domingo, 27 de novembro de 2011

Olhares sobre Castro Alves VI


Romântico e libertário
in Jornal do Brasil, 07/03/97


Castro Alves transpôs a escravidão para
a poesia, mas foram as mulheres que
o inspiraram nos poemas de euforia




Nele a palavra passou de subjetiva a objetiva. "A gente vê a paisagem e sente o momento, o gosto da fruta, a umidade do rio", como disse Mário de Andrade, que o acusou no entanto de encompridador, de não saber absolutamente pautar o tamanho das poesias, de ser todo instinto e bravura, todo verbo e sentimento. No capítulo das críticas, Antônio de Alcântara Machado foi mais longe, ao falar das "imagens disparatadas, imprecações heróico-asnáticas, tiradas patético-pernósticas". Antonio Candido observou que muitos de seus poemas denotam incontinência verbal tão brasileira: "Ao seu tempo, mais que agora, o orador exprimia o gosto ambiente." Mas, mesmo reconhecendo que a poesia de Castro Alves envelheceu em sua discurseira retumbante, destaca o efeito do discernimento lírico da natureza e do sentimento. Em meio àquela eloqüência comicial se destacam tiradas e achados extraordinários como em "Antevisão dos mortos": "Os mortos saltam, poeirentos, lívidos, / Da lua pálida ao fatal clarão."

O fato é que, num curto período de oito anos, de 1863 a 1871, quando morreu, o poeta precoce que, já no Adeus meu canto, aos 17 anos, sentia em si o "borbulhar do gênio", sintetizou, na solidão dos gênios, a própria existência aparentemente malograda ("O gênio é como Ahasverus... solitário./ (...) Mas quando a terra diz: Ele não morre, / Responde o desgraçado: Eu não vivi!"). Produziu obra informe, dispersa, cujos fragmentos reuniu apressadamente em Espumas flutuantes, antes da chegada da noite. O seu lirismo se impregnou do pressentimento da morte prematura e a precariedade da vida presa por um fio.

Viveu a meninice numa casa em que, oito anos antes de seu nascimento, uma rapariga chamada Júlia Fetal fora assassinada pelo noivo que alucinado de ciúme mandara fundir, para o crime, uma bala de ouro. A casa tresandava a romance, amor, desvario. Aos 15 anos ele mais parecia velho misantropo, bastante afetado do peito, sofrendo muito.

Amor e morte eram as obsessões dos românticos. Castro Alves teve agitada vida sentimental, e amou impetuosamente duas mulheres, a atriz portuguesa Eugênia Câmara, com quem conviveu durante algum tempo, e, platonicamente, a cantora italiana Agnese Trinci Murri, na Bahia, um ano antes de morrer. Eugênia Câmara, no seu dizer, tinha a "beleza de uma Vênus grega" e o "gênio de Safo, ardente, mística". Era a inspiração, a Dama Negra, a mulher por quem largou os estudos e para quem escreveu o drama Gonzaga ou a revolução de Minas. Quando ela o deixou, e partiu com outro, Castro Alves, desorientado, numa caçada em São Paulo, feriu-se no pé, com um tiro casual, de que resultou longa enfermidade, várias cirurgias e finalmente a amputação. No Rio, onde lhe foi cortado o pé, a frio, sem cloroformização, declarou ao cirurgião: "Corte-o, corte-o, doutor. Ficarei com menos matéria que o resto da humanidade." O depauperamento das forças levou-o à tuberculose pulmonar e à morte, na Bahia.

Nasceu e viveu, portanto, em período de agitações políticas. Tinha três anos, em 1850, quando se aprovou a lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos africanos. Em 1869, um decreto proibiu venda de escravos sob pregão, em hasta pública. Dois meses antes de seu desaparecimento, decretou-se a lei do ventre-livre. Ainda não era a extinção da escravatura, pela qual se bateu com destemor, mas golpe decisivo. A Guerra do Paraguai (1864-1870) encerrou cruentamente a década. Abolição e republicanismo eram as campanhas que estavam no ar, ora se ajudando, ora divergindo.

Neste clima, ele incorporou em definitivo o negro à literatura, dando-lhe, além do brado de revolta, atmosfera de dignidade lírica. O fim da Guerra do Paraguai encheu os corações de esperança de uma era de paz e prosperidade nacional. O próprio coração dos poetas passava da crispação à distensão.

A grande paixão por Eugênia Câmara abrasou-o de alto a baixo, reorganizou-lhe a personalidade, inspirou alguns dos seus mais belos poemas de euforia, desespero, saudade ("A estrofe entreabre a pétala mimosa / Perfumada da essência de sua alma"). Submeteu a natureza, em suas visões, a um antropomorfismo sensual, que o induziu a surpreender a mulher em todas as coisas do universo. ("Amar-te é melhor do que ser Deus"). Mário de Andrade considerava "Hebréia", "Boa-noite", "O adeus de Teresa", "O tonel das danaides" e "Os anjos da meia-noite" provas decisivas de mudança profunda na concepção temática do amor na poesia do Brasil.

Sexualizou a natureza ("Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença / Não boca de mulher... mas de fatal serpente"), injetou o erótico no descritivo ("Eu vejo sobre a seda do corpete / Teus lúbricos cabelos"), em contraste com o realismo semi-romântico das composições propriamente amorosas ("Sonho-te às vezes virgem... seminua..."). Natureza e mulher trocam-se formas: "Não há tormentas quando estás em calma. / Para mim só há raios em teus olhos, / Procelas em tua alma."

Ao teatro dedicou fervor maior do que à poesia. O teatro era para ele o altar, o "vedado paraíso", que levava ao país do sonho. Gonzaga ou a revolução de Minas, sua única peça, reúne os ideais libertários - independência e abolição da escravatura - ao amor por Eugênia Câmara, que a protagonizou no palco. O romantismo, como disse Jamil Almansur Haddad a propósito de Gonzaga, "por força de suas raízes no Terceiro Estado, amou o povo, a língua do povo, as tradições do povo, todas as suas realidades, e o teatro mais do que o livro representava o ideal de um contato vital e permanente com as massas, num tempo em que se acreditava que as massas, e não as elites, eram o fundamento de toda a glória". Beaumarchais dissera-o sinteticamente: "O teatro é uma tribuna." Um dos personagens de Gonzaga, Padre Carlos, coloca a conjuração mineira sob o manto da Revolução francesa, porque "ambas são filhas de Deus".

O sentimento carnal da liberdade está presente em tudo o que Castro Alves tocou. Ele que ergueu o vôo "sobre as asas gentis da fantasia" e garantia que "a praça é do povo / Como o céu é do condor", é ainda hoje o cantor por excelência do negro escravo e, por extensão, dos oprimidos. O tempo caminha ao seu lado e de sua mensagem. É como disse Sousândrade: "Saímos de uma noite, entramos noutra, / Nós somos um só dia, e nós contamos / Nossos minutos pelas nossas dores."



