Edson Luís de Lima Souto nasceu em Belém do Pará, mas foi no Rio de Janeiro
que sua história ficou conhecida. E apenas após a sua morte, em 28 de março de
1968. O rapaz, que queria ser engenheiro e cursava o antigo colegial no
Instituto Cooperativo de Ensino, foi assassinado aos 18 anos por um policial
militar quando jantava com outros jovens no Restaurante do Estudante, mais
conhecido como Calabouço – um centro social estudantil, anexo ao Instituto, que
virou espaço de resistência no Centro da cidade. O crime catalisou uma onda de
manifestações durante a ditadura civil-militar.
No episódio, cerca de 300 alunos organizavam uma passeata em prol de
melhorias nas condições do estabelecimento, que estava parcialmente fechado para
obras havia mais de um ano. Em 1967, o governo do estado demoliu a antiga sede
do restaurante que ficava próximo ao Aeroporto Santos Dumont, onde hoje existe
uma bifurcação rodoviária que se chama – não por acaso – Trevo dos Estudantes, e
decidiu inaugurar o novo prédio sem que a construção estivesse terminada, o que
deixava em péssimas condições de higiene o local frequentado por muitos jovens
pobres, como Edson Luís, que dependiam do restaurante para a alimentação
diária.
Durante o jantar daquele dia de março, os frequentadores do Calabouço foram
surpreendidos por policiais militares que tentavam dispersar a reunião,
considerada subversiva, à base de golpes de cassetete. Os jovens revidaram com
pedradas e, pouco depois, receberam a retaliação: a polícia invadiu o
restaurante disparando armas de fogo. Um dos tiros acertou o peito de Edson
Luís, que morreu em seguida.
Os colegas do jovem, ao vê-lo ensanguentado no chão, decidiram carregá-lo em
direção à Santa Casa de Misericórdia, com medo de que o cadáver fosse
sequestrado pela polícia. Com o corpo em suas mãos, ninguém poderia negar o
assassinato. Assim que o óbito foi confirmado, um cortejo com cerca de 10 mil
pessoas marchou até a Assembleia Legislativa, na Cinelândia, onde o corpo foi
velado por toda a madrugada, em sessão permanente declarada pelos deputados.
“Mataram um estudante, podia ser seu filho”, bradavam os jovens. O assassinato
gerou comoção nacional, greve nas universidades e revolta popular.
No dia seguinte, os jornais da capital trouxeram o cadáver na primeira
página. Todos os teatros da Guanabara interromperam seus espetáculos em sinal de
protesto. As autoridades se contradisseram e o presidente Costa e Silva declarou
que a morte do estudante era um problema local e não nacional. Manifestações e
passeatas tomaram conta das ruas das principais capitais. A missa de sétimo dia
do rapaz, realizada na Igreja da Candelária, pela manhã, reuniu milhares de
pessoas que, ao deixarem a cerimônia, sofreram violência por parte da cavalaria
da PM e do Exército. Mais tarde, em outra missa, a cavalaria empunhou seus
sabres ainda com mais violência, sendo necessária a intervenção de padres e
outros clérigos que formaram um cinturão de proteção às pessoas que tentavam
sair da igreja. Quase 700 pessoas foram levadas ao cárcere naquele 4 de
abril.
Era o início de uma série de movimentos populares que demonstravam a
insatisfação de parte da população com a repressão militar e o estado policial.
Este foi o caso da chamada Sexta-feira Sangrenta, que ocorreu em junho,
terminando com 4 mortos, vítimas da violência desproporcional da força estatal.
Uma semana depois, em 28 de junho, a Passeata dos Cem Mil tomou a Avenida Rio
Branco, tornando-se outro episódio a usar a morte de Edson Luís como símbolo da
revolta popular contra o governo.
Em vez de ceder, o Estado reprimiu com mão de ferro as vozes das ruas. A
retaliação se intensificou ao longo do ano, culminando na instauração do Ato
Institucional Número 5, em dezembro, considerado o auge da repressão política
legalizada. Foi com o AI-5 que as atividades do Congresso Nacional foram
suspensas e o presidente da República ganhou poderes excepcionais, podendo
interferir em todas as instâncias do Executivo, sem qualquer aviso prévio.
Suspendia-se o habeas corpus por crimes políticos e proibiam-se
atividades e manifestações sobre assuntos dessa natureza. Chamado por algumas
correntes historiográficas posteriores de “o golpe dentro do golpe”, o AI-5
estampou a cara do governo de linha dura e, a partir de então, cresceram os
casos de sequestros e desaparecimentos de líderes políticos de oposição ao
regime ditatorial.
Foi apenas em 1997 que a Justiça reconheceu o Estado brasileiro como culpado
pela morte de Edson Luís, considerando-a como de Comoção Nacional. Foi só a
partir de então que a mãe do jovem, dona Maria de Belém Souto Rocha, recebeu
indenização da União pela perda do filho. Quase 30 anos depois. A morte de Edson
Luís foi o primeiro assassinato público do governo que se instaurou em 1964.
Tornou-se símbolo da violência durante os anos de chumbo e também da impunidade
da polícia, que age contra a população em vez de protegê-la.
Nenhum comentário:
Postar um comentário