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domingo, 4 de outubro de 2015

Te Contei, não ? - As aventuras de Hans Staden


Rabelais denunciou os exageros dos viajantes

As aventuras de Hans Staden


Hans Staden, um alemão que fora aprisionado pelos tupinambás no litoral fluminense, em 1554, depois de ter voltado para casa, escreveu, provavelmente, um dos primeiros best-seller sobre o Novo Mundo. Sua narrativa, tantas vezes editada entre nós, não só teve agora uma bem ilustrada nova impressão, como serviu de roteiro para um filme que ora ganha cartaz no Brasil inteiro.



A captura: imaginem ser capturado no Brasil do século 16 por um aborígine chamado Nhaepepô-açu ,"Panela Grande", e, pior ainda, ser dado em seguida de presente a um outro, de nome Ipirú-guaçu, o "Tubarão grande"! Nada de esperançoso, pois, aguardava o pobre Hanz Staden, um alemão do Hesse que, embarcado para cá, caíra aprisionado pelos tupinambás, no ano de 1554.

Não satisfeitos em ameaçar devorá-lo a qualquer instante, os seus captores, depois de terem-no levado para a aldeia deles em Ubatuba, arrastavam-no para que presenciasse as cerimônias antropofágicas que realizavam. Certa vez, carregaram-no até a aldeia de Tiquaripe, perto de Angra dos Reis, para ver um dos seus inimigos ter a cabeça esmagada pelo ibirapema, o tacape de execuções. Logo em seguida, assistiu os restos do bravo serem rapidamente deglutidos pela tribo inteira, embriagada previamente com licor de raízes de abatí.
Um livro incrível

Staden, que miraculosamente retornou ao Hesse, registrou seus tormentos de prisioneiro dos nativos num livro maravilhoso para ler: Viagens e aventuras no Brasil(Wahrhaftige Historia, editado em Marburg em 1557). Porém, ele não foi o primeiro alemão a pôr os pés no Brasil. Houve ainda um outro, um tal de Ulrich Schmidel, um lansquenete que, em 1540, com um grupo de aventureiros a serviço dos espanhóis, embrenhou-se inutilmente na Amazônia, atrás da lendária tribo de mulheres guerreiras (façanha contada na História verdadeira de uma viagem curiosa feita por Ulrico Shmidel, editada em Frankfurt, em 1567).

Interessa, porém, observar, no que toca ao livro de Staden, as precauções que ele tomou na Alemanha para que acreditassem nele. A Europa do século 16, o grande século das navegações, estava cansada de ler ou ouvir relatos eivados em mentiras e absurdos diversos.

O descrédito das narrativas de viagem. A tal ponto tinha chegado a coisa, que Rabelais, o grande satírico francês, fazendo mofa do livro do padre cosmógrafo André Thévet (Singularitez de la France Antarctique, 1558), decidiu-se inserir na sua obra-prima, dois capítulos denunciando, pelo riso, o disparate das visões mentirosas que alguns viajantes tiveram no inexistente País de Cetim. Criou, também, como símbolo desses mitômanos, um personagem-caricatura, o "Ouvi-dizer", que, apesar de ser um velho, corcunda e paralítico, tendo a língua esfacelada em sete pedaços, narrava, com um mapa-múndi aberto à sua frente, as suas impossíveis aventuras para uma multidão de crédulos. Eram histórias de unicórnios, de mantichoros com corpo de leão e cara humana, de cabeçudíssimos catoblepos de olhos venenosos, de hidras com sete cabeças, de onocrotalos que imitavam gritos de asno, de pégasos, e de tribos de seres com cabeças de pássaros, ou até mesmo com duas cabeças, de povos fabulosos que andavam apoiados nas mãos, com as pernas balançando no ar! (ver o livro V de Gargantua e Pantagruel, de 1564)

Querendo, pois, evitar ser chamado de embusteiro, Staden, além de banir do seu relato qualquer menção à zoologia fantástica, pediu a um conhecido seu do Hesse, um tal de Dryander, que assegurasse a veracidade do conteúdo do livro. O alemão, "ébrio de um sonho heróico e brutal", viera a dar com os costados no Brasil para satisfazer seu gosto pela aventura, para ver de perto as maravilhas que escutara na Europa sobre o Novo Mundo descoberto. Foi na sua segunda viagem ao Brasil (na primeira ele conheceu Pernambuco) que Staden naufragou nas costas do litoral fluminense. Por saber lidar com canhões, os portugueses, que o acolheram muito bem, promoveram-no a artilheiro do Forte de Bertioga.
Entre os tupinambás

