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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Te Contei,não ? - Viagem ao coração quilombola



Fonte: Revista O Globo em 15 de novembro de 2015 
Por Chico Otavio

10/12/2015



Suor descendo pelo rosto, roupas cobertas de poeira e garganta seca. Assim o grupo de mulheres da Caititu do Meio rompia em Berilo, cidade do Médio Jequitinhonha a 550 quilômetros de Belo Horizonte, após duas horas de caminhada sob o sol abrasivo, muita gente torcia o nariz: “Ih, lá vêm as pretas feiticeiras do Caititu.” Uma delas, a jovem Maria Geralda Gomes Oliveira, corria para pedir um copo d’água à primeira janela. Quando o morador dava-lhe as costas sem responder, Geralda não sabia o que fazer: se esperava pela água ou saía de fininho , cabeça baixa, sem olhar para trás.

Três décadas depois, Geralda ergue a cabeça para evoluir ao ritmo do batuque. Não é mais “preta feiticeira”. É quilombola, condição já reconhecida oficialmente. E o Feitiço de caititu, razão do preconceito que as deixava de garganta seca, é agora o legado cultural que poderá livrá-las do ciclo de miséria que assola uma das regiões mais pobres do país. Para vencer o abandono histórico, a carência, a fome, os latifúndios, a grilagem de terras e, para agravar, uma seca recente nunca vista por ali, as comunidades quilombolas do Jequitinhonha, o “vale da miséria” mineiro, querem virar atração turística. Para isso, estão tirando do fundo do baú da memória uma tradição ironicamente preservada pelo isolamento imposto pelo descaso.

domingo, 22 de novembro de 2015

Te Contei, não ? - Luta contra a Escravidão - Defesa com conhecimento de causa

RIO — Quem observa a força com que os movimentos sociais têm ganhado as ruas do Brasil, em nome de diferentes causas, pode não imaginar o quão distantes e organizadas são as raízes desse tipo de ação no país. É o caso do movimento abolicionista, considerado por muitos historiadores uma das primeiras grandes mobilizações populares em terras brasileiras. Por trás desse movimento, que reverberou por vias, teatros e publicações impressas no final do século XIX, estão atores nem sempre lembrados com o devido destaque: literatos negros que se empenharam em dar visibilidade ao tema. Debruçados sobre essa fase decisiva da história do Brasil, uma leva de historiadores tem revelado detalhes sobre a atuação desses personagens e mostrado que a conexão entre eles era muito maior do que se imagina.

domingo, 6 de setembro de 2015

Te Contei, não ? - Morre Joel Rufino dos Santos

RIO - Detentor de três prêmios Jabuti e autor de mais de 50 livros, o escritor e historiador Joel Rufino dos Santos era um nome de referência em cultura afro-brasileira. O pensador enveredou também pela dramaturgia ao longo de sua prolífica carreira. Levam sua assinatura três peças teatrais e duas minisséries para a TV. O Tribunal de Justiça de Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) comunicou, nesta sexta-feira, conforme noticiou o blog do colunista Ancelmo Gois, o falecimento de Rufino dos Santos, que era também diretor-geral de Comunicação e de Difusão do Conhecimento (DGCOM). O historiador morreu, aos 73 anos, em decorrência das complicações de uma cirurgia cardíaca realizada no dia 1º de setembro. O corpo de Joel Rufino será cremado ainda nesta sexta-feira em cerimônia reservada a parentes.

sábado, 29 de agosto de 2015

Te Contei, não ? - Engajamento e olhar crítico



Guia do Estudante  2016 

Te Contei, não ? - Racismo no Brasil: tentativas de disfarce de uma violência explícita


O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Esse fato histórico, aparentemente longínquo, deixou, na verdade, profundas marcas na sociedade brasileira. Para entendê-las, é preciso não esquecer os navios negreiros e os objetos de tortura. É preciso lembrar que a abolição foi lenta. Mas é preciso também pensar o lugar que a ciência ocupou na consolidação do preconceito contra os negros. Para que se lute contra o racismo é preciso primeiramente reconhecer que ele existe. Sem essa “confissão” tira-se do foco o alvo que se quer atingir.

