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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Resenhando - O culpado é sempre o escritor



Por Luiz Antonio Aguiar*

Imagine só…

O Detetive-Gênio chega à cena do crime… Com aquele nariz empinado de quem se acha o máximo (e é mesmo, sem precisar que ninguém o diga), passa uma olhada de relance pelo ambiente e fala: “O assassino é um joalheiro, altura mediana, mais para gordo e careca, e o nome dele é Fulano de Coisaetal, que mora na Rua Tal e Coisa, número…”
E acabava a história.
Ia ter graça?
Nenhuma.
É por isso que, nas histórias de detetive, existe a figura do sidekick.
É difícil traduzir com precisão o termo sidekick. É aquele personagem cuja função é ficar colado no detetive, fazendo perguntas. Daí, a genialidade do detetive é traduzida para o leitor numa espécie de passo a passo, que nada mais é do que a exposição das pistas – cujo olhar privilegiado do detetive identifica como relevantes – e dos raciocínios que o levaram a desvendar o mistério e descobrir o culpado.
Notem que o detetive, sem superpoderes, é um indivíduo com habilidades excepcionais. Geralmente, tem notável poder de observação, e uma capacidade dedutiva de deixar qualquer um boquiaberto. Como, ainda por cima, por vezes o detetive se diverte em esnobar o sidekick, que é também seu amigo e parceiro constante de investigações, mostrando o quanto seu cérebro é brilhante, o desvendamento do mistério se estende por páginas, capítulos, e somente aos poucos a história é resolvida.  Esse e outros truques, criados por Poe, fizeram dele o grande inventor da moderna história policial.
Moderna por quê?
Porque sempre existiram crimes, na Literatura, que precisavam ser desvendados. Mas, nas histórias modernas, cultiva-se o suspense e o mistério, ou seja, a investigação. E nessa trama, há um protagonista, o detetive brilhante, excêntrico, vaidoso. Poe criou o modelo de detetive nesses moldes, Auguste Dupin. E, além disso, escalou um  sidekick  (um anônimo bió-grafo de Dupin) para que trabalhassem em dupla de maneira a se complementarem. Cada qual representa seu papel.
A partir daí, desenrola-se todo um jogo de disfarces, um desafio entre o escritor (que dissimula, camufla as pistas e o assassino, embora esteja obrigado a passá-las bem debaixo do nariz do leitor) e o leitor, que procura desvendar o crime antes da cena final, quando o detetive mostra o que era pista, o que era enganação, e aponta o culpado e como chegou a essa conclusão. Essa dissimulação das pistas é outra grande inovação de Poe.
Poe chega ao requinte de compor todo um mistério em torno desse artifício de composição, no conto A Carta Roubada. Nele, Auguste Dupin recupera uma carta cujo roubo pode colocar a França em grave crise política. O ladrão a escondera deixando-a, com aparente displicência, à vista de todos, como se não fosse nada de mais. É o segredo de muitas histórias policiais depois de Poe: fazer o leitor ver, sem enxergar; ou sem distinguir o que vê.
Assim, o grande culpado é sempre o escritor. É ele quem cria a trama, o enredo e a maneira como vai contar a história, de modo a extrair o maior efeito. Ou seja, com o propósito de intrigar progressivamente seu leitor.
Edgar Allan Poe dava tanta importância a essa necessidade do jogo de cena, do efeito, que expôs isso no ensaio A Filosofia da Composição, da década de 1840. Nele, defende que o escritor deve deliberar com método e malícia sobre os ingredientes que utilizará para compor sua obra. Por exemplo, em seu famosíssimo poema O Corvo,  em que um angustiado homem insone recebe a visita de um pássaro agourento, Poe pensou muito até decidir qual ave escolher para aquele sombrio papel. Decidiu que o melhor efeito seria obtido pondo um corvo em cena.