* Léo Schlafman é redator do JORNAL DO BRASIL

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Brasil que dá nojo ..... Assassinos em Liberdade

O Natal do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura será uma festa. Ao lado da mulher e dos três filhos, ele vai comemorar a data no conforto de sua casa em Altamira, no interior do Pará. Haverá música e fartura na ceia. O momento será especial, já que há tempos ele não se reúne com a família. Bida, como é conhecido, foi condenado a 30 anos de prisão por encomendar a morte da missionária americana Dorothy Mae Stang, de 73 anos, assassinada em fevereiro de 2005. Ficou na cadeia pouco mais de cinco anos até obter, no mês passado, o direito de cumprir o restante da pena em regime semiaberto. O benefício garante a saída em festejos como Natal, Semana Santa e Dia dos Namorados. Os presos que conseguem um emprego num órgão público podem ainda ficar soltos nos dias de semana e voltar à cela apenas para dormir. “Pretendo trabalhar e viver minha vida”, disse Bida, em entrevista exclusiva a ÉPOCA (leia a íntegra). Bida desfrutará o mesmo gosto de liberdade que três de seus quatro comparsas já experimentam. Rayfran das Neves, o pistoleiro de aluguel, está no semiaberto desde o ano passado. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, intermediário do assassinato, cumpre pena em regime domiciliar numa fazenda no interior. Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, coautor do crime, se aproveitou do regime aberto, que permite passar o dia livre, para não mais voltar. Está foragido desde fevereiro.
Neves trabalha no almoxarifado de uma instituição do governo. Pega ônibus, tem celular e tempo para o namoro recém-engatado com a funcionária de uma creche. Tato está sempre flanando pelas ruas do município de Tailândia, a passeio ou atrás dos afazeres com o gado. Sua única obrigação é se apresentar à delegacia local uma vez ao mês. O desaparecimento de Batista era, até a semana passada, desconhecido de muitos envolvidos com o caso. “Não faço ideia do paradeiro dele”, diz o advogado Raimundo Cavalcante, um evangélico fervoroso que, além de Batista, defende outros três envolvidos no crime. Juízes e promotores que participaram do julgamento do assassinato de Dorothy Stang foram informados da fuga pela reportagem de ÉPOCA.
Batista era parceiro do pistoleiro Neves e estava com ele quando Dorothy foi alvejada com tiros, os seis à queima-roupa. Sua pena foi a mais branda de todas, 17 anos. Antes de fugir da cadeia, ele vivia numa chácara na região metropolitana de Belém. Em troca de moradia e um salário, trabalhava como caseiro. À noite, voltava para a Casa do Albergado, uma espécie de centro de reeducação de detentos, para dormir. Mesmo sob um regime permissivo, Batista decidiu ignorar sua dívida com a Justiça – e não foi a primeira vez.
No ano passado, ele já abandonara a prisão. Foi considerado foragido, mas se reapresentou espontaneamente e não recebeu punição alguma. O juiz Amarildo José Mazutti manteve seu direito de cumprir o castigo no regime aberto, em vez de passá-lo para o semiaberto (a lei não permitiria transferi-lo imediatamente para o fechado). “Ele estava doente e sem dinheiro para a passagem de ônibus”, afirma Mazutti. “Quando a justificativa é plausível, temos de acreditar.”
Pouco mais de seis anos depois de um dos crimes brasileiros de maior repercussão internacional, o desfecho do caso Dorothy faz soar o alarme da impunidade. Apesar das penas altas – entre 17 e 30 anos –, nenhum dos envolvidos passará muito mais que cinco anos na cadeia. Como o assassinato ocorreu em 2005, eles são beneficiados pela legislação antiga, segundo a qual o condenado ganha o direito de pleitear o regime semiaberto depois de cumprir um sexto da sentença. Em 2007, o Congresso Nacional aprovou algumas mudanças na lei dos crimes hediondos. Hoje, o tempo mínimo que um réu primário deve ficar atrás das grades em tempo integral é dois quintos da pena.

A lei de execução penal é um estímulo à impunidade "

Além de amenizar o cumprimento da pena, a lei não garante que o condenado vá honrá-la até o fim. “A lei de execução penal é um estímulo à impunidade”, diz Felício Pontes, procurador do Ministério Público Federal do Pará. “Reformá-la seria a única maneira de evitar que os envolvidos em conflitos de terras se sintam à vontade para contratar novos pistoleiros.” O Pará é o Estado brasileiro que mais acumula brigas no campo. Dois em cada três crimes do tipo no país ocorrem em seu território. De 1985 a 2010, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Estado registrou 704 assassinatos de trabalhadores e lideranças rurais. Só 25 envolvidos foram condenados, e pelo menos nove deles estão foragidos. Apenas dois mandantes estão presos. “Esse modelo de desenvolvimento centrado na exploração madeireira, mineral e na pecuária é o grande responsável pelos conflitos”, diz José Batista Gonçalves Afonso, advogado da CPT.
O assassinato de Dorothy, na pequena Anapu, um município de 20 mil habitantes a 765 quilômetros de Belém, é só um retrato do panorama de desordem agrária do Pará. Anapu surgiu com a Rodovia Transamazônica e explodiu com a notícia da construção da hidrelétrica de Belo Monte na vizinha Altamira. Esse caótico cenário nasceu nos anos 1970, no período de colonização da Amazônia. Durante a ditadura militar, o governo federal estimulou a integração das terras do Norte ao restante do Brasil. A construção da Rodovia Transamazônica, hoje com quase 5.000 quilômetros, foi o marco do que prometia ser um futuro glorioso. Havia também a sensação de que os estrangeiros estavam de olho na floresta.
Sob o lema “Levar terra sem homens para homens sem terra”, o então presidente, Emílio Médici, oferecia lotes a quem chegasse de outros cantos do país – desempregados e sem-terra, vindos do Nordeste, ou especuladores, egressos especialmente do Espírito Santo, da Bahia e de Minas Gerais. A massa humana que avança pela fronteira da mata segue sempre o mesmo padrão. Os primeiros a chegar são os madeireiros. Já capitalizados com a destruição da Mata Atlântica, eles saqueiam toda a madeira de lei que encontram pela frente. Os fazendeiros vão no rastro, queimam o que resta e acomodam seus bois. Quando o pasto enfraquece, as áreas dão lugar à agricultura intensiva.
Além de número um em crimes no campo e trabalho escravo, o Pará é também campeão de terras em situação irregular. Um quarto de seu território é de áreas griladas, um total de 30.000 quilômetros quadrados (o equivalente à área da Itália). Há várias maneiras de grilar uma propriedade. Todas elas passam pela corrupção de cartórios, pela conivência dos institutos de terras federais e estaduais e pela pistolagem. É comum no Pará uma única área ser reivindicada por vários donos – e ganha quem tem mais poder de fogo. Depois de “legalizar” a terra, os grileiros costumam aumentar seu tamanho. Em um caso curioso, há um registro num cartório de Vitória do Xingu de uma fazenda com 4,10 milhões de quilômetros quadrados – quatro vezes o tamanho do Pará inteiro. “O Estado tem mais papel que terra. Isso viola o princípio da física”, diz Girolamo Treccani, professor de Direito Agrário da Universidade Federal do Pará (UFPA), autor do mais completo livro sobre o tema.
Durante a colonização, o Incra concedia terras públicas a famílias de colonos ou cooperativas agrícolas. Em troca, os novos ocupantes tinham de tornar aquelas áreas produtivas em cinco anos. Não era permitido transferir a propriedade a terceiros sem autorização do dono – o governo. Mas o comércio ilegal de terras ganhou vulto, e o plano dos militares fracassou. Em Anapu, só permaneceram os que não conseguiram ir embora. E, claro, aqueles que tinham intenção de enriquecer à custa da fragilidade fundiária. Foi assim que Bida e o outro acusado de encomendar o assassinato de Dorothy, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, ou Taradão, chegaram à região (ele é o único dos envolvidos preso em regime fechado. Foi detido em setembro).
Nascida em Dayton, no Estado americano de Ohio, Dorothy Stang chegou ao Brasil em 1966. Com um português mal falado (despertava o riso de amigos por confundir o feminino com o masculino), percorreu boa parte das estradas esburacadas da floresta em sua lambreta, declarando uma paixão incondicional pela natureza. Naturalizou-se brasileira, foi professora de um seminário e ajudou a construir escolas em Anapu e a treinar professores. Ao lado de outras missionárias, implantou cooperativas para os trabalhadores da região, uma alternativa à derrubada da mata, fonte de renda com menor impacto ao ambiente. Uma de suas principais conquistas foi uma fábrica de processamento de frutas amazônicas, erguida com recursos da própria família. “A luta dela era uma luta intelectual”, afirma Edson Cardoso, um dos promotores responsáveis pela condenação dos assassinos. “Em vez de estimular a invasão, ela reivindicava ao governo os documentos para que essas famílias tivessem direito à terra.”
Dorothy acreditava em um novo modelo de reforma agrária. Queria assentar as famílias de agricultores em pequenos lotes de 100 hectares. Elas viveriam do plantio de subsistência e do que retirassem coletivamente da floresta, sempre respeitando o que a natureza fosse capaz de repor. Uma inovação em seu projeto dizia respeito ao contrato de posse. A despeito de se tornar donos da terra, esses agricultores tinham o compromisso de não vendê-las a grandes fazendeiros. Se quisessem partir, teriam de negociar com a associação. Era uma forma de evitar que os lotes fossem engolidos pelos grandes desmatadores, como ocorreu em boa parte do Estado. O plano de Dorothy era assumir as áreas públicas controladas por grileiros e repassá-las, com a anuência da lei, às famílias sem-terra. O alvo da disputa com os fazendeiros que encomendaram sua morte era o lote 55, onde ela pretendia estabelecer seu Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança. Seus adversários consideravam os assentamentos um retrocesso econômico – argumento que faz sentido. Defender seu modelo de reforma agrária equivale a ignorar a relevância da grande propriedade, explorada de modo sustentável, para atingir os índices de produtividade necessários para o avanço e o desenvolvimento da Amazônia e de todo o Brasil. A trágica realidade da região é que esse debate se trava não apenas com ideias – mas frequentemente com armas. Em 2003, a Câmara Municipal de Anapu declarou Dorothy persona non grata na cidade. Sua resposta foi elevar o tom das denúncias.