Certo dia, num descuido seu, os tupinambás, inimigos dos lusos, o maniataram, dando início então ao seu calvário. Amarrado e transportado por mar na piroga indígena, Staden fez de tudo para convencer seus captores de que ele não era um peros, um português, mas sim um mair, um francês, portanto um aliado deles. Conseguiu pelo menos deixa-los na dúvida. Afinal, os índios podiam matar alguém amigo. A alvura do alemão e sua barba loira devem tê-lo ajudado, pois os tupinambás, provavelmente, nunca tinham visto um português brancarrão como ele. Staden atribuiu a sua sobrevivência às rezas, o tempo inteiro, feitas com redobrado fervor.


Cena antropofágica: mulheres da tribo retalham o morto


Os antropólogos, porém, conhecendo hoje melhor os rituais de antropofagia, lendo Staden, chegaram a outra conclusão. Não o abateram e o moquearam por que Staden pareceu-lhes um covarde, cuja carne era indigna de ser ingerida por um valente tupinambá. Não foi pois, o olhar de Deus que o salvou, mas o tremor que abalou o seu corpo e a sua voz.

O que impressiona o leitor, é como Staden conseguiu manter um excelente poder de observação em meio aos perigos em que se encontrava. Deve-se a ele termos um relato em primeira mão da vida dos indígenas, com quem partilhou hábitos e costumes, privando com os seus cheiros, humores, e impudores. Não se trata das observações, quase que de rigor científico, como as do genebrino Jean Lery em sua passagem pelo Brasil, quando por aqui esteve na França Antártica de Villegagnon, em 1557. Oportunidade em que, visitando algumas tabas e conversando com os nativos, ao redor da baia da Guanabara, coletou material e assunto. De volta ao Velho Mundo, Lery publicou um ensaio que é considerado como um dos mais soberbos levantamentos etnográficos do Brasil: o Viagem a terra do Brasil, La Rochelle, 1578. Staden, ao contrário, viveu oito meses em meio aos seus captores. Afinal, os tupinambás tinham-no transformado num Ché remimbaba indé, num animal doméstico, que seu dono, o já referido Tubarão Grande, conduzia amarrado como um cão para todos os lados.

Staden apela inutilmente por asilo


Angustia-se o leitor com a falta de solidariedade de alguns marinheiros franceses para com o pobre homem. Certa vez, o alemão chegou a abordar um barco ancorado bem próximo à praia para pedir asilo. O comandante, para desespero do fugitivo, mandou que se afastasse, porque não queria a inimizade dos índios. Se o acolhessem, disse, os tupinambás, magoados, não fariam mais escambo com ele. Mas, por fim, Staden conseguiu, numa outra oportunidade, um convés amigo que o levou de volta à Europa. O livro de Staden foi um sucesso, tendo conhecido várias tiragens. Talvez tenha sido o primeiro best-seller relatando uma aventura no Novo Mundo.
O primeiro best-seller do Novo Mundo

Zinca Wendt (Relatos quinhentistas sobre o Brasil, Berlim, 1993), demonstrou que o êxito da vendagem do livro de Staden , além das suas óbvias qualidades, e de transmitir ao leitor a permanente sensação de horror em vir-se a ser vítima do canibalismo, deveu-se largamente à mensagem religiosa que continha. O crente náufrago apareceu aos seus conterrâneos da Igreja Reformada, como alguém que escapara miraculosamente das garras do demônio, graças a sua fé protestante. Aliás, ao longo do livro, Staden reproduziu as orações e preces que fez aos céus para poder escapar aquele pesadelo. Portanto, a narrativa, também, serviu como uma poderosa arma na guerra travada ao longo do século 16, entre protestantes e católicos. A Nova Fé, derivada da rebeldia de Lutero, igualmente, era capaz de provocar milagres!