A partir de meados do século XVI e, oficialmente, até 1850 &– data da lei que aboliu o tráfico de escravos negros &–, chegaram ao Brasil milhões de pessoas vindas de diferentes partes do continente africano. Nesse período, a forma de relação com o escravo é muito clara, pois ele é visto como “peça”, tratado como coisa que tem um proprietário: é alugado, vendido, comprado, entra na contabilidade das fazendas ao lado das cabeças de gado, das ferramentas e outros bens materiais.

O panorama geral da escravidão no Brasil, recomposto por vários historiadores, mostra que o regime escravista não foi menos violento do que em outros países. Ao contrário, podemos perceber uma violência cotidiana, multiforme e naturalizada, que nos dá pistas para o entendimento do racismo brasileiro atual.

A esperada cidadania após a abolição não aconteceu e, até hoje, é uma luta constante em uma sociedade em que a desigualdade racial é arraigada e as tentativas de apagar a memória da barbárie contra os escravos são permanentes, quer pela eliminação de documentos, quer pela disseminação do mito da democracia racial.

Pouco depois da Lei Áurea, e já na vigência do regime republicano, mais exatamente em 14 de dezembro de 1890, Ruy Barbosa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Presidente do Tribunal do Tesouro Nacional, queimou documentos oficiais que eram prova da escravidão, sob a justificativa de apagar da história do Brasil um período vergonhoso (ver Costa, 1996). No mesmo ano, o Hino à República diz: “Nós nem cremos que escravos outrora/ tenha havido em tão nobre país”. A este respeito, Costa (1996) afirma:

... o Estado apropria-se da História, controla e manipula o entendimento do processo histórico, confunde a noção de temporalidade e impinge o esquecimento. Garante, assim, a continuidade do mesmo sistema sob nova e atual roupagem: sem escravos e, logo depois, sem rei. Para dominar, há que se tornar senhor da memória e do esquecimento. (p. 84)

Mudaram as aparências, mas a essência das relações sociais não mudou. A atitude do Estado para a situação do negro “liberto” sempre foi omissa: a miséria material, a discriminação e a humilhação vividas pelos afrodescendentes são reduzidas à culpa deles mesmos, por meio de uma manobra ideológica que transforma o que é da esfera das relações de poder em algo natural, inerente à raça.2 A ideologia republicana pedia um projeto de nação que, por sua vez, requeria que se repensasse o homem brasileiro. Coube aos cientistas da época fazer esta reflexão.

Raimundo Nina Rodrigues, médico baiano renomado, estudioso do negro e da criminalidade e grande adepto das idéias do antropólogo criminal italiano Cesare Lombroso, foi representante importante das teorias raciais no Brasil. Lutou pela implantação da Medicina Legal nos currículos das Faculdades de Medicina e defendeu a criação de dois códigos penais brasileiros: um para os brancos e outro para os negros, pois pressupunha que as diferenças raciais levavam a diferenças comportamentais e morais tão grandes que não se podiam fazer as mesmas exigências para ambas as raças. Para ele, como para outros cientistas de sua época, a igualdade de direitos e deveres era uma ilusão.

Em Africanos no Brasil, publicado em 1935, destaco um capítulo: “Valor social das raças e povos negros que colonisaram o Brazil, e dos seus descendentes”. O objetivo é pensar a influência do negro na constituição do povo brasileiro, tendo em vista contribuir para a grande questão política daquele momento: a natureza desse povo e suas possibilidades de evolução.

Ao fazer esta discussão, ele contribuiu para a instituição da Antropologia no país, detendo-se no estudo dos povos africanos trazidos para o Brasil: os chamitas, os bantus e os sudanezes. Por considerá-los mais inteligentes e capazes de organização, ele defende a tese de que boa parte dos negros que chegaram ao país tinha razoável nível evolutivo. É assim que Rodrigues, nesse capítulo, consegue conciliar a questão da degeneração e inferioridade do negro - tão divulgada por diferentes autores e reafirmada por ele mesmo - com a possibilidade de pensar sem tanto pessimismo o futuro do país.