A luta da irmã Dorothy era uma luta intelectual "

No dia em que foi assassinada, Dorothy levava documentos do Incra acatando a demanda dos assentados de ficar na terra. Não era um título definitivo, mas trazia esperança para ela. Ela estava eufórica. Ao cruzar com o pistoleiro Rayfran Neves e seu comparsa Batista na pequena estrada tomada por lama, Dorothy comunicou-lhes a notícia. Quando percebeu o revólver calibre 38 nas mãos de Neves, Dorothy sacou de uma bolsa de lona, companheira inseparável nas andanças, uma Bíblia surrada. Leu então uma passagem para seus executores. Impiedoso, Neves atirou à queima-roupa e fugiu. “Virei as costas e corri”, disse Neves a ÉPOCA, na casa de seu advogado. “Só percebi o que tinha feito dias depois, quando estava sendo caçado pela polícia.” Neves sustenta a mesma posição assumida pela defesa dos condenados desde o começo do processo. Afirma que Dorothy era uma infiltrada do governo americano com o objetivo de explorar as riquezas naturais da Amazônia. “Ela me disse que ia tirar toda a madeira do lote e exportar para os Estados Unidos.”
A morte de Dorothy de certa maneira fortaleceu o movimento que ela ajudou a idealizar. Cerca de 230 famílias vivem hoje nas propriedades do PDS Esperança, algumas em mais segurança, outras ainda atormentadas pelos conflitos. O lote 55, disputado por Dorothy com seus assassinos, está ocupado por clientes da reforma agrária cujo único meio de sustento é a roça. “Mesmo com as dificuldades, a caminhada do povo avançou”, diz Jane Elizabeth Dwyer, missionária da mesma ordem religiosa de Dorothy, a Notre Dame de Namur, e hoje sua sucessora. Embora haja conquistas, a situação em Anapu ainda é tensa. Em janeiro deste ano, madeireiros que tentavam atuar em uma área ilegalmente interditaram uma estrada para impedir a passagem dos sem-terra. A posse dos lotes na região ainda não foi regularizada pelas autoridades.

Dorothy Stang foi vítima do pistoleiro e de seus mandantes. Mas também de um modelo de colonização que favoreceu o caos fundiário e os conflitos por terras. Os riscos que corria eram claros. No relatório anual de violência no campo de 2004, publicado pela CPT, seu nome aparecia entre os 160 ameaçados de morte no Brasil – o preço de sua vida era um dos mais altos, R$ 50 mil. Mas ela era destemida. Certa vez, numa entrevista, disse: “Ninguém vai ter coragem de matar uma velha como eu”. Naquela manhã chuvosa de 12 de fevereiro de 2005, Neves não só pôs fim à ingenuidade de Dorothy, como mostrou ao mundo a situação primitiva de algumas regiões do Brasil. Locais onde o faroeste verde determina as regras. Seus inimigos não contavam com um contratempo. “Ela virou a santa da Transamazônica”, afirma Neves. Ele ri e olha para o vazio.

Revista Época

Te contei, não ? - A geração digital não sabe navegar


Da revista Época

No início dos anos 1990, uma coleção de enciclopédias tinha o mesmo valor educacional que um microcomputador tem hoje em dia - eram ótimas ferramentas de pesquisa para os estudantes. Para quem tem menos de 20 anos, pode parecer incompreensível. Como uma coleção de livros de capa dura, grandes, pesados e difíceis de manusear, pode ser tão eficaz quanto os programas de busca da internet, que nos colocam a dois cliques de qualquer resposta? A geração que nasceu depois do surgimento da internet tem a sua disposição o maior volume de informação da história. Mas novos estudos sugerem que a intimidade dos jovens com o mundo digital não garante que eles sejam capazes de encontrar o que precisam na internet.
Uma pesquisa da Universidade de Charleston, nos Estados Unidos, mostra que a geração digital não sabe pesquisar. Acostumados com a comodidade oferecida por mecanismos de busca como o Google, eles confiam demais na informação fácil oferecida por esses serviços. O estudo mostrou que os estudantes usam sempre os primeiros resultados que aparecem após uma busca, sem se importar com sua procedência. No estudo, os pesquisadores pediram a um grupo de universitários que respondesse a algumas perguntas com a ajuda da internet. Mas fizeram uma pegadinha: fontes de informação que não apareceriam no topo da lista de respostas do Google foram apresentadas propositalmente como primeira opção. Os estudantes nem notaram a troca: usaram as primeiras respostas acriticamente. Outro estudo, realizado pela Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, pedia que 102 adolescentes que estavam se formando no ensino médio buscassem termos diversos em sites de pesquisa online. Todos trouxeram os resultados, mas nenhum soube informar quais eram os sites usados para obter as respostas: se veio da internet, já estava bom.
A conclusão dos cientistas é que os estudantes de hoje confiam demais nas máquinas. Em princípio, esse comportamento faz sentido, porque os sistemas de buscas oferecem conteúdos cada vez mais relevantes. Mas gera uma efeito colateral preocupante: a perda da capacidade crítica. "Precisamos ensinar os alunos a avaliar a credibilidade das fontes online antes de confiar nelas cegamente", diz Bing Pan, pesquisador da Universidade de Charleston. "As escolas deveriam ajudar os estudantes a julgar melhor as informações."
O cenário descrito pela pesquisa não é exclusivo dos estudantes americanos. O paulistano Leonardo Castro, de 15 anos, estudante do 1º ano do ensino médio da escola Arquidiocesano, em São Paulo, diz que usa a internet para fazer 80% de seus trabalhos escolares. A fórmula se repete a cada trabalho: ele acessa o Google, insere o tema da pesquisa, consulta dois ou três sites que tratam da mesma coisa e redige seu texto. "Dou preferência aos resultados que estão na primeira página", afirma. Ele tem algumas fontes que considera mais confiáveis, como o site Brasil Escola. Conta que os professores incentivam o uso da internet nas pesquisas e alguns sugerem sites específicos que os alunos deveriam visitar. Mas Leonardo só se preocupa com as fontes de informação na hora de relacionar as referências usadas na pesquisa - algo diferente de olhar criticamente a informação antes de usá-la no trabalho.
A vestibulanda Clarice Araújo, de 18 anos, estuda no Imaculada Conceição, colégio tradicional de Belo Horizonte. Desde o 5º ano do ensino fundamental, ela usa a internet como principal ferramenta para ajudar nas lições. Os buscadores também se tornaram aliados em sua preparação para o vestibular e para a última prova do Enem. Clarice acertou 90% das questões, uma boa marca para quem pretende cursar medicina na Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo ela, a maioria dos professores do colégio incentiva o uso da internet e sugere os melhores sites para pesquisar. "Já tomei um puxão de orelha por ter me baseado em apenas um site", diz Clarice. "Sei que deveria verificar a origem das informações, mas, na maioria das vezes, uso só o bom-senso." Os professores contam que a maioria dos estudantes não faz nem isso. Eles simplesmente copiam (com algumas palavras trocadas) informações que aparecem nas primeiras respostas do Google. É uma maneira muito limitada de usar a rica fonte de informações que é a internet. O caminho para evitar isso é o mesmo que se requer em qualquer outra disciplina: orientação e acompanhamento.
"O professor pode indicar alguns sites mais confiáveis para a pesquisa na hora de pedir um trabalho", diz Adilson Garcia, diretor da escola Vértice, de São Paulo. Só isso, porém, pode não ser suficiente para formar alunos capazes de pesquisar de maneira crítica, criativa e independente. Primeiro, é preciso lhes mostrar como funcionam os mecanismos de busca. Eles devem entender que critérios esses serviços usam para hierarquizar suas respostas. Sabendo como os buscadores operam, podem restringir as buscas e obter resultados mais precisos. Em segundo lugar, os estudantes têm de aprender a verificar a procedência da informação, analisando em que tipo de site ela está publicada e se é confiável. O Google não escolhe suas respostas com base na veracidade ou qualidade do conteúdo. Por fim, os estudantes devem ser incentivados a confrontar a mesma informação em diferentes sites, para perceber como a orientação de cada um pode resultar em abordagens diferentes. "É preciso transformar os alunos em críticos da informação", afirma a professora Maria Elisabeth Almeida, coordenadora do programa de pós-graduação em educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Esse não é um desafio apenas das escolas do Brasil. É um problema mundial."