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Tá na Hora do Poeta - Não acredito em Branco

Não acredito em Branco

Oh, querido Brasil,
Que eu habitei antes de Cabral
Tudo em você mudou
Depois da primeira nau 

Nossas aldeias queimaram
Nossas culturas acabaram
Nossos deuses mataram
Nossas línguas calaram

Dor e sangue
Portugueses criaram
Quando em nosso mundo abarcaram

Agora digo
Com dor e sofrimento
Que ser escravo é um tormento.


Artur Lopes de Oliveira Pinheiro 
Turma 701 / 2014 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Te Contei, não ? - A Carta de Pero Vaz de Caminha - outros olhares

A Carta conhecida como “Carta de Pero Vaz de Caminha”
é também conhecida como “Carta a el- Rei Dom Manoel sobre o achamento do Brasil”, é um documento no qual Pero Vaz de Caminha, escrivão de Pedro Alvares Cabral (descobridor do Brasil) registrou suas primeiras impressões sobre a terra descoberta.
É considerado o primeiro documento escrito da História do Brasil. Assim, é considero o “marco zero” ou o pontapé inicial para a construção da história Brasileira após o descobrimento. O termo “descobrimento” é muito questionado hoje em dia, pois quando usado nos faz esquecer que estas terras já eram habitadas por índios.

Te Contei, não ? - Carta de Pero Vaz de Caminha

Carta de Pero Vaz de Caminha

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Crônica do Dia - Gentios

08 agosto 2014/ Fernanda Torres 


O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro escolheu um trecho dos Sermões do padre Vieira para ler na mesa da Flip sobre os livros que os autores convidados levariam para uma ilha deserta. A passagem era de uma beleza extrema e falava muito sobre nós, eternos índios, habitantes da Terra Brasilis.

Nela, Vieira faz uma comparação entre as estátuas de mármore e as feitas de murta. As primeiras demandariam tempo e esforço do escultor e exigiriam um trabalho árduo para transformar a matéria. Uma vez definidas, no entanto, permaneceriam imutáveis ao longo dos séculos. Já as de hera deveriam ser eternamente podadas, para evitar que dedos, olhos e pernas tortas surgissem em lugares indesejados.

O caráter maleável e orgânico das cercas vivas requereria a vigilância constante do escultor.

Vieira usa a metáfora para dizer que a palavra de Deus, nas sociedades ditas civilizadas, demandaria uma pregação rígida, que, uma vez transmitida, estaria para sempre presente na alma dos catequizados. Já entre os silvícolas, a mensagem deveria ser repetida à exaustão, dia após dia, pois ela jamais seria deveras fixada.

Os gentios, diz Vieira, aceitam Cristo com facilidade, para, em seguida, esquecê-lo, voltando de bom grado ao seu estado original. É uma imagem que fala da dificuldade que percebo no Brasil de alcançarmos um nível de civilidade sólido e estável. Vivemos num país que parece caminhar para a frente, para trás, para o lado; um lugar indomável, regido por forças naturais que se negam a ser aprisionadas por dogmas.

No encerramento da mesa, Davi Kopenawa, o líder ianomâmi, fez um apelo aos presentes para que se empenhassem na proteção de seu povo, ameaçado por garimpeiros, por forças políticas e econômicas que almejam o lucro e destroem a floresta.

Desde minha passagem pelo Xingu, em 1989, nas filmagens de Kuarup, compreendi que os índios não estão tão distantes de nós. Os brancos, pretos e amarelos que vieram dar aqui transformaram a terra, mas foram também influenciados pelas nações que ocupavam o território antes dos portugueses. Apesar do genocídio que continua a ocorrer, carregamos essa contradição, esse interesse e, ao mesmo tempo, desprezo pela racionalidade europeia.

A colonização não se dá apenas num sentido, ela também acontece na contramão da história. No México, a herança asteca e maia é tão forte quanto a espanhola, assim como os
incas são tão parte do Peru quanto os descendentes de Pizarro.

O trecho do sermão de Vieira, lido por Viveiros, é revelador quanto à nossa natureza doce e, ao mesmo tempo, arredia, quanto ao nosso encantamento e desconsideração pelo progresso. Lamentamos nossa cultura primitiva e, por outro lado, gozamos da liberdade de sermos selvagens.