Para ele, a inferioridade social do negro é um fato incontestável: “De facto, não é a inferioridade social dos negros que está em discussão. Ninguém se lembrou ainda de contestá-la. E tanto importaria contestar a própria evidência” (Rodrigues, 1935, p. 388). Sua discussão da questão da inferioridade do negro gira em torno da capacidade de civilizar-se desta raça. O ideal de civilização é o de povos da Europa: será que o negro é capaz de civilizar-se como o europeu? Entre as duas versões dominantes &– a que concebe a inferioridade como “transitória e remediável” e a que a vê como inerente à constituição orgânica e, por isso, não há como remediá-la &–, Rodrigues toma o que interessa das duas, de modo a ver saídas para o país, sem negar a hierarquia entre as raças.

Diante de autores que justificam a inferioridade do negro pela “ossificação precoce das suturas craneanas” (Rodrigues, 1935, p. 389) e a tomam como causa da incapacidade dos negros de “assimilar a civilisação dos diversos povos com que estiveram em contacto” e tampouco de “crear cultura própria”, Rodrigues argumenta que a ossificação precoce não é causa da inferioridade, mas é conseqüência desta: “A ossificação será precoce mas não prematura, pois ocorre em tempo e em harmonia com o reduzido desenvolvimento mental de que os povos negros são dotados” (p. 389).

Em relação à impossibilidade de civilização do negro, Rodrigues (1935) afirma que a ciência ainda não tem elementos para respondê-la. No entanto, é categórico na crítica às concepções otimistas de desenvolvimento do negro:

A allegação de que por largo praso viveu a raça branca, a mais culta das secções do genero humano, em condições não menos precarias de atraso e barbaria; o facto de que muitos povos negros já andam bem proximos do que foram os brancos no limiar do periodo historico; mais ainda a crença de que os povos negros mais cultos repetem na Africa a phase da organisação politica medieval das modernas nações européas (Beranger Feraud), não justificam as esperanças de que os negros possam herdar a civilisação europea e, menos ainda, possam attingir a maioridade social no convivio dos povos cultos. (p. 390)

Rodrigues toma existência de níveis de desenvolvimento diferenciados entre os povos negros como prova de que são capazes de civilizar-se. No entanto, por ser muito morosa, o grau de civilização alcançado pelos negros não será o da raça branca. É assim que ele justifica a hierarquia entre raças e se opõe a argumentos igualitários: “A geral desaparição do índio em toda a América, a lenta e gradual sujeição dos povos negros á administração intelligente e exploradora dos povos brancos, tem sido a resposta pratica a essas divagações sentimentaes” (p. 391). Tanto a escravidão do negro quanto a diminuição dos povos indígenas são entendidas como sinais de inferioridade dessas duas raças.

O problema da mestiçagem e de suas conseqüências sobre o atraso do país também é objeto de sua atenção: “quanto de inferioridade lhe advem da difficuldade de civilisar-se por parte da população negra que possue e se de todo fica essa inferioridade compensada pelo mestiçamento” (pp. 391-392).

Para falar da diferença de capacidade de evolução do negro e do branco, Rodrigues (1935) vale-se de autores favoráveis aos grupos negros. Para um deles, o povo negro é degenerado devido a influências desfavoráveis externas, sendo necessários séculos de desenvolvimento para superar a degeneração resultante. A conversão dos negros ao cristianismo não faria com que as características morais (que são transmitidas geneticamente) mudem, pois “o negro convertido rebaixa invariável e necessariamente a nova religião ao nível de sua própria cultura mental” (p. 394). A capacidade de evolução do negro, embora admitida, só ocorre de forma gradual: “pois só quando um passo avante está dado com segurança é que o caráter de raça torna-se firme e capaz de sofrer novo impulso” (p. 394). Assim, não adianta tentar impor a civilização ao negro, porque é importante que ele passe por todas as fases de evolução a fim de que a raça sofra as transformações necessárias para chegar ao estágio de civilização do branco.