Crônica do dia - Quem ama Lupi ?


REVISTA ÉPOCA
Ninguém merece um ministro assim no Trabalho, pasta que requer equilíbrio e capacidade de negociar

RUTH DE AQUINO

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, já se tornou a figura mais patética do ministério de Dilma. Um feito impressionante num grupo que teve em cinco meses seis baixas: de 7 de junho até hoje, caíram Palocci, Nascimento, Jobim, Rossi, Novais e Silva. Só um caiu por ser inconveniente, o ministro Jobim, gaúcho de alma tucana. O resto foi por acusações de corrupção e desvio.
O processo de desgaste segue roteiros parecidos. Alguns se debatem mais, por amor incondicional ao poder. De Lupi, suor e bravatas escorrem pelos poros. Ele bate no peito, espuma, grita. Mas não explica nada.
“Sou osso duro de roer. Quero ver até onde vai essa onda de denuncismo.” “Daqui ninguém me tira. Só se for abatido à bala. E tem de ser bala de grosso calibre, porque eu sou pesado.” “Morro, mas não jogo a toalha.” “Conheço a presidente Dilma há 30 anos. Duvido que ela me tire. Nem na reforma ministerial.” “Bola da vez? Só se for a bola sete, a bola da vitória.” “Peço desculpas à opinião pública, que fica com a imagem de que sou louco, um tresloucado.” “Presidente Dilma, me desculpe se fui agressivo. Dilma, eu te amo.”
Ninguém merece um ministro assim no Trabalho, uma pasta que requer equilíbrio, habilidade, capacidade de negociar e analisar as reivindicações de trabalhadores. Lupi – como todos os outros – se considera vítima de perseguição. Até do próprio partido, o PDT, dividido entre o pessoal de raiz e os oportunistas.
O motivo da perseguição é inacreditável. Querem derrubá-lo por puro preconceito de classe. Por ser “ex-jornaleiro”. Todo jornalista tem um apreço especial pelos jornaleiros. São eles que, nas bancas, ajudam ou não a impulsionar a venda avulsa. Mas Lupi hoje detesta a imprensa.
Não tenho ideia de como Lupi (“sou italianão, sou atirado”) se comportava como jornaleiro nos anos 1980, quando conheceu Brizola. Eu nem sabia disso, para falar a verdade. Sei que ele foi secretário de Governo de Garotinho. E que o Ministério do Trabalho, comandado por ele há quase cinco anos, teria um esquema de tabela de propinas para liberar recursos a um instituto no Rio Grande do Norte. E teria assinado convênios irregulares com ONGs investigadas pela Polícia Federal e denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais. Isso é o que veio à tona.
Dilma, numa solenidade recente, nem sequer olhou para Lupi quando ele puxou e beijou sua mão. Mais constrangedor que o desafio público de um subordinado é o puxa-saquismo meloso e explícito. A presidente não parece gostar dessas demonstrações. Ela quase perdeu o rebolado quando repórteres lhe perguntaram sobre a declaração de amor de Lupi e a crise no Ministério do Trabalho. Sorriu.
“Vocês vão me perguntar isso nesta altura do campeonato?” e citou as palavras de “um líder gaúcho antigo” para negar qualquer crise com Lupi: “O passado passou”.Sei que os detalhes estão ficando meio repetitivos e chatos para os leitores – mas é nos detalhes que o diabo mora. É preciso alertar para o ridículo. Não tem sentido dar quase R$ 1 milhão de sinal, no ano passado – num convênio de R$ 2 milhões –, para uma organização em Confins, Minas Gerais, treinar 2.400 operadores de telemarketing. E descobrir, um ano depois, que só pouco mais de 200 pessoas tinham feito o curso até ontem. Fico pensando o que se ensina nesse curso de telemarketing. Como é fácil “captar” dinheiro neste Brasil generoso. O enredo é tão semelhante às quedas anteriores de ministros que está explicada a treslouquice de Lupi.
Não sei se Lupi é passado, mas não parece ser futuro. Não é o futuro que esperamos para o Brasil. No presente, o Planalto resolveu, na última hora, fazer a portas fechadas um seminário internacional em Brasília que reunirá 60 ONGs. Sem a presença de bloquinhos, gravadores e câmeras indiscretas.
Os brasileiros se dividem entre quem não aguenta mais tantos escândalos... e os que esperam estar vivendo um momento histórico de prestação de contas. No alto escalão da política, é inédita essa queda de dominós herdados de um governo mentor e amigo. Na segurança pública, a ocupação de uma favela como a Rocinha, com 70 mil moradores, abandonada por sucessivos governos ao poder de bandidos com e sem farda, é recebida com elogios à banda boa da polícia e punições à banda podre. No Supremo Tribunal Federal, a mídia e a população mantêm a pressão sobre o julgamento da Ficha Limpa. A ponto de forçar o ministro Luiz Fux a rever seu voto pela alteração da lei. A brecha sugerida por Fux beneficiaria políticos que renunciam para fugir de punição. O debate é público e instrutivo.
Na novela das 8, na semana passada, soubemos que Lupi ama Dilma. Nos próximos capítulos, saberemos quem ama Lupi.

Te contei, não ???!!!! Estados americanos abolem escrita à mão nas escolas




A nova norma aprovada em Indiana recomenda aos professores não dar ênfase na aprendizagem da letra cursiva, mas sim à digitação em teclados. Por Ricardo Carvalho
O estado norte-americano de Indiana, seguindo uma tendência de mais de 40 estados do país, aboliu a exigência do ensino de letra cursiva em suas escolas.

A nova norma recomenda aos professores não dar ênfase na aprendizagem da letra cursiva – escrita manuscrita em que as letras são arredondadas e ligadas umas às outras pelas pontas – e focar em outras habilidades, como a digitação de textos em teclados. Desse modo, os educadores norte-americanos conferem menos importância à prática de caligrafia, algo que sempre foi tradição no país. Na prática, a norma significa o desestimulo ao trabalho de uma das formas da escrita à mão – e mantém-se a exigência do ensino da letra de forma (também chamada de “imprensa”), o que acarreta na diminuição do tempo gasto com a aprendizagem da forma manuscrita.

A medida adotada por Indiana é um reflexo do crescente peso das novas tecnologias na sala de aula. Os responsáveis por sua adoção creem que o uso cada vez mais frequente pelos alunos de computadores torna desnecessário que a criança concentre esforços na forma cursiva.

Trata-se, também, de um reflexo de algo que já é uma realidade em muitas escolas norte-americanas. De acordo com o jornal Valor Econômico, pesquisas nacionais mostram que 90% dos professores da 1ª a 3ª série gastam apenas uma hora por semana para o desenvolvimento da escrita à mão.