No Rio de Janeiro, em especial, um certo escárnio cívico, uma raiva por termos perdido o poder da capital, nos torna ainda mais lenientes e avessos à capacidade da democracia cristã de nos livrar das nossas mazelas. Somos adoradores dos morros, dos matos e das águas, exatamente como os tamoios e tupinambás. Sobrevivemos apesar dos nossos governantes e das crenças que eles carregam.

A eleição que se aproxima promete ser uma escolha entre a cruz e a caldeirinha. Sinto que iremos às urnas como o índio ia à missa. Aceitaremos, mais uma vez, a tragédia que nos espera, com a mesma indiferença com que os silvícolas rezavam o Credo.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

De onde veio - O Quinto dos infernos

Na época das grandes navegações, quando em Portugal vinha chegando uma embarcação proveniente do Brasil, o povo dizia: "Lá vem a nau dos quintos do inferno". "Inferno" era como os portugueses chamavam o Brasil. Os "quintos" se referiam ao imposto de 20% ( um quinto ) do outro aqui extraído, cujo produto arrecadado ( ouro mesmo ) era levado para Portugal pelo mar.
Depois veio o xingamento de mandar alguém para os quintos do inferno. 

Te Contei, não ? - No meio do caminho tem uma tribo

GOVERNO CONFLITA COM INDÍGENAS POR CONSTRUÇÕES DE HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA

Para construir o complexo, o governo terá de enfrentar 12 mil indígenas conhecidos secularmente por cortar a cabeça de seus inimigos. Um garoto na roça da aldeia Sawre Muybu. Ainda não demarcada, a reserva poderá ir para debaixo d’água (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
Para construir o complexo, o governo terá de enfrentar 12 mil indígenas conhecidos secularmente por cortar a cabeça de seus inimigos. Um garoto na roça da aldeia Sawre Muybu. Ainda não demarcada, a reserva poderá ir para debaixo d’água (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
Erguida em meio a uma imensidão de floresta, a 300 quilômetros do mais próximo centro urbano pela inacabada Rodovia Transamazônica, a cidade de Jacareacanga ganhou fama nacional ao estampar manchetes de jornais em fevereiro de 1956. Naquele ano, militares da Aeronáutica contrários ao então presidente, Juscelino Kubitschek, instalaram um quartel-general no município, dominaram territórios vizinhos e ensaiaram um golpe de Estado que acabou rapidamente reprimido. Enredo digno de cinema. Quase 60 anos depois daquela que ficou conhecida como Revolta de Jacareacanga, essa cidade do sudoeste do Pará ressurge agora como cenário de uma trama tão ou mais intrigante. Nas aldeias dos arredores, milhares de índios mundurucus – notáveis por cortar a cabeça de seus inimigos em batalhas e usá-las como troféus, prática que se estendeu até o final do século XIX – declararam guerra ao governo federal. No último ano, pintaram seus corpos, empunharam flechas e bordunas para dar este mesmo recado ao governo. “Somos caçadores de cabeça”, disse na semana passada Josias Manhuary, de 37 anos, o líder dos guerreiros. “Se eles insistirem na construção de hidrelétricas nas nossas terras, vamos atacar.”

