sábado, 19 de dezembro de 2015

Entrevista - José Roberto Marinho - "Ele será sempre um museu do amanhã"


Idealizador do Museu do Amanhã, o presidente da Fundação Roberto Marinho diz que uma equipe de curadoria atualizará o conteúdo da exposição a cada dia


O Museu do Amanhã é o projeto mais ousado da fábrica de experiências culturais e educativas que se desenvolveu na Fundação Roberto Marinho. Ao longo dos anos, a Fundação criou o Museu da Língua Portuguesa, o Museu do Futebol, o Museu de Arte do Rio e ainda se prepara para entregar o Museu da Imagem e do Som, na Praia de Copacabana. Cada um deles oferece uma vivência única do tema e um novo jeito de pensar o que é um museu. Esses legados ganham forma sob a orientação de José Roberto Marinho, presidente da Fundação e vice-presidente do Grupo Globo (que edita ÉPOCA). Ele conta como a ideia inicial de um museu de ciência no Rio virou a obra monumental que será inaugurada no dia 19.



ÉPOCA – Por que fazer um museu sobre o impacto humano no planeta?
José Roberto Marinho – Recebemos do prefeito Eduardo Paes há seis anos a encomenda de fazer um museu sobre ciência. Fazia parte do projeto de renovação do Rio de Janeiro, da região portuária e da revitalização da cidade para as Olimpíadas. Nossa especialidade é fazer espaços culturais com um forte lado educacional. O Museu da Língua Portuguesa, por exemplo, é uma aula externa. Os alunos saem estimulados pela literatura e pela poesia. O Museu do Futebol também tem essa característica. Mistura o futebol com a história do Brasil, através dos principais personagens de cada época. Nessa filosofia, pensamos num museu de ciência que pudesse mobilizar as pessoas. Para isso, precisávamos de um tema atual. Logo, o tema do futuro, do amanhã. É um assunto atual e que olha para o futuro. A sustentabilidade vem sendo tratada todo dia pela mídia. Naturalmente, já é um tema que engaja para a ciência hoje.

ÉPOCA – Por que investir num museu de ciência?
José Roberto – Uma lacuna grande no Brasil. Estamos muito defasados no interesse em ciência e tecnologia em relação a outros países. Precisamos provocar nos jovens maior interesse. É importante porque essa área estará presente nas profissões do futuro. Aliás, teremos um laboratório voltado para as profissões do futuro no museu.

ÉPOCA – O Museu do Amanhã é inspirado em algum outro pelo mundo?
José Roberto – Durante a fase de pesquisa, visitamos outros museus de ciência e de outros temas, como o Memorial do Holocausto, em Berlim, para conhecer outras formas expositivas. Também contratamos uma consultoria especializada para nos ajudar com a plasticidade e o fluxo do museu. Mas, depois de todas essas referências, acabamos fazendo um museu único, uma coisa diferente do que vimos.

ÉPOCA – Como o projeto do museu evoluiu desde a concepção até a inauguração?
José Roberto – A ideia central não mudou. Mas fomos pesquisando formas de apresentação ao público. Conversamos com cientistas e pesquisadores, em busca de insumos e sugestões. Olhamos também para todas as tecnologias à disposição para novas experiências ao visitante. O processo é dinâmico e as incorporações foram acontecendo até o último minuto. Uma das atrações do museu é um filme em 360 graus exibido em uma grande bola, com câmeras modernas. Encomendamos a produção ao diretor Fernando Meirelles. Ele entregou o filme há apenas três meses. Ficou mais bonito que a encomenda. O filme foi instalado no local da projeção há menos de um mês. É tudo muito recente e ainda dinâmico.