A nova norma gerou polêmica tanto entre educadores norte-americanos quanto brasileiros. “Não há perda propriamente da aprendizagem escolar (ao abandonar-se o ensino da letra cursiva), mas sim na aprendizagem para a vida social: o da escrita para comunicações pessoais, bilhetes, listas de compras, atividades que a escrita com lápis e papel resolve mais rapidamente, preservando a intimidade da comunicação”, afirma Magda Becker Soares, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

A opinião é partilhada por Artur Gomes de Morais, professor titular do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. “Saber escrever à mão é parte da noção que construímos, nos últimos séculos, de ser humano civilizado. Ser capaz de escrever de próprio punho e ser capaz de usar tecnologias antigas como a caneta ou o lápis continua sendo parte importante na definição de cidadão alfabetizado e letrado”, diz. Ele também destaca que escrever à mão, com letra cursiva, é um símbolo de diferenciação. “Na França, por exemplo, uma carta de recomendação escrita à mão tem um valor simbólico muito maior que o mesmo texto digitado e apenas assinado”.

Os dois educadores também concordam que uma medida semelhante seria impensável para a realidade brasileira. Em primeiro lugar, pelo fato de aqui as novas tecnologias da comunicação ainda não estarem inseridas nas salas de aula do mesmo modo que nos Estados Unidos. Além do mais, historicamente o Brasil e os Estados Uniram se distanciaram da maneira como abordam a alfabetização e o letramento de seus alunos. Até os anos 80, havia grande ênfase também no Brasil ao ensino da leitura e escrita pela letra cursiva, principalmente com a prática da caligrafia.

“Desde então, temos avançado numa frente mais importante. Em lugar de investir muito tempo em treino caligráfico ou coisas afins, despertamos para algo mais fundamental: o papel da escola é formar cidadãos capazes de compreender os textos escritos que circulam na sociedade. Hoje, é quase consenso que, mesmo aos seis anos, é preciso alfabetizar letrando”.

Para isso, diz o professor, os alunos precisam saber ler todos os tipos de letra, seja a cursiva ou a de imprensa (presente nos teclados). “Como alfabetizar letrando ensina também ensinar a escrever, as crianças precisam a escrever conforme o gênero textual. Se vou fazer uma carta, por exemplo, posso usar a letra cursiva”, conclui.

Para Artur Gomes de Morais, esse abandono da escrita à mão nos EUA é reflexo de uma tendência no país de separar, na etapa da alfabetização, o ensino da leitura e o ensino da escrita. “Lá existe uma mentalidade, a meu ver questionável, de que primeiro a criança aprenderia a ler e depois a escrever. Felizmente isso não ocorre no Brasil, porque do ponto de vista cognitivo essa dicotomia não existe”, afirma.

“A mente do aprendiz, para aprender a ler, precisa aprender como as letras funcionam e precisa juntar mentalmente as letras. Ora, poder escrever, seja do próprio punho, seja teclando, é o ato de materializar a produção da escrita, tomar a decisão sobre que letras pôr, etc…”

Revista Carta Capital 

Crônica do dia - Dia da Consciência Negra




Caetano Veloso 

Só poso de chato porque considero o assunto importante demais

Na Praça do Mercado, em Santo Amaro, festejávamos o 13 de maio. Foi no ano passado. O bembé do mercado é festa tradicional de minha cidade. Começou em 1889, um ano depois da Abolição. Quando éramos meninos, meu pai falava com carinho e mesmo um certo orgulho dessa festa. Nos levava para assistir e, à medida que fomos crescendo, continuou nos encorajando a que participássemos. Parece que é a única celebração pública do 13 de Maio que se faz no Brasil. “Bembé” é uma outra palavra para candomblé — ou para os batuques que o acompanham e sustentam (há canções cubanas em que a palavra aparece com o mesmo sentido). Carlinhos, filho de Edith do Prato, sempre usava essa palavra para se referir a qualquer festa de orixá que se desse na cidade, quase todas em recintos fechados. O bembé do 13 de Maio é na rua.

Para celebrar a existência dessa celebração, o secretário de Cultura do município (que é meu irmão Rodrigo, petista desde o nascimento do PT) interveio na arrumação da festa e convidou entidades ligadas à defesa do negro no Brasil e o Ministério da Cultura (ainda sob Juca Ferreira) enviou seu representante. A professora Zilda Paim, conhecedora e amante da história de Santo Amaro, falou sobre a importância da festa. A professora Mabel (que também é minha irmã) relembrou as idas ao Mercado com meu pai. Tanto a representante do Movimento Negro quanto o do Ministério falaram da consciência do negro brasileiro e, enquanto relembravam Zumbi, não mencionaram nada referente à Abolição — exceto se quisermos tomar como tal o repúdio à “liberdade dada” a que um deles fez menção.

Mabel gostava da versão edulcorada do nome “bembé”: teria sido uma corruptela de Isabel (Isabé, Zabé), aceitando inclusive a hipótese de tratar-se de uma contração de “o bem de Isabel”. Nunca acredite nisso. Por mera intuição linguística, se não por reação instintiva àquilo que Mangabeira Unger caracteriza, tão agudamente, como “sentimentalização das relações desiguais”. Mas a vontade de apagar a princesa do map não me parece nem um milímetro mais realista. De modo que, quando chegou a minha vez de falar (fui convidado porque tenho uma composição intitulada “ 13 de Maio”, que canta a tradição do festejo), gritei vivas aos nomes da Princesa Isabel e de Joaquim Nabuco.

Sei que Liv Sovik já caracterizou meu disco que contém essa canção (e a transformação do trecho mais denso de “Minha formação”, de Nabuco, em peça musical), assim como minha identificação com as posições de Nabuco, como um olhar “do ponto de vista do senhor”. Não faz mal, como diria Lygia Clark. Continuo fazendo o contraponto que me parece essencial ao discurso que racializa a discussão sobre a sociedade brasileira. Esse discurso me pareceu não apenas desejável, mas urgente, quando a sentimentalização ameaçava apagar todas as arestas de nossa vida, tornando impossível até mesmo uma leitura corajosa das estatísticas. Só poso de chato porque considero o assunto importante demais para parar no estágio ainda superficial em que se encontra.

Mitos são essenciais à saúde coletiva. Quando eu era novo, ouvia mulatos claros gritarem a negros óbvios que parecessem ter feito algo errado aos olhos daqueles: “A culpada é a Princesa Isabel”. A mãe de meu padrinho (“de apresentação”, pois o amigo que meu pai escolhera para ser meu padrinho era um preto que morava em São Paulo e não pôde vir para o batizado aí esse mulato gordo e surdo, pessoa maravilhosa, tomou o lugar na cerimônia e, para sempre, na minha vida) era uma mulata de olhos verdes que se lembrava do dia 13 de maio de 1888. Uma festa. Seus olhos se enchiam aind da explosão de alegria que ela evocava. Então, agora, estávamos repetindo a comemoração dessa alegria, tal como a população da cidade faz desde o ano seguinte à Abolição, e nem se podia falar na Princesa Isabel? E toda a luta abolicionista teria que fica esquecida nesse momento, num desprezo pela mitologia que o povo negro (e quase negro, como nós) alimenta há mais de século? Zumbi era citado no 13 de Maio e os abolicionistas, não? Sim. Zumbi: mitos são essenciais à saúde coletiva. Mas, como diz uma outra canção que fiz sobre o tema, “Zabé come Zumbi, Zumbi come Zabé”.

No domingo em que sai este artigo estarei cantando com Seu Jorge, louvando o Dia da Consciência Negra. Não há nada que eu mais quisesse nesse dia do que persuadir a todos os interessados na questão a ler o capítulo “O mandato da raça negra”, de “O Abolicionismo”, esse livro magnífico de Joaquim Nabuco. Neguinho entende quem é lendo aquilo. Descendente de senhores e de escravos, sou um que nota que no Brasil “neguinho” quer dizer todo mundo, qualquer um, a gente. Ecoo o grito dos que cantam o nome de Zumbi mas enriqueçoa polifonia com os nomes Nabuco e Zabé. “O Abolicionismo” pode ser baixado em dominiopublico.gov.br. É só nego procurar no Google. Um aperitivo: “Por esses sacrifícios sem número, por esses sofrimentos, cuja terrível concatenação com o progresso lento do país faz da
história do Brasil um dos mais tristes episódios do povoamento da América, a raça negra fundou, para outros, uma pátria que ela pode, com muito mais direito, chamar sua.” E mais: “Quem pod dizer que a raça negra não tem direito de protestar perante o mundo e perante a história contra o procedimento do Brasil?” Tudo escrito antes de 1888. Vale a pena ler o texto integral. E, depois, o resto do livro.