Para falar sobre o negro na América, Rodrigues (1935) recorre a autores que defendem a tese de que aqui o negro teve progressos pelo seu convívio com as raças superiores, embora continue sendo culturalmente inferior, situado no estágio infantil de humanidade e, por isso, “não se pode resolver a tratar de igual para igual com uma gente tão inferior a elles, do mesmo modo que o adulto não trata a creança de igual para igual, nem as classes superiores ás inferiores” (p. 396). Negros e crianças têm em comum “a leviandade, o capricho, a impr evidência, a volubilidade, a intelligencia ao mesmo tempo viva e limitada” (p. 395), concepção que teve forte influência sobre Rodrigues, principalmente em sua defesa de um código penal especial para os negros. Mas esse progresso será sempre limitado e inferior ao do branco, pois, segundo estudiosos citados por Rodrigues, o negro só poderia alcançar o branco se o branco perdesse a capacidade de evoluir, hipótese vista como impossível por eles. Por isso, enquanto o branco dá passos largos evolutivos, o negro só consegue dar pequenos passos quando em contato com os civilizados, o que faz com que o atraso em relação ao branco seja irreversível. Assim Rodrigues conclui sobre as vantagens da vinda dos negros para a América, “onde (...) estão collocados em condições de meio e cultura a todos os respeitos mais favoráveis do que os da Africa” (p. 395). Esses autores pressupõem que a convivência com o branco civilizado &– ainda que seja como escravo &– é melhor para o negro do que viver livre em culturas primitivas.

Os autores citados pelo médico baiano têm em comum a crença no processo gradual de civilização das raças - influência clara do evolucionismo social - e no constante atraso a que o negro está irremediavelmente submetido, seja por características biológicas, seja por atraso evolutivo. Não falta a eles esta ambiguidade. A influência do darwinismo social aparece em citações como esta: “O negro principalmente é inferior ao Branco, a começar da massa encephalica que pesa menos e do apparelho mastigatorio que possue caracteres animalescos, até ás faculdades de abstracção, que nelle é tão pobre e tão fraca” (Rodrigues, 1935, p. 396). A contribuição de Rodrigues a esta discussão foi afirmar que uma nação constituída por maioria negra será tanto mais atrasada quanto “mais inferior e degradado tiver sido o elemento africano introduzido pelo trafico” (p. 397). No caso brasileiro, diz ele, não vieram apenas povos africanos degradados, mas também “poucos negros dos mais adiantados e mais do que isso mestiços chamitas convertidos ao Islamismo e provenientes de estados africanos bárbaros sim, porém dos mais adiantados” (p. 398).

Foi assim que esse antropólogo e médico da Bahia fez parte do contigente de “homens de sciencia” que se valeram do que o darwinismo social e o evolucionismo tinham de mais relevante para administrar as questões sociais e políticas do primeiro período da República brasileira.

A partir daí, outros momentos políticos, outras ideologias nas ciências humanas e movimentos sociais em defesa da cidadania levaram à tendência crescente de negar a existência de preconceito racial no Brasil. Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1933/2003), é uma obra que deu força à crença na democracia racial brasileira. Nesta direção, Schwarcz (1996) apresenta uma pesquisa sobre racismo em que 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% afirmaram conhecer pessoas preconceituosas, como amigos, namorados e parentes próximos. A partir desses resultados, a autora conclui: “Todo brasileiro se sente como em uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados” (p. 155).

Apesar do discurso que nega ou ameniza a presença do preconceito e da discriminação racial no país, não é difícil ver manifestações de racismo no dia-a-dia da vida social brasileira. Ora ele é escancarado, como nos massacres freqüentes, ora é silencioso, como no olhar policial que põe constantemente os negros sob suspeita. Pesquisa recente concluiu que há diferença de tratamento, por parte da justiça, de brancos e negros. Estes são tratados com mais severidade, desde a instância policial até o tribunal, como se a criminalidade e a possibilidade de “perturbar a ordem social” lhes fosse inerente (ver Adorno, 1996).