terça-feira, 24 de junho de 2014

Te Contei, não ? - A carta e o índio

A Carta e o índio

Um fazendeiro incumbiu a um índio, ainda não de todo civilizado que fosse levar dez belas frutas a um amigo. Sobre elas colocou uma carta.
No caminho o índio teve vontade de comer uma das frutas. E não se conteve: comeu-a!
Ao receber o presente, o amigo do fazendeiro disse ao índio:
O amigo: - Você comeu uma das frutas?
O Índio: - Eu?
O Amigo: - Sim. Esta faltando uma.
O Índio: - Como é que o senhor sabe?
O Amigo: - Ora, essa! Pela carta.
O Narrador:
O Índio não tinha a menor idéia de como a gente pode registrar as idéias pela escrita, e desse modo transmiti-las aos outros.
Por isso, olhou com admiração a folha de papel que o outro lhe exibia e disse:O Índio: - Ah! Isso conta o que a gente faz?... Eu não sabia!
O Narrador: Uma semana depois, o índio foi de novo encarregado de levar um cesto de frutas ao mesmo homem. Levava também uma carta.
No meio do caminho, pousou a cesta no chão e, pegando na carta, disse:
O Índio: - Deixe estar, bicho mexeriqueiro, contador do que a gente faz! Agora você não há de ver o que vou fazer para contar aos outros!
O Narrador: Dito isto, sentou-se sobre o envelope.
Comeu três das frutas e atirou longe as cascas e os caroços.
Então, levantou-se, pôs a carta no lugar e continuou no caminho.
Mas coitado! Mal chega a casa do amigo do fazendeiro, o mesmo lhe pergunta:
O Amigo: - Então... estavam boas as frutas?
O Índio: – Não sei, não senhor!
O Amigo: - Como, não sabe?... Pois comeu três delas?
O Narrador: Vendo-se apanhado em falta, o índio muito sem jeito, confessou:
O Índio: - Comi, sim senhor. O Senhor me desculpe... Mas... eu só queria saber como foi que o senhor descobriu...
O Amigo: - E boa! Pela Carta!
O Índio: - Não pode ser, não senhor ! Esta brincando comigo, porque desta vez eu me sentei em cima dela e ela não viu nada...
O Narrador: O homem sorriu daquela simplicidade, e o índio pôs-se a pensar no caso. Embora não compreendendo tudo perfeitamente começou a perceber que os sinais escritos deviam servir para transmitir um recado.


Viana, Franscisco – adaptação de Altino Martinez,

sábado, 26 de abril de 2014

Te Contei, não ? - Padres fora !