Jornal O Globo 

Te contei, não ???!!!! - Um drama sob o chão da cidade


Sepultada por toneladas de terra e séculos de esquecimento, jaz no Centro antigo do Rio, uma dolorosa memória da escravidão. São os resquícios do Cemitério dos Pretos Novos, cimentados sob os bairros da Gamboa e da Saúde. Eles reaparecem aos poucos, em escavações, análises de ossos, dentes e objetos. Cada um deles revela um pouco mais de uma história que assombra pelas dimensões da crueldade e da ambição que trouxeram da África milhões de escravos para o Rio. Uma dessas análises foi concluída este ano e confirma a tese de que a cidade foi um dos maiores portos de entrada de escravos das Américas.
Pessoas escravizadas originárias de quase todas as partes da África chegavam ao Rio e daqui podiam ser levadas para o restante do país. Muitas não resistiam às condições desumanas da travessia do Atlântico ou do mercado de escravos do Rio e eram enterradas perto do porto. O termo enterro é, de fato, um eufemismo. Os corpos eram abandonados à decomposição ou queimados.
Nos anos 1990, alguns desses corpos foram encontrados durante a reforma de uma casa na Rua Pedro Ernesto, na Gamboa. Arqueólogos do Instituto de Arqueologia Brasileira fizeram ali em 1996 um resgate do que fora acidentalmente exposto, publicando depois os primeiros estudos. Mas foi só este ano que cientistas concluíram uma análise mais detalhada dos dentes e ossos. Um trabalho de detetive, com tecnologia moderna, para investigar um drama de quase 200 anos. Apoiada pelo CNPq e pela Faperj, a pesquisa reuniu cientistas da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), do Museu Nacional/UFRJ, do Laboratório Geochronos da UnB e da Universidade de Indiana, nos EUA.
— Há vestígios de 30 pessoas. Estão muito degradados — diz Sheila Mendonça, bioantropóloga da Ensp.
O DNA, de tão degradado, por enquanto nada revelou. Mas os pesquisadores recorreram a uma técnica diferente e menos conhecida pelo público. Chamada de análise de isótopos de estrôncio, ela mede a proporção desse elemento químico nos dentes. É uma espécie de DNA geoquímico. O estrôncio é um metal de nome estranho e características curiosas. Essas proporções são assinaturas geoquímicas que dependem das características das rochas de uma dada região.
— A análise do estrôncio do esmalte dos dentes permanentes, que são formados na infância e não se remodelam, revela um indício de onde viveu uma pessoa nos primeiros anos de vida — explica Ricardo Ventura Santos, coordenador do grupo, da Ensp e pesquisador do Setor de Antropologia Biológica do Museu Nacional.
A diversidade geológica na África compreende quase toda aquela existente no planeta. O estrôncio extraído dos dentes das pessoas enterradas no Cemitério dos Pretos Novos reflete essa diversidade planetária.
— As pessoas ali vieram de todas as partes da África. Nosso estudo reforça como o tráfico de escravos era uma prática espalhada pelo continente africano. Indica também as monumentais dimensões do tráfico realizado pelo porto do Rio — destaca Ventura.
O Cemitério dos Pretos Novos foi criado pelo Marquês do Lavradio em 1760. Por 70 anos, funcionou ali uma fábrica de horrores. O marquês se viu obrigado a abrir um novo cemitério depois que o porto de escravos foi transferido da Praça XV para o Valongo (atual Rua Camerino).
— Temos que levar em conta que nosso conceito moderno de cemitério não se aplica ao que existia àquela época. O Cemitério dos Pretos Novos consistia em um lugar cercado, onde os corpos eram queimados ou deixados insepultos. Covas eram abertas e corpos, empilhados — explica Sheila.
Os pesquisadores calculam que lá tenham sido enterradas, pelo menos, de 20 mil a 30 mil pessoas. O Cemitério dos Pretos Novos era o destino de muitos dos que já chegavam doentes. Ele podia ser avistado do porto e do mercado de escravos do Valongo, para horror dos cativos. O cemitério passou a receber os enterros antes destinados ao Largo de Santa Rita, em frente à Igreja de Santa Rita.
— Não existem estimativas da taxa de mortalidade dos escravos que chegavam ao porto, mas sabemos que deveria ser elevadíssima. Um dos aspectos importantes das pessoas enterradas lá reside no fato que, ao que tudo indica, apenas 5% das pessoas enterradas lá não eram escravas. Isso torna o Cemitério dos Pretos Novos o mais africano do Brasil — diz Sheila.
Ela, Ricardo e outros pesquisadores, incluindo Murilo Quintans Bastos e Roberto Ventura, da UnB, buscam pistas sobre as origens dessas pessoas mortas pouco após o desembarque. Com as histórias dos mortos esperam dar vida a um dos menos conhecidos capítulos da história da escravidão no Brasil.
Depois que o cemitério foi fechado (por motivos “sanitários” e legais, já que o tráfico de escravos foi proibido), a cidade começou a aterrar o pântano e a praia. Terra e areia cobriram os restos dos mortos e a memória. A Rua do Cemitério, por exemplo, hoje chamase Pedro Ernesto.
Até agora, nunca houve escavações contínuas na região dos Pretos Novos. O material analisado é resultado do trabalho da bioarqueóloga Lilia Cheuiche Machado, do IAB. Lilia observou que a maioria dos mortos era de homens jovens, inclusive crianças.
— Todo o material que analisamos vem de quatro buracos. Os ossos estavam misturados — analisa Sheila.
Das 30 pessoas, só duas estavam fora do padrão esperado. Um era um homem mais velho, que poderia viver no Rio há mais tempo, e outro talvez não fosse africano.
— Todos os demais eram africanos recém-chegados. Um dos aspectos que nos chamou a atenção foi encontrar dentes com sinais de polimento — observa Sheila.
O polimento é fruto de uma forma de higiene oral praticada por muitos povos africanos.
— Esse polimento era resultado da mastigação de plantas específicas, funcionava como pasta de dentes. Mas só há sinais da prática em recém-chegados. Depois, elas não tinham mais como limpar os dentes dessa forma e os sinais desapareciam. Alguns dos que analisamos possuíam sinais bem claros, indicando que deveriam ter chegado há pouco tempo — frisa Sheila.
Ao analisar marcas de polimento talvez seja possível identificar que espécies eram usadas, onde existiam e, assim, de onde veio a pessoa que as utilizavam. O trabalho continua. Mas será fundamental que escavações revelem mais restos mortais e busquem reconstruir outros dramas pessoais integrantes de um dos mais dolorosos momentos da história do Brasil.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/ciencia/um-drama-sob-chao-da-cidade-3273683#ixzz1edFKm3fS
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Te contei, não ???!!!! - OXITOCINA - O SEGREDO DA PAZ E DO AMOR



Os estudos com a oxitocina , a substância que rege os vínculos afetivos , comprovam a grande influência dos hormônios sobre o comportamento humano.