Em 2003, o cartaz de uma campanha publicitária contra o uso de drogas dá continuidade à relação entre negritude e criminalidade: a mão que empunha a arma é negra; a que sustenta é branca


Sylvia da Silveira Nunes 

domingo, 23 de agosto de 2015

Te Contei, não ? - A África clama por solidariedade - Marcelo Barros

Nós, brasileiros, temos uma dívida social com a África que nos ajudou a construir o nosso país. Depois da guerra, por exigência da justiça internacional, os judeus foram "indenizados" por tudo o que perderam na perseguição nazista. A África nunca foi indenizada pelas invasões, pelo colonialismo e pela estrutura escravagista que seqüestrou milhões de seus filhos. Como crentes no Deus da vida, somos chamados a inventar novas formas de solidariedade que seja força de ressurreição para o continente africano.

sábado, 22 de agosto de 2015

Crônica do Dia - Netflix produz documentário poderoso sobre Nina Simone - Ricardo Cota

Nina tornou-se um emblema dos tempos modernos e diante da reação sanguinária ao ‘black power’


O DIA
Rio - Não está em cartaz nas telas do cinema, mas pode ser acessado em poucos cliques um dos melhores lançamentos de 2015: o documentário ‘What Happened, Miss Simone?’ (O que Aconteceu, Miss Simone?), disponibilizado pela plataforma de conteúdo Netflix. O filme traça um voo rasante na vida da talentosa pianista, compositora, intérprete e ativista social que entrou para a história conjugando virtuosismo, técnica e atitude num período de ventos nada favoráveis às mulheres negras norte-americanas.

domingo, 16 de agosto de 2015

Crônicas do Dia - É preciso determinar - Frei David Santos

Estatuto da Igualdade Racial tem artigos que apenas autorizam, e não determinam

POR 
O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado num contexto ruim para a comunidade negra e sua relação com os poderes partidários no Congresso. A esquerda só conseguia fazer passar bons projetos fazendo grandes concessões. Desfigurou a proposta original. Quase todos os artigos que eram determinativos, a oposição, com o silêncio do governo, mudou, tornando-os autorizativos. Isso comprometeu muito a eficácia do documento.
Estamos agora, após estes cinco anos de aprovação, buscando bons e éticos parlamentares, em todos os partidos, inclusive no PSDB, para costurar uma boa e eficaz reforma no estatuto. Os partidos precisam refletir: 53,7% do Brasil são compostos por afrodescendentes. É inaceitável, por exemplo, que os afrodescendentes somos apenas pouco mais de 1% entre os professores universitários de todo o Brasil, segundo o pesquisador José Jorge de Carvalho, Ph.D. em Antropologia, professor da UnB e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Infelizmente, a direita e a esquerda não tiveram e nem têm interesse nos direitos do povo negro. É um estatuto autorizativo. Com leis determinativas, podemos recorrer ao Ministério Público e exigir que sejam colocadas em prática. O estatuto é uma lei autorizativa e que beneficia 53,7% do povo brasileiro que estão economicamente despossuídos e, consequentemente, sem poder político.
Todas as cotas para negros que conquistamos foram sem ajuda do estatuto. Setores da militância tiveram que “ralar muito” para fazer avançar as conquistas das cotas! Infelizmente, podemos dizer que é questionável a importância deste falso estatuto que a esquerda e a direita nos empurrou goela abaixo.

O governo cedeu demais. Até os parlamentares afrodescendentes de esquerda, com raríssimas exceções, de todos os partidos, foram omissos na luta pelo mínimo de dignidade em prol dos direitos do seu povo negro. Nem digo “na luta pelo estatuto ideal”, mas um estatuto mais justo com 53,7% do povo brasileiro. Em troca de favores, espaço e migalhas, os líderes dos partidos deixaram passar o texto que a classe dominante queria.