A partir de meados do século XVII, o Brasil e as demais conquistas lusitanas enfrentaram uma série de revoltas organizadas pelos moradores contra autoridades e religiosos. Os levantes varreram São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e Pará, mas também a África e as possessões na Ásia. No caso da América portuguesa, as revoltas estavam ligadas aos problemas que surgiam com o próprio avançar da colonização, mas se explicam também pelas transformações globais com as quais sofria o império português – voltado cada vez mais para o Atlântico.
Uma revolta simbólica do período colonial aconteceu nas capitanias do Maranhão e do Pará. Os moradores da região se levantaram contra os religiosos jesuítas, liderados pelo famoso padre Antônio Vieira (1608-1697). A agitação começou em fins de maio ou início de junho de 1661, na cidade de São Luís do Maranhão. Um grupo de moradores se dirigiu ao colégio jesuíta de Nossa Senhora da Luz e expulsou de lá os religiosos. Dias antes, moradores e vereadores haviam se reunido na Câmara e obrigado o reitor do colégio dos jesuítas a assinar um termo no qual os padres aceitavam abandonar o domínio que tinham sobre as aldeias de índios livres. Encurralados pela pressão dos vereadores e pelos representantes do “povo” – na verdade os setores da população que tinham direito à participação política, como proprietários e comerciantes, e também os homens livres brancos – os padres não tiveram alternativa a não ser firmar o documento.
A população de São Luís estava realmente enfurecida com os religiosos. Testemunha ocular dos acontecimentos, o ouvidor Diogo de Sousa e Meneses relata que, por ocasião da ida dos jesuítas à casa da Câmara, os moradores lhes teriam jogado “grande quantidade de pedradas”. Poucos dias depois, a rebelião tomou conta da cidade, apesar das tentativas de acalmar os ânimos lideradas pelo próprio governador, Dom Pedro de Melo.
Em dois meses, a revolta se espalhou para a vizinha capitania do Pará. Inspirada pelas notícias do levante em São Luís, a população de Belém se dirigiu ao colégio jesuíta de Santo Alexandre e deteve o padre Antônio Vieira, superior das missões. Imediatamente enviado a São Luís, Vieira ainda tentaria reverter sua situação no Maranhão, mas não houve jeito: embarcado e mantido à força numa nau, de lá partiu para Lisboa, de onde nunca mais voltaria ao Maranhão e Pará graças à ação de pessoas como Jorge de Sampaio e Carvalho, um dos líderes do levante, que havia sido soldado e almoxarife no Maranhão, e esteve depois implicado em outra expulsão dos padres da cidade de São Luís, em 1684.
Depois de expulsar o padre Vieira e alguns outros religiosos, os moradores de São Luís e Belém passaram a perseguir os demais padres que se encontravam no Estado do Maranhão e Pará – que reunia as duas capitanias e era separado do Estado do Brasil.
Mas, afinal, o que motivou tamanha revolta? A razão mais imediata foi a definição de uma política portuguesa em relação aos índios, em meados do século XVII. Na década de 1650, os padres jesuítas ganharam amplo controle sobre os trabalhadores nativos, com poder de determinar se os escravos indígenas feitos pelos moradores eram legítimos ou não. Também lhes cabia gerenciar o uso de trabalhadores indígenas livres que viviam nos aldeamentos missionários e serviam aos moradores.
A revolta de 1661 estava diretamente ligada ao modo como até então se organizara a conquista portuguesa das capitanias do norte. Diferentemente de outras regiões da América portuguesa, o então Estado do Maranhão e Pará se estabeleceu com base principalmente no uso de trabalhadores indígenas. Os índios eram empregados tanto nas lavouras como na extração dos produtos da floresta (as chamadas “drogas do sertão”). Por muito tempo, a principal força de trabalho na região continuou sendo a mão indígena. Por isso, a centralização do controle sobre as formas de aquisição de trabalhadores e sobre seu uso ainda geraria inúmeros conflitos entre a população e os jesuítas ao longo de todo o período colonial.
Um dos articuladores dessa política foi justamente o padre Antônio Vieira, muito próximo ao rei D. João IV. Graças à influência do jesuíta, durante o reinado deste monarca (1640-1656), definiram-se os principais aspectos da política em relação aos índios do Maranhão e Pará, que passaram a vigorar já no início da década de 1650. Daí o fato de o ódio dos moradores se dirigir principalmente contra Vieira. 
O conflito só terminou com a chegada do novo governador, Rui Vaz de Siqueira, em março de 1662. Ele tomou duas decisões assim que assumiu: concedeu perdão geral aos rebeldes e impediu a partida, no Pará, das naus que levavam os padres presos, para que fossem restituídos às suas igrejas. Em 1663, o rei D. Afonso VI confirmou o perdão, mas ordenou que Rui Vaz de Siqueira repreendesse os moradores, ameaçando-os com severas punições.
O episódio mostra como conhecer o contexto local não é suficiente para entender as causas de uma revolta. O império português sofria transformações naquele período: em 1640, Portugal se separara da Coroa espanhola, com a qual estivera unido desde 1580. A chamada Restauração de Portugal significou também um rearranjo de poderes no interior do império. Enfatizava-se a importância de um equilíbrio nas relações entre o rei (que deveria ser justo) e seus súditos (que deveriam ser obedientes); a própria aceitação do novo rei pelos súditos significava que ele deveria também atender ao bem de seus vassalos. Ao se revoltarem, os moradores de Maranhão e Pará procuravam mostrar ao rei e às autoridades por ele nomeadas que eles deveriam ouvir seus súditos e levar em conta seus problemas.
Por outro lado, a década de 1660 foi um período problemático na história da monarquia portuguesa, quando esteve em questão a sucessão de D. João IV. Em 1662, com a subida ao trono de D. Afonso VI, os jesuítas, e principalmente o padre Vieira, caíram em descrédito na Corte portuguesa. Esta nova situação ficou clara com o perdão concedido em 1663 aos revoltosos do Maranhão e Pará, e com a proibição explícita do retorno do padre Vieira àquela colônia.
Finalmente, os moradores que se revoltaram o fizeram porque estavam convencidos de que suas pretensões eram legítimas. Havia uma linguagem e um discurso que explicavam e justificavam o direito de se revoltar. Tanto antes como depois do levante, os moradores das duas capitanias fizeram suas queixas chegar aos padres, às autoridades e ao rei. Deixavam claro que eles e seus ascendentes haviam conquistado e defendido o Estado do Maranhão e Pará para a Coroa de Portugal, como escreveram numa carta, lembrando que “há tantos anos o estão servindo, derramando o seu sangue”. Queixavam-se que o rei e as autoridades nomeadas por ele não os ouviam, tendo, por diversas vezes, “clamado a Vossa Majestade” e visto que “não se deferia a tão duplicados clamores”, como escreveram numa carta ao soberano logo depois de passado o motim. Mais ainda: discordavam das políticas estabelecidas em relação aos índios, pois para eles o domínio que os padres tinham levaria à ruína todos os portugueses e à perda da própria colônia; assim, lembravam num texto os vereadores de Belém que o poder dos padres sobre os índios tinha deixado o Pará “no mais miserável estado”. Deixavam claro, dessa forma, que eles mereciam um lugar na definição dos destinos do lugar em que viviam.
Por mais violentas que sejam, revoltas populares não podem ser consideradas ações irracionais ou meros frutos de desordem. Tais quais as do presente, as manifestações de insatisfação da população no passado recorreram a símbolos, linguagens e estratégias motivados por razões profundas.