ÉPOCA – Os impactos humanos no planeta são impressionantes e muitas vezes tristes. Como evitar que o visitante do museu fique com uma mensagem apocalíptica?
José Roberto – A partir de um certo momento da experiência no museu, as pessoas vão participando e tendo acesso a soluções para aqueles problemas que elas descobrem. Existe uma interação com a parte mais inteligente do museu. Do meio para o final da visita, a pessoa fica sabendo o que vem sendo feito para reduzir os impactos negativos no planeta. Há formas de engajamento, mostrando possibilidades para o futuro. E obviamente estamos todos aprendendo. É só olhar a COP 21 (conferência do clima em Paris). É uma negociação, um processo contínuo. Não há uma situação pronta. Nós vamos participar disso. Teremos a audiência do museu para nos dar informações, comentários e críticas para, por exemplo, o planejamento de uma cidade. Será uma cidade onde todos gostaríamos de viver, mais sustentável, com baixo carbono. O museu será um centro de discussões. Vai funcionar lá um escritório do Grupo C40 de Grandes Cidades, que reúne 40 metrópoles do mundo para debater as mudanças climáticas. O presidente anterior do grupo foi o Michael Bloomberg (empresário e ex-prefeito de Nova York) e agora é o Eduardo Paes.

ÉPOCA – As pessoas não sairão do museu desanimadas com tantos desafios planetários?
José Roberto – Espero que não. Senão teremos de mudar alguma coisa. É claro que faz parte do processo oferecer uma vivência impactante, para mostrar a dimensão das ações humanas e seus efeitos no planeta. Precisamos tomar consciência do momento que estamos vivendo. Nem todo mundo entendeu isso totalmente. Mas vamos além disso. Aproveitaremos essa sensibilização para também oferecer os instrumentos de solução.

ÉPOCA – Como um museu que busca mostrar o amanhã pode não ficar obsoleto nos próximos anos?
José Roberto – O Museu do Amanhã estará em constante renovação. Podemos dizer até que ele será mudado a cada dia. Desde sua concepção, o museu tem uma curadoria que trabalha permanentemente para mudar a exposição. Montamos um banco de dados, com vínculos para os principais centros de pesquisa do mundo. Eles fornecem informação atualizada para mudar o que será mostrado dentro do museu. Se o IPCC (painel de cientistas da ONU para mudanças climáticas) tiver uma nova informação, ela será atualizada também nos painéis do museu. Além disso, o Museu do Amanhã não é o museu da tecnologia mais nova, da indústria mais moderna. Não é essa a proposta. O projeto visa despertar a discussão em relação aos temas de sustentabilidade do planeta, como manutenção da biodiversidade ou equilíbrio do clima. Para isso, a equipe do museu estará dedicada a incorporar as novas descobertas constantemente. Ele será sempre um museu do amanhã.

ÉPOCA – O tema central do museu gira em torno do novo conceito debatido pelos pesquisadores, segundo os quais viveríamos em uma nova era geológica, dominada pela ação humana: o antropoceno. Com a experiência do museu, esse conceito do antropoceno vai se popularizar?
José Roberto – O conceito é muito claro. Imagino que ele ficará mais popular a partir de agora. Essa ideia já vem sendo aceita na área científica e é natural que chegue ao grande público. Note bem, o antropoceno não está afirmando que o homem é o único agente de grandes processos globais como as mudanças climáticas. A ideia é que o homem tem o potencial para provocar essas alterações em escala planetária, tanto quanto outros fatores naturais, como erupções vulcânicas.

ÉPOCA – Depois do Museu da Língua Portuguesa, do Futebol, do Mar, do Amanhã e o próximo Museu da Imagem e do Som, a ser inaugurado em Copacabana, há um novo jeito de fazer museus?
José Roberto – São museus que têm uma história para contar. Não são apenas contemplativos. Levam os visitantes a alguma ação. As pessoas saem engajadas em ir atrás daquele assunto. Nós estamos apresentando uma categoria nova de museu, diferente do que vinha sendo feito até então. Resumindo muito a evolução dos museus, podemos dizer que o modelo clássico era um local para exibição de objetos. Depois, os museus passaram a apresentar processos e experimentação, como o funcionamento da corrente elétrica. Agora, o museu é interativo. Ele leva a pessoa a participar. Ela precisa estar dentro do assunto apresentado.

ÉPOCA – Qual é seu sonho para o amanhã?
José Roberto – Primeiro, melhorar o espaço do diálogo. A gente está preso nas discussões de uma Torre de Babel. É Fla-Flu o tempo todo. As pessoas defendem suas bandeiras de forma inflamada. Ninguém consegue criar um ambiente de diálogo construtivo. Precisamos criar esse espaço. E, a partir disso, podemos construir um amanhã melhor e cuidar do planeta e da humanidade.

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