Para valorizar todos os esforços da militância, empreendidos por anos, criamos a frase: “É melhor um estatuto ruim em ação do que o ideal engavetado”. Esta frase ajudou-nos a refletir que nosso poder político, enquanto negros, no Congresso Nacional é muito baixo. O estatuto está no mesmo nível do nosso poder político. Infelizmente.
Todos os pontos ficaram negligenciados. Os meios de comunicação, por exemplo, continuam descaradamente se omitindo no dever de incluir o povo negro. Os bancos particulares, abusivamente, depois do estatuto, engavetaram um belo plano com metas de inclusão. Os governos federal, estaduais e municipais têm em suas mãos um volume imenso de cargos de confiança e relutam em fazer a inclusão pluriétnica neste filé mignon que é usado para barganha na baixa política praticada pelos que estão no poder no Brasil.
Frei David Santos é especialista em ações afirmativas





sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Crônicas do Dia - Racismo e babás negras - Leda Nagle

Desde quando a cor da pele tem que vir em primeiro lugar para contratar alguém? Carinho e respeito é o que vale

O DIA
Rio - Desde sempre se diz que um negócio só é bom quando é bom para os dois lados. Faz todo o sentido. Ou fazia. Vejam só: duas moças precisam trabalhar, como todo mundo aliás. Uma outra moça precisa de funcionários e contrata as moças. As moças cumprem suas funções. A contratante está satisfeita com o trabalho delas. Instala-se uma relação de respeito aos direitos e deveres das três. A vida segue normalmente. Mas só até a página dois. Porque uma foto das duas moças trabalhadoras, publicada na internet, vira uma grande confusão.
Não, as moças não estão Crônicas do com sinais de tortura, nem parecem humilhadas. Ao contrário, parecem felizes. A patroa só publicou a foto porque também está feliz com o trabalho das moças. Mas as moças são negras e a patroa é branca e há quem veja racismo. E se as moças fossem brancas e a patroa negra? Será que seria considerado racismo? Será que as moças brancas seriam chamadas de mucamas, só porque são empregadas ou funcionárias de uma patroa negra? As babás brancas são diferentes das babás negras?
Desde quando ao contratar alguém a cor da pele tem que vir em primeiro lugar? Eu sei que esta questão é um vespeiro e só fico mais à vontade para escrever porque senti um clima de perigoso racismo nestas reclamações mais exaltadas. É bom deixar claro que não conheço nenhuma das partes envolvidas. E espero que as duas moças e a patroa continuem a ter relação de respeito, amizade e trabalho, sem se deixar levar pelo rancor alheio. 
O clima de carinho que senti na publicação da foto me fez lembrar que tive uma babá negra ,Irene, que eu chamava de Pepei. Era linda. Era porta-bandeira da escola de samba Turunas do Riachuelo, lá em Juiz de Fora, e minha mãe me levava para vê-la dançar. Se tivesse internet, minha mãe provavelmente teria publicado uma foto de Pepei, que eu, provavelmente, mostraria orgulhosa aos meus coleguinhas. Será que despertaria esta mesma discussão? Será que estava certo naquela época e está errado agora? E não foi só ela que me faz lembrar com carinho de uma babá. Durante anos, meu filho teve uma babá muito especial, Derli, que também era negra. Juntas, eu, ela e ele, fizemos inúmeras matérias para revistas de televisão, com direito a fotos, carinhos e abraços. Sem estes protestos. E mais: ela não foi só importante na minha vida e na dele. Foi decisiva, assim como eu, para a construção da pessoa amorosa que ele é hoje. O que faz diferença , o que importa, não é , nunca foi, nem nunca será a cor da pele, mas sim o respeito e o carinho. E a certeza que o trabalho honesto é um direito de todos.

E-mail: comcerteza@odia.com.br

terça-feira, 21 de julho de 2015

Te Contei, não ? - Os nomes hipócritas que os portugueses davam aos navios negreiros

De acordo com a universidade norte-americana de Emory, cerca de 4,8 milhões de escravos foram transportados de África para o Brasil, entre o século XVI e XIX. Alguns dos barcos que os transportavam foram baptizados com nomes que dissimulavam a verdadeira natureza da “mercadoria” que traziam a bordo.