Rafael Chambouleyron é professor da Universidade Federal do Pará e autor de Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640-1706), vol. 1 (Açaí/ Centro de Memória da Amazônia/ UFPA, 2010).


Saiba mais - Bibliografia

CAETANO, Antonio Filipe Pereira (org.). Conflitos, revoltas e insurreições na América portuguesa. Maceió: EdUFAL, 2011.
COELHO, Geraldo Mártires. “A pátria do Anticristo: A expulsão dos jesuítas do Maranhão e Grão-Pará e o messianismo milenarista do Padre Vieira”. Luso-Brazilian Review, v. 37, n. 1, 2000.
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. “O império em apuros. Notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português. Séculos XVII e XVIII”. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Diálogos oceânicos. Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: EdUFMG, 2001.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Te Contei, não ? - Ilha da fantasia chamada Brasil

 

  • Mapa que estabeleceu as fronteiras da Colônia no século XVIII mostra regiões que seriam ricas em diamantes e áreas habitadas por guerreiras e criaturas bizarras
  •  
Renato Grandelle
 

Fronteiras da Colônia (em rosa) são determinadas pelo Lago
Foto: Divulgação
Fronteiras da Colônia (em rosa) são determinadas pelo Lago Divulgação

domingo, 10 de novembro de 2013

Carta endereçada à autora da obra Degredado em Santa Cruz







Prezada autora Sônia Sant'ana,
 
Em minhas palavras, gostaria de te desejar um sincero parabéns pelo seu maravilhoso trabalho e lhe dizer muito obrigada.
A obra me ajudou bastante, me ensinou a ver os outros pontos de vista antes de tomar qualquer conclusão.
Desde pequenos, aprendemos na escola e com nossos familiares que os nativos que aqui viviam eram seres perversos, que visavam a morte lusitana, praticando atos canibais.
Mas ao ler o seu livro, pude entender como era a vida dos tupiniquins, o que eles pensavam, no que acreditavam e o modo de tais costumes. Consegui perceber que a fama de bondade que os lusos carregam, por séculos, não é totalmente verídica.
Os portugueses que aqui chegaram trataram os índios como objeto, exploraram até a última lasca de pau-brasil e quando viram que não tinham mais metais preciosos na Terra de Santa Cruz, resolveram abandonar as pessoas que lhes trataram com tanta hospitalidade.
Quando chegava na escola e me diziam que a matéria que aprenderíamos era Descobrimento do Brasil, achava um tédio.
Mas ao ler a sua obra, consegui ver que nosso país tem uma história linda, cheia de mistérios, vitórias, fracassos e lutas.
Este livro me ajudou a compreender o contexto da história brasileira, me fez dar atenção a fatos quase ocultos, mas que fazem toda a diferença. me fez repensar os valores que tinha em minha mente, me ensinou a compreender outros pontos de vista. E o mais importante, me fez conhecer a História do Brasil de um forma diferente. Pude ter contato com o lado da história contada pelos nativos. Agora, eu sei o que aconteceu com os lusos e os tupiniquins.
Por meio da sua obra, conheci o contexto em que os nativos viviam, tive contato com seus costumes, crenças, modo de pensar e agir. Ou seja, por meio do livro, eu conheci os tupiniquins.
Então, gostaria de te agradecer, Sônia. Sua obra me ensinou muito, pude aprender muito além de questões históricas. Aprendi também questões morais. Obrigada!
 
Beijos,
Amanda Rainha Monteiro
Turma 701 do ano de 2013
Oficina de História da Literatura
Colégio Ambiente Transformador Interativo