Dez gotas . essa é a porção de todos os 200 hormônios circulantes na corrente sanguínea de um adulto. A amostra de cor leitosa e consistência gosmenta . O cheiro seria de suor .Tal quantidade ínfima e desagradável é responsável pelo bom funcionamento do organismo, e também regem o comportamento humano .
Os hormônios são conhecidos desde o século XX. mas somente no ano 2000, seu impacto sobre o modo como os seres humanos pensam e agem começou a ser esmiuçado.
A oxitocina até um tempo atraz era associada apenas a processos fisiológicos associados a maternidade ( contração uterina, e liberação de leite ) e por isso conhecida como a substância do amor materno .A oxitocina tem se revelado o hormônio com a mais ampla e intensa ação no comportamento de mulheres e homens. Em particular em estimular a autoconfiança ,o vinculo de afeto ,e relaxamento . E ao contrário do que acontece com outros hormônios, quando administrados de forma sintética , em doses extras oferece poucos efeitos colaterais. ' Tais qualidades fazem da oxitocina uma forte candidata a se tornar o primeiro remédio capaz de alterar o comportamento de uma pessoa saudável a ter o aval da medicina '.
Foi concluído recentemente um dos mais completos estudos sobre os efeitos da oxitocina sintética em adultos do sexo masculino. A ideia dos pesquisadores era analizar a autoconfiança e o relaxamento dos participantes diante de uma situação desafiadora . Dos 28 homens selecionados , metade inalou oxitocina ( em spray ) e metade recebeu a mesma quantidade em uma substância a base de soro fisiológico . O grupo da oxitocina mostrou-se mais calmo perante os desafios .
O resultado apresentado pela oxitocina como calmante são equivalentes aos atingidos pelas pesquisas que usaram os remédios benzodiazepinicos na mesma situação .
OUTROS HORMONIOS:
TESTOSTERONA
É produzido nos testículos e ovários, e atua nos músculos aumentando a massa muscular , em especial na região peitoral e nos ombros.Na pele participa do crescimento de pelos e da oleosidade , essencial para manter o viço.Nos ossos mantém células formadoras de ossos trabalhando em ritmo mais acelerado do que as células de corrosão óssea. Nos testículos fundamental na formação dos espermatozóides . Na prostata participa do processo de renovação celular . No cérebro estimula a libido.

Comentário:
Apesar de ser produzido também pela mulher, trata-se de um hormônio masculino por excelência.Os homens apresentam dez vezes mais testosterona do que as mulheres. A diferença de volume explica porque os homens são mais musculosos, peludos, tem voz mais grossas e os ossos mais resistentes. Doses extras costumam serem utilizadas para aumentar a libido e a força muscular , doses altas oferece riscos de colesterol alto ,incidência de hepatite e aumento da próstata.

ESTROGENO
Produzido pelos ovários , atua na pele no processo de renovação das células. Nas células de gorduras estimula o acumulo de tecido adiposo na região dos quadris e das mamas .
Comentário:
Seu pico de produção ocorre no auge do período fértil da mulher ( na metade do ciclo menstrual ). ou seja ,no momento em que está mais apta a conceber ,seu desejo chega ao ápice , e também o estrogeno lhe confere ao corpo feminino um dos seus principais atrativos : as formas curvilinias.
PROGESTERONA
A TPM é culpa dela , produzida pelo ovário atua no útero para receber o óvulo fecundado , aumentando a circulação sanguinia e a formação de muco . Durante a gravidez inibe as contrações impedindo a expulção do feto . Nos rins participa da reabsorção de água e sal , sem qual o organismo perde o equilíbrio hidrico.
Comentário
Em alta no fim do ciclo menstrual ,é a progesterona que faz a mulher ficar irritadiça, com mal humor .
CORTISOL
Alta tensão é produzida pelas glândulas suprarenais , atua nos vasos sanguíneos na manutenção da pressão arterial. No metabolismo da glicose no sangue aumenta a resistência do organismo a ação do hormônio da insulina , favorecendo a oferta de glicose para o cérebro em momentos de necessidade. Nas células reduz a reação inflamatória nessas estruturas. No coração estimula a contração muscular e os batimentos cardiacos.
GRELINA
Produzido no pâncreas, estômago,e hipotálamo, atua no coração participando do bombeamento de sangue do músculo cardíaco para o resto do corpo .No cérebro estimula o apetite .

Comentário:
Este hormônio é secretado principalmente quando o estômago está vazio . comer de três em três horas reduz a produção de grelina , diminuindo a sensação de fome .
LEPTINA
Substância da saciedade é produzida pelas células de gordura atua nos músculos ,tendões ,ligamentos e articulações , aumenta a capacidade de síntese de glicogênio e ácidos graxos , no cérebro ele ativa o mecanismo de saciedade .
Comentário:
Normalmente a leptina é liberada quando as reservas de energia do organismo já estão preenchidas. Os obesos produzem pouca leptina.
INSULINA
A chave da energia , é produzida pelo pâncreas ,atua nas células responsável pela entrada de glicose nas células ,onde é convertida em energia. No cérebro estimula a sensação de saciedade, sobre tudo depois de alimentos gordurosos e ricos em açúcar , que demandam a liberação de doses altas do hormônio.
Comentário:
Quando o pâncreas produz uma quantidade insuficiente de insulina ou as células do organismo se tornam resistentes a ação do hormônio ocorre o diabete.
T4
A química da estabilidade ,é produzida pela glândula tireóide e atua no metabolismo ,funciona como uma espécie de maestro do ritmo de funcionamento do organismo. Na pele participa na produção de suor, no coração participa do mecanismo de contração e relaxamento cardíacos , o que determina o ritmo dos batimentos cardíacos do coração.
Comentário:
Entre os hormônios o t4 é o de ação mais estável no organismo ,por isso ele pode ser produzido a perfeição em laboratório . O t4 é indicado formalmente para pessoas com deficiências da substância , muitos jovens saudáveis tem recorrido ao hormônio para emagrecer . Doses extras desse hormônio sem necessidade podem causar insônia, ansiedade, e arritmia cardíaca.
MELATONINA
Produzida pela glândula pineal atua no cérebro ( hipotálamo ) mantém o equilíbrio entre as três fases do sono e desencadeia o relaxamento.
Comentário:
Secretada na ausência da luz solar ,atinge o auge por volta das 9 da noite . Sua liberação faz com que o cérebro passe a funcionar em ritmo mais lento. O uso de melatonina por quem não precisa pode deflagrar quadros depressivos.

GH
A substância da juventude ,produzida pela glândula da hipófise atua nos músculos ,unhas,pele e cabelos participa do mecanismo de regeneração das células, estimula a formação óssea. na próstata é essencial para renovação celular. No fígado contribui para a síntese de proteína.
Comentário:
Produzido durante o sono profundo ,o auge ocorre na adolescência , a partir dos 21 anos tem sua liberação reduzida ,e acima dos 40 apenas a metade .
Fonte revista veja

Crônica do dia - Trapaça do tempo - Roberto Pompeu de Toledo


Roberto Pompeu de Toledo

“O problema da moçada da USP é a saudade de um período que eles não conheceram. Nasceram com atraso. Daí a obsessão por fantasiar um entorno de repressão e obscurantismo contra o qual “resistir”?

A nostalgia da ditadura dilacera a moçada da USP especializada em ocupar prédios da Cidade Universitária. “Abaixo a ditadura na USP”, dizia um dos cartazes expostos no prédio da reitoria durante o período em que ele esteve ocupado. Com a palavra “ditadura”, atirou-se sem economia no reitor, na Polícia Militar, no governo paulista. Depois que a PM, na madrugada da última terça-feira, acabou com a ocupação, os estudantes divulgaram um manifesto em que denunciavam a ação policial como “repressão sem precedentes”, realizada “na calada da noite” e “num clima de terror que lembrou os tempos mais sombrios da ditadura militar”.

“Clima de terror” é sempre bom invocar, e, se a ação se deu antes de o sol raiar, é de rigor aplicar-lhe essa clássica das clássicas expressões da literatura policial que é a “calada da noite”, mas… Pobre meninada – não adiantou caprichar na retórica. A operação da polícia, realizada no quadro legal de uma reintegração de posse, não produziu um mísero ferido. E, depois de algumas poucas horas na delegacia, os ocupantes, livres e soltos, já estavam prontos para outra. Ainda não foi desta vez que a ditadura de seus sonhos, uma ditadura de verdade, impiedosa, sanguinária – sobretudo sanguinária, o sangue é fundamental -, fechou-se contra eles, oferecendo-lhes a chance da resistência heroica que tanta falta lhes faz na vida.