Poe escreveu três histórias estreladas por Auguste Dupin: Os Assassinatos da Rua Morgue, O Mistério de Marie Rogêt e A Carta Roubada, todas nessa mesma década de 1840. No entanto, apesar das inovações que trouxe à novela policial, ele é mais conhecido pelos seus contos de terror. E também nesse gênero foi um inovador. Em quase todos seus contos usa um narrador em primeira pessoa, ou seja, um personagem que, ao mesmo tempo, nos conta a história e participa dela. E é quem sofre os impactos da experiência aterradora, a qual está no centro da história. Quando lemos o relato desse personagem, ficamos impedidos de distinguir se alguém nos conta uma experiência sobrenatural que o levou à loucura, ou se é um louco cuja narrativa foi criada por seus delírios.
Ou seja, é a incerteza levada ao extremo, que faz que questionemos nossa própria razão e nossa convicção do que é ou não realidade. Assim, Poe é também o inventor do terror psicológico. É uma vertente bastante diferente do terror europeu, da época (os Góticos Românticos) que explorava mais acentuadamente fantasmas e monstros- – como o Drácula e o Frankenstein. E ele tem contos exemplares, sempre citados como os melhores do gênero, como O Gato Preto, O Coração Delator e O Barril de Amontillado, entre outros.
O poder aterrador dos contos de Poe, mesmo sem monstruosidades (a não ser em A Queda da Casa de Usher, que nos traz uma morta-viva), bate lá no fundo de todos nós. É como aqueles pesadelos que temos, nos quais tentamos escapar de algo que nos persegue, mas que não conseguimos enxergar… Ou melhor, é quando um pesadelo desses é interpretado à luz da psicanálise, para nos informar que todas as criaturas que aparecem no sonho são versões de nós mesmos; e todos os sentimentos e sensações experimentadas ali estão dentro de nós. Como que ocultas, à espreita, em nosso íntimo. Poe explora em seus leitores um de nossos maiores medos – o de perdermos a noção da realidade.
Edgar Allan Poe nasceu em Boston, EUA, em 1809, e morreu em 1849. Escreveu uma grande quantidade de contos, algumas novelas, poemas e textos de crítica literária, mas nunca obteve pagamento à altura da sua obra. Isso apesar de O Corvo ter sido republicado em vários países. Órfão desde pequeno, criado por pais adotivos, atormentado pelo alcoolismo desde a adolescência, teve uma vida de poucos momentos de felicidade. Um desses foi seu casamento com a prima Virgínia. Infelizmente, ela morreu de tuberculose, poucos anos depois de casados – por falta de recursos, não recebeu tratamento médico adequado. Por toda a sua vida, Poe passou por muitas privações e morreu praticamente abandonado e na penúria.
O reconhecimento que lhe faltou em sua curta vida, ele o obteve aos poucos, depois da sua morte, até se tornar, por sua inventividade, o autor preferido de inúmeros grandes escritores, que reutilizam os recursos que criou. Nosso Machado de Assis, em cuja obra se podem notar algumas influências das técnicas de Poe – principalmente na utilização do narrador-personagem de quem se deve desconfiar – foi o primeiro a traduzir O Corvo para o português. Poucos autores tiveram sua obra adaptada em tantas versões para o cinema como Poe. Atores de peso – como Boris Karloff e Vincent Price, nas décadas de 1950 e 1960 – se especializaram em interpretar seus atormentados personagens.
Não há, enfim, um só estudioso de Literatura, ou leitor aficionado dos gêneros terror e policial que não considerem Poe um gênio, e como um de seus autores favoritos. Dessa maneira, sua obra continua a gerar descendentes e a intrigar a todos que buscam na Literatura janelas (secretas?) para se observar os meandros mais sutis, ou mais escondidos, do espírito humano. •