Perto de 35 mil viagens catalogadas por todo o mundo, de navios que transportaram escravos de África para diversos portos espalhados por todo o mundo, tanto na Europa como na América, ao longo dos séculos XVI e XIX. Foi o que fez, nas últimas décadas, a Universidade de Emory, no estado norte-americano de Atlanta.

De acordo com os cálculos feitos pela instituição, a consequência destas viagens foi o aprisionamento e embarque de 12 milhões de escravos em todo o mundo. Ao Brasil terão chegado à volta de 5 milhões de escravos, indica a universidade, cujos dados estão disponíveis no website “slavevoyages.org”. Ao todo, presume-se que morreram centenas de milhar de pessoas, só nas travessias pelo Atlântico.

O que mais chocou muitos dos interessados que lançaram-se na pesquisa destes dados foram os nomes de alguns dos navios, com bandeira portuguesa, que faziam este transporte. Uma mistura de mau gosto com hipocrisia. Eis oito dessas embarcações.

1. "Amável Donzela" (1788 a 1806)
Travessias realizadas: 11
Escravos transportados: 3.838
Escravos mortos durante as viagens: 298

2. "Boa Intenção" (1798 a 1802)
Travessias realizadas: 2
Escravos transportados: 845
Escravos mortos durante as viagens: 76

3. "Brinquedo dos Meninos" (1800 a 1826)
Travessias realizadas: 11
Escravos transportados: 3.179
Escravos mortos durante as viagens: 220

4. "Caridade" (1799 a 1836); houve quatro diferentes embarcações com esse nome
Travessias realizadas: 20
Escravos transportados: 6.263
Escravos mortos durante as viagens: 392

5. "Feliz Destino" (1818 a 1821)
Travessias realizadas: 3
Escravos transportados: 1.139
Escravos mortos durante as viagens: 104

6. "Feliz Dias a Pobrezinhos" (1812)
Travessias realizadas: 1
Escravos transportados: 355
Escravos mortos durante a viagem: 120

7. "Graciosa Vingativa" (1840 a 1845)
Travessias realizadas: 10
Escravos transportados:1.257
Escravos mortos durante as viagens: 125

8. "Regeneradora" (1823 a 1825); houve três embarcações com esse nome 
Travessias realizadas: 7
Escravos transportados: 1.959
Escravos mortos durante as viagens: 159

SAPO


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Tá na Hora do Poeta - A escritora negra



A escritora negra


Sou Carolina de Jesus
E você provavelmente não me conhece
Mas sem mim
Nossa cultura empobrece

Para antes me conhecer
Vou aqui me apresentar
Mas sem tudo dizer,
Pois os detalhes terá que pesquisar

Moro na favela
E não reclamo,
Pois de uma certa forma
É por conta dela que faço o que amo

Trabalho duro 
Noite e dia 
Para dar aos meus filhos
Um pouco de alegria

Para saber quantos filhos
Terá que pesquisar
Porque isso
Não irei te informar

Escrevi um livrinho
Chamado Quarto do Despejo
Com o papel do lixo
Conto o que vejo

Acho que fiz sucesso,
Pois veio até jornalista
Ganhei muito dinheiro
Somente sendo realista

Comprei uma casa 
Com melhor condição
Não lidei bem com o dinheiro
E voltei para o favelão

Escrevi mais alguns livros 
No meio dessa doideira
Foram tantos compradores
Que virou até língua estrangeira

Agora me despeço
Toda sorrateira
Se gostou desse poema
Pesquise minha história inteira

Luisa Heinle Kuhner 
 Turma 802
2015 

terça-feira, 23 de junho de 2015

Crônicas do Dia - Uma nação partida - Dorrit Harazim

A indagação foi postada nas redes sociais feito garrafa lançada ao mar, sem destinatário certo: “Onde podemos nos sentir seguros? Onde podemos ser livres? Onde podemos ser negros?”. Era o resumo da desesperança da América negra após a chacina racial na Igreja Metodista Emanuel de Charleston, estado da Carolina do Sul. Uma interrogação que não se imaginava mais necessária nem urgente.