Para quem está chegando agora a este filme, ele começou com a detenção pela PM de três alunos que fumavam maconha no câmpus. Houve resistência dos colegas, reprimida pela polícia. Em protesto, foram ocupados, primeiro, o prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e, em seguida, o da reitoria. Ora, a USP ocupa uma imensa área, com recantos ermos e mal iluminados. Ali já ocorreram assaltos e estupros. Em maio, foi morto num assalto o estudante de ciências atuariais Felipe Ramos de Paiva, fato que motivou o convênio pelo qual a PM assumiu o policiamento na área. O velho barbudo escreveu que a história, na primeira vez, se repete como tragédia, e, na segunda, como farsa. A resistência estudantil contra a ditadura deu-se no quadro da tragédia. A resistência contra a presença da PM no câmpus dá-se no da farsa. A causa é a mesma dos antigos donos do Complexo do Alemão – manter um determinado território fora do alcance das leis e instituições brasileiras, e portanto propício à prática do crime.

Outro surrado bordão do velho barbudo é que a religião é o ópio do povo. A fantasia da ditadura é o ópio da moçada encrenqueira da USP. Democracia é uma coisa mortalmente monótona. Bom era o tempo em que o porrete da ditadura atiçava a adrenalina. Desta vez o pretexto foi a maconha, mas, se não fosse, algum outro seria encontrado. Entra ano, sai ano, o mesmo programinha de protesto, ocupação de prédio e denúncia da “ditadura” sacode a USP. Os protagonistas são sempre uma minoria. Dos mais de 80 000 alunos da universidade, desta vez não mais de 2 000 se envolveram no episódio. Mas é uma minoria estridente. Conta com a boa e velha “imprensa burguesa” para dar ressonância a suas estripulias. O problema central dessa moçada é a saudade de um período que eles não conheceram. Nasceram com atraso. São vítimas de uma trapaça do tempo. Daí a obsessão por fantasiar um entorno de repressão e obscurantismo contra o qual “resistir”.

O desejo de viver em outro tempo nos conduz a Woody Allen. Em seu último filme, Meia-Noite em Paris, o personagem central é um escritor fascinado pela mítica Paris dos anos 20, a cidade em que conviviam Picasso, Gertrude Stein, Hemingway, Scott Fitzgerald, Salvador Dalí, Erik Satie, Cole Porter. Uma mágica que ocorre sempre à meia-noite o transporta realmente a esse tempo. Outra mágica, maior ainda, o transporta, dessa vez acompanhado de uma amiga, a uma Paris ainda anterior, a dos impressionistas Renoir, Degas, Monet, Manet. A amiga é tão fascinada por esse tempo que nele decide ficar. O companheiro a adverte: “Cuidado! Esse pessoal vive num tempo em que nem se conhecia a anestesia”.

Ei, moçada da USP, acorda! A ditadura também operava sem anestesia.

Enquanto isso, em Rondônia… A Universidade Federal local encontra-se em greve desde setembro. Professores e alunos protestam contra a falta de recursos e irregularidades na administração apontadas em investigações da Controladoria-Geral da União. A causa é mais compreensível, mas Rondônia é tão longe…

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tá na Hora dos Pais .... Cultura afro-brasileira



Com os africanos  conhecemos 
O Candomblé, o Afoxé,
Capoeira do jeito que é 
Reggae, Lundu, Samba no pé

No início era a inferioridade do negro,
Com a superioridade do português
Hoje a igualdade entre ambos
Junta as qualidades num mundo em que todos tem vez

Moqueca, Feijoada, Azeite de dendê
Com isso tudo e mais um pouco
Tristeza e sofrimento para quê?

África e Brasil
Juntos desde sempre 
Formando uma nova tribo e um novo tipo de gente.

Letícia Vidal
Turma 703 / Ativo  / 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

GENTE QUE VOCÊ NÃO CONHECE, MAS VALE A PENA CONHECER .... Leila Diniz


Leila Diniz, um biquíni a colocou à frente de seu tempo

A atriz expressava-se sem medo da repressão da ditadura. A exibição de sua gravidez sem pudores fez dela um símbolo das mulheres atuais.

Karina Costa
Não tem como falar sobre moda praia sem lembrar da figura irreverente de Leila Diniz, carioca de Niterói que marcou a Ditadura Militar com atitudes que romperam tabus. Entre elas, a que a tornou símbolo da revolução feminina quando escandalizou a sociedade ao deixar o barrigão à mostra na praia, durante sua gravidez, exibindo-o num biquíni.

Considerada vulgar na década de 1960, hoje a atitude passaria despercebida, afinal, é comum mulheres desfilarem com modelos cada vez menores, sem vergonha de suas formas. É reflexo do comportamento da atriz a troca do corpo coberto pelo maiô por looks de duas peças como os biquínis asa delta, cortininha, fio dental. E a convivência democrática entre magrinhas, gordinhas, saradas e, claro, mulheres exibindo com muito orgulho que esperam um bebê.

Leila estava à frente de sua época também quanto aos seus discursos: dizia palavrões sem o menor pudor e não escondia de ninguém suas vontades e preferências sexuais. Em uma entrevista ao jornal alternativo Pasquim, disparou mais de 70 palavras de baixo calão e falou abertamente de sua vida sexual, o que motivou a lei da censura prévia à imprensa, o "Decreto Leila Diniz".

Formada professora, mas tendo seguido a carreira de atriz, Leila começou no teatro e dali para a TV e o cinema. Teve uma trajetória expressiva, mas curta, por ter falecido muito jovem. Aos 27 anos, o avião que a trazia de uma viagem a um festival na Austrália caiu. A bordo estavam mais de 80 passageiros, todos vítimas fatais. Deixou Janaína com menos de um ano, filha que teve com o cineasta Ruy Guerra.
Entre marcantes papéis, Leila contracenou com Cacilda Becker em O Preço do Homem. Na TV atuou em 12 novelas, entre elas Eu compro essa mulher, O Sheik de Agadir, Vidas em Conflito e E Nós, Aonde Vamos?. No cinema participou de mais de dez filmes, como Fome de Amor, Os Paqueras e Mãos vazias, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz pelo International Film Festival da Austrália.

Crônica do dia - O feriado de Zumbi


Rio - Filmes, peças, livros, crônicas, poemas, cordel, romance, música...qual a arte que não ainda não focalizou a figura de Zumbi dos Palmares? Ou melhor: quantas homenagens ele vem recebendo ao longo destes 316 anos após sua morte em 20 de novembro de 1695? Seu nome hoje é nome de aeroportos, municípios, bairros, largos, ruas, centros culturais...enfim, ele é, hoje, talvez o herói nacional mais popular do Brasil.

Essas homenagens são espontâneas, e mais interessante: aqueles que as propõem são brancos ou negros que se entusiasmaram pela história do grande líder do Quilombo de Palmares, em Alagoas, no século XVI. Como foi o caso o famoso teatrólogo Augusto Boal, autor da concepção artística Teatro do Oprimido, que, nos anos 1960, criou a musical “Arena canta Zumbi”, em sua homenagem. A peça acabou se tornando clássica na dramaturgia brasileira.

Em 1986, o então governador Leonel Brizola, criou o primeiro Monumento em Homenagem a Zumbi dos Palmares, na Av. Presidente Vargas, em frente para a antiga Praça Onze, que, hoje, se transformou no Terreirão do Samba. Este gesto foi fecundo, pois, dali em diante, surgiram mais sete monumentos no estado do Rio de Janeiro, também fazendo mesuras a Zumbi dos Palmares, sendo dois somente no município do Rio de Janeiro.

Depois deste belo currículo de homenagens, finalmente, o Congresso Nacional se rendeu a Zumbi dos Palmares, quando há duas semanas, aprovou que o 20 de novembro ( data da morte de Zumbi em 1695) como feriado nacional em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra Brasileira. A presidente da República, Dilma Rousseff, deverá sancionar hoje o tão ambicionado feriado pela comunidade negra. Eis, aqui, um caminho de convivência fraterna entre os brasileiros: saber respeitar as diferenças e ver qualidades no outro. Zumbi não foi apenas o outro, foi o grande herói que lutou contra a opressão do colonialismo português, criando uma nova sociedade. Assim, ele merece figurar entre os grandes heróis brasileiros.

Cacau de Brito é advogado