* Luiz Antonio Aguiar é escritor no gênero terror, autor de Sonetos nas Trevas (Eldebra), organizador de Góticos I – Contos clássicos de terror (Melhoramentos) e Era uma Vez à Meia-Noite (Galera). Mestre em Literatura Brasileira, palestrante, orientador de oficinas de criação literária e leitura e professor do curso de qualificação em Literatura SME-RJ/FNLIJ para professores de salas de leitura

Revista Carta Capital

terça-feira, 5 de junho de 2012

Te Contei, não ? - O detetive Edgar Allan Poe



O autor de histórias de horror mais adaptado para o cinema não é o best seller americano Stephen King, como poderia imaginar um apressado concorrente de quiz show. A mesma surpresa se reserva a quem pensa que o maior número de histórias policiais filmadas até hoje tenha a assinatura de Agatha Christie, a primeira-dama do crime. Transitando entre esses dois populares gêneros literários, é o contista e poeta Edgar Allan Poe (1809-1849) quem se revela o preferido de cineastas amantes do suspense: com 215 filmes baseados em suas obras, ele aparece à frente como o autor de mistério mais levado às telas. Por que se recorre tanto a Poe para se filmar uma boa história? Porque a sua imaginação é prodigiosa. Lançado nos EUA na semana passada, e com estreia prevista no Brasil para o dia 18, o thriller “O Corvo”, título de um de seus poemas mais famosos, se propõe a ser um retrato do artista no fim de sua vida. Ou seja: em plena juventude e no auge da criatividade, já que ele morreu aos 40 anos tendo escrito cerca de 66 narrativas curtas e uns poucos – mas aclamados – versos. A pequena produção, contudo, foi o suficiente para posicioná-lo como um dos nomes mais influentes da literatura em todo o mundo.

Poe, que morou a maior parte de sua vida em Baltimore, nos EUA, foi o grande inventor dos enredos policiais e criou o primeiro detetive às voltas com a solução de um crime, C. Auguste Dupin – sem ele, não existiriam Sherlock Holmes, Hercule Poirot ou Philip Marlowe. No filme “O Corvo”, no entanto, o investigador que tenta solucionar os casos que estão aterrorizando Baltimore é o próprio escritor, interpretado pelo ator John Cusack. Numa trama engenhosa, o filme segue uma situação que certamente vai irritar estudiosos de literatura, mas manterá o espectador atento: um serial killer está cometendo assassinatos que reproduzem exatamente as famosas narrativas de Poe. A primeira suspeita, obviamente, cairá sobre ele. Basta, porém, a sua amada desaparecer de uma festa à fantasia, quando um cavaleiro mascarado invade o salão, para a polícia dar como falsa essa pista. Além de “A Máscara da Morte Rubra”, representada nessa cena, o enredo alinha outros contos do autor – podem ser reconhecidos “Os Assassinatos da Rua Morgue”, quando mãe e filha são mortas de forma cruel e sem explicação; “O Poço e o Pêndulo”, em que um crítico literário é partido ao meio pela ação de uma lâmina gigante, que balança, acima da vítima, como um pêndulo; e o seu conto mais conhecido, “O Coração Denunciador”, com a mais arquetípica das mortes: a vítima é enterrada viva em uma casa.
Trata-se, obviamente, de pura ficção. Poe não teve qualquer amante sequestrada – sua mulher morreu de tuberculose. Ele também não passou pela metade das situações mostradas na trama, que aqui não serão reveladas para não tirar o gosto da surpresa. Na verdade, “O Corvo” aproveita-se do total mistério que até hoje envolve a causa da morte precoce do autor, adepto das drogas e do álcool em excesso a fim de exercer uma atraente “liberdade poética” – entre as muitas hipóteses reais aparecem a congestão cerebral, cólera, ataque cardíaco, hidrofobia, suicídio e tuberculose. A produção investe, assim, em uma nova modalidade de biografia: o retrato fantasioso, que trai os dados objetivos, mas faz jus ao estilo e à obra do artista. A revista americana “Time” cunhou um termo apropriado para o gênero: “faction” – mistura de factual (real) e fiction (ficção). O artifício já havia sido usado com bons resultados em “Shakespeare Apaixonado”. Agora se repete em “O Corvo”.

Revista Isto É

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Te Contei, não ? - Poe em novas versões

 
 
IVO BARROSO , ESPECIAL PARA O ESTADO, IVO BARROSO É POETA, TRADUTOR, AUTOR DO LIVRO O CORVO, SUAS TRADUÇÕES (LEYA, 2012) - O Estado de S.Paulo

Os estudos biográficos assumiram nos dias atuais características bem definidas que os distanciam bastante dos relatos empíricos e presuntivos das obras do passado, em que os autores se compraziam em relatar histórias sobre a vida de seus personagens sem quaisquer compromissos com a veracidade dos fatos ou com sua comprovação. Diversamente, o conceito atual de biografia implica um estudo -a bem dizer científico - de testemunhos e documentos, passíveis de cotejo e verificação por parte dos leitores, exigindo-se para tanto a citação rigorosa das fontes e a identificação precisa dos textos em que as proposições se encontram. Donde estarem hoje os biógrafos na contingência de solicitar permissão a autores e editores toda vez que citarem um texto que não seja de sua exclusiva autoria e, em alguns casos, até mesmo para a menção de uma única frase alheia. Este não é seguramente o caso de Edgar Allan Poe - O Mago do Terror, de Jeanette Rozsas (Melhoramentos), em que tais preocupações bibliográficas estão longe de existir.