domingo, 21 de junho de 2015

Tá na Hora do Poeta - Carolina, mulher de luz - Alessandra C. Guimarães


Carolina, mulher de luz

Na vida
Tudo pode acontecer
Pode ser feliz ou sofrida
Ela pode ser lembrada
Se a história puder ser lida

Carolina Maria de Jesus
Mineira, pobre, negra
Injustiçada e surrada
Saiu de casa
A pé andava
De cidade em cidade parava

São Paulo então chegou
Um emprego arrumou
Na biblioteca da casa
Lia histórias e poesia
Ela lia e escrevia,
Mas os estudos não completou

Mãe solteira, três filhos
Sem emprego, sem casa
Para o Canindé ela foi
E à própria sorte
Construiu sua casa
Com materiais que achou

Catava papéis para sobreviver,
Mas ficava com alguns
Para poder escrever
O que acontecia
No dia a dia

Sua maior arma era seu livro
E então, a semianalfabeta
Negra e favelada
Virou sucesso
O quarto de despejo
Mostrou a realidade
E se transformou em novidade

A fama veio,
E o dinheiro também,
Mas não soube lidar com ele
Faleceu esquecida
Fora de sua casa “residível”

Sua forma de ver o mundo
Mudou o mundo dos outros
Escreveu a sua vida,
Mas não foi reconhecida
E merece ser lembrada
Por escrever com alegria e luz
Carolina Maria de Jesus



Alessandra C. Guimarães - 801

Crônicas do dia - Da pedra ao diálogo - William Helal Filho


Perseguições, prisões e até mortes de adeptos das religiões de matriz africana eram frequentes no Brasil do século XIX. Um absurdo escorado na letra do artigo 157 do primeiro Código Penal republicano, de 1890, que proibia “praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim para fascinar e subjugar a credulidade pública". Mais de 120 anos se foram desde então. O país evoluiu. Hoje, a Lei 7.716, de 1989, protege fiéis de todas as crenças, prevendo anos de cadeia para quem comete crimes de intolerância religiosa. Mas indivíduos de certos ramos da sociedade continuam lá atrás.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Te Contei, não ? - Gerações de graduados formados a partir da política de cotas já fazem diferença



Para sociólogo, política de cotas é uma solução temporária, enquanto ainda existe disparidade no Ensino Fundamental

Te Contei, não ? - Branco, nobre e escravo do governador

Branco, nobre e escravo do governador

Por muitos anos, Anthony Knivet lembraria o dia em que chegou ao Rio. Apavorado, dentro do navio onde vinha preso, o jovem inglês viu ao longe a praia da atual Praça Quinze e, dela, partirem canoas para a recepção. Uns portugueses remavam, os outros batiam tambores, faziam barulho, festa. Knivet foi jogado ao mar e quase se afogou. Trazido à terra, teve de esperar. O governador Salvador Correia de Sá, que decidiria seu destino, assistia à missa na Igreja de Nossa Senhora do Ó, atual Carmo.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Te Contei, não ? - O tamanho real da escravidão

RIO — Entre 1500 e 1856, a cada cinco pessoas no mundo que foram escravizadas, uma colocou os pés no Rio de Janeiro. Foi na região do Porto, onde hoje estão as avenidas Venezuela e Barão de Tefé, que atracou boa parte dos navios negreiros vindos da África, trazendo, inclusive, corpos de quem não resistiu à viagem. Por muito tempo, imaginou-se que pouco mais de um milhão de escravos desembarcaram na cidade — e mais 2,6 milhões teriam sido levados para outros pontos do litoral brasileiro. Agora, estudiosos afirmam que o número relativo ao Rio é muito maior que o estimado por vários historiadores. A tese é baseada em um minucioso banco de dados criado pela Universidade de Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos: o arquivo reúne registros portuários feitos ao longo de três séculos e meio. O trabalho está hospedado no site slavevoyages.org e ganhará, dentro de algumas semanas, tradução para o português pela Casa de Rui Barbosa, em Botafogo. Segundo o novo levantamento, cerca de 2 milhões de escravos chegaram ao Rio.