte do seu senhor. Mesmo
livre, o pai não estava satisfeito: tinha muitas saudades da terra natal. Mas o
filho não se empolgava com a ideia desse retorno. Apenas após muita insistência
resolveu seguir a vontade do pai. O problema, então, se tornou outro: o alto
custo da viagem. Um liberto da Bahia poderia levar até dois anos para pagar a
sua passagem e as de seus familiares. Esses valores poderiam ser arrecadados por
meio de atividades do ganho ou da participação em irmandades. Além disso, havia
uma série de trâmites burocráticos, como a retirada de passaportes, pagamento de
taxas e a contratação do navio.
Após reunir o necessário para a viagem, pai e filho embarcaram num pequeno
navio que os levou para Aguê. Ao chegar lá, o jovem Francisco ficou muito
espantado: “um monte de negros que saíam (...) quase nus, que gritavam e
pulavam”. Além de não compreender a língua, considerava que aqueles homens e
mulheres viviam uma situação miserável. Acreditando que aquela não era a terra
de que tanto ouvira falar, resolveu imediatamente fugir. Chegando à praia,
porém, o navio que os trouxera já havia zarpado. Sua tristeza era enorme. Não
reconhecia a felicidade sobre a qual o pai tanto comentava e dizia ter
encontrado. Para ele, o pai estava perdendo a alma: não sabia que a felicidade
estava na fé cristã?
O relato aponta para dois pontos de vista desse retorno: o do pai, saudoso da
terra de sua infância, e o do filho, nascido no Brasil, distante da forma como
os africanos viviam e da religião que professavam. O retorno de libertos, em
especial os africanos, para a África tinha motivações variadas, desde as
saudades que o pai de Francisco expressava, passando por iniciativas coletivas,
até deportações – ocorridas principalmente a partir da revolta dos Malês,
ocorrida em Salvador em 1835. E eles não voltavam, necessariamente, para as suas
aldeias, mas para os portos em que foram originalmente embarcados. Mas todo
esforço valia a pena para quem queria voltar para casa, ou simplesmente começar
uma vida nova.
Joice Santosé pesquisadora iconográfica da Revista de
História da Biblioteca Nacional.
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