Ainda bem que logo na capa do livro há algo como que uma advertência ao leitor: romance biográfico - ou seja, o mesmo que biografia romanceada, esse gênero em que o autor assume não só o poder de onisciência sobre os acontecimentos da vida dos personagens, mas ainda lhes empresta voz, lhes dá vazão aos sentimentos e interpreta as suas intenções. De modo que o relato resultante se assemelha a algo como as transposições televisivas de romances famosos, destinadas a deles transmitir apenas o desencadear da ação sem se preocupar com sua substância literária. Situado pois como "romance biográfico", totalmente descompromissado com os rigores da biobibliografia atual, este O Mago do Terror é de excelente leitura, agradável e sentimental, permitindo ao leitor conhecer as dificuldades pelas quais passou o grande poeta, filho adotivo de um patrono que o ajuda e ao mesmo tempo repudia, suas tentativas para se firmar no mundo literário, suas paixões e casamento, seu fim de miséria e irrealização.

Essas várias etapas decorrem dentro de uma cronologia amparada nos melhores biógrafos de Poe (Hervey Allen, por exemplo) e o livro cumpre com sua finalidade primordial, que, suponho, seja a de dar ao leitor iniciante, ou que lhe desconhece a obra, as linhas gerais de quem foi considerado o mais significativo dos escritores norte-americanos. E ficará sabendo também algo de sua vida literária: que foi redator e editor de jornais, que escreveu contos e poemas, sendo o mais famoso deles O Corvo, aqui apresentado (apenas) nas traduções de Machado de Assis e Fernando Pessoa. A propósito, é de se observar que todas as frases do livro - todas as falas de Poe e dos demais personagens - são devidas à autora e é preciso aceitar que eles falassem assim. Mas quando se trata de citar o texto dos poemas, já não é ela quem fala, mas se vale de traduções alheias, infelizmente sem citar o nome do autor ou a fonte donde as tirou, o que não se justifica nem mesmo nas biografias romanceadas. É o caso, por exemplo, da página 74 em que é transcrito na íntegra o poema To Helen, ou da página 81: uma estrofe da tradução de Tamerlão, ou ainda da página 168: duas estrofes de O Corvo, todos em tradução de Milton Amado, sem que o nome dele apareça sequer na bibliografia onde deveria estar o livro donde foram tirados. Aparece apenas numa epígrafe da página 9, onde é transcrita uma estrofe de O Corvo, em tradução atribuída a Oscar Mendes e Milton Amado. (Pobre Milton: marginalizado a vida toda por Oscar Mendes, que o inferiorizava como "colaborador" em vez de creditar-lhe a tradução de todos os poemas do livro, ainda hoje é citado de maneira sub-reptícia ou quase ilegível).

***

Deserdado por seu pai adotivo, o escocês John Allan, o jovem Edgar Poe se mantinha precariamente com a publicação de trabalhos literários em jornais e revistas. Suas tentativas iniciais de firmar-se como poeta fracassaram inteiramente, mas seu conto Manuscrito Encontrado numa Garrafa valeu-lhe o prêmio de US$ 50 num concurso organizado pelo Saturday Visitor, de Baltimore, em 1833. Suas narrativas ficcionais, inaugurando um novo gênero literário em que predominavam o mistério e o terror, logo o tornam conhecido nos meios jornalísticos e já em 1835 ei-lo feito redator do Southern Literary Messenger, de Richmond. Hoje são conhecidos 69 desses contos, alguns publicados posteriormente à sua morte em 1849. A primeira tentativa de apresentá-los em livro data de 1839 (ou 1840) com o título de Tales of the Grotesque and Arabesque, reunindo 25 dessas histórias, organizadas então em dois volumes. Em 1845, Poe finalmente firma seu nome de poeta com a publicação de O Corvo, cujo êxito lhe permite ascender na escala social e o faz redator-chefe e depois proprietário do Broadway Journal. Em 1856, Charles Baudelaire publica pelo editor Michel Lévy, em Paris, as Histoires Extraordinaires, com a tradução de 13 contos de Poe, precedidos de um estudo sobre a sua vida e obra. O livro concorre definitivamente para firmar o nome de Poe no continente europeu, onde se tornou mais conhecido do que em sua própria terra.

No Brasil, a obra de Poe aparece pela primeira vez em 1903 sob o título de Novelas Extraordinárias, pela Garnier, provavelmente via Baudelaire; vem a seguir, e traduzida do inglês, a de Afonso d'Escragnolle Taunay, pela Melhoramentos em 1927, com o título de Histórias Exquisitas. Segundo a pesquisadora Denise Bottmann ("Alguns aspectos da presença de Edgar Allan Poe no Brasil", em Tradução em Revista, 2010/1, p. 01-19) há cerca de 15 edições dos contos de Poe entre nós com o título Histórias Extraordinárias, ou pequenas variantes, nenhuma das quais corresponde em conteúdo seja à das traduções de Baudelaire seja à editada pelo próprio autor. A mais completa edição dos contos entre nós é sem dúvida a da Nova Aguilar, de 1997, organizada por Oscar Mendes e Milton Amado, que compreende 66 dos 69 relatos até agora conhecidos.

A partir de 1908, a edição original dos Tales of the Grotesque and Arabesque, de escolha do autor, deu lugar a Tales of Mystery and Imagination, organizada pelo editor Padric Colum, com o objetivo de apresentar as narrativas mais características de Poe e incluir relatos inéditos em livro. Em 1919, o editor londrino George Harrap, ainda com este título, publicou edição ilustrada por Harry Clake, então o artista gráfico mais famoso da época (embora visivelmente influenciado por Beardsley), que a partir de então tem sido modelo para as edições americanas e estrangeiras dos contos de Poe.

Pois é essa edição ilustrada de Harrap/Clarke que a Tordesilhas nos apresenta agora, em capa dura e magnífica tradução de Cássio de Arantes Leite, contendo os 22 contos de Poe que se tornaram tradicionais (William Wilson, O Poço e o Pêndulo, Manuscrito Encontrado numa Garrafa, O Gato Preto, Os Fatos do Caso do sr. Valdemar, O Coração Denunciador, Uma Descida no Maelström, O Barril de Amontillado, A Máscara da Morte Vermelha, O Enterro Prematuro, O Encontro Marcado, Morella, Berenice, Ligeia, A Queda da Casa de Usher, O Colóquio de Monos e Uma, Silêncio - Uma Fábula, O Escaravelho de Ouro, Os Assassinatos da Rue Morgue, O Mistério de Marie Roget, O Rei Peste e Leonizando). Dada a qualidade gráfica, as expressivas ilustrações e principalmente a tradução rigorosa, esta edição ficará como referencial da obra contística de Poe em português.

sábado, 7 de abril de 2012

Te Contei, não ? - Saga Crepúsculo - Vampiros Modernos e Romantismo Clássico





Crepúsculo, obra publicada em 2005, dispensa apresentações: as vendas dos livros da série falam por si só, sendo superada apenas por Harry Potter , pouco menos de uma década antes. Trata-se de uma história de amor com toque sobrenatural, ainda que este aspecto fique em segundo plano no casal; o fio condutor da obra é a paixão avassaladora entre os dois personagens adolescentes, um amor que os consome e, com isso, atrai uma legião de fãs, de todas as idades. Isto soa familiar?

O período literário batizado Romantismo surgiu na Europa no pós-Revolução Francesa, no início do século XIX. O movimento foi consagrado e simultaneamente consagrou autores como Lord Byron , na Europa, e Álvares de Azevedo, no Brasil. Contrário ao movimento que lhe deu sucessão, o Realismo, o período Romântico é recheado de características como a idealização, sentimentalismo exacerbado, fusão do grotesco e do sublime. Aqui, pretendemos ver como, realizando a leitura de qualquer dos quatro livros pertencentes à saga Crepúsculo, pode-se notar a presença dessas características e tantas outras que marcaram o século XIX literariamente.

Lord Byron George Gordon Byron (1788-1824), foi um dos maiores poetas da língua inglesa, líder do movimento Romântico e uma de suas figuras mais influentes. Toda a obra de Byron exprime o pessimismo do Romantismo. Rebelde, opôs-se vigorosamente durante toda a sua vida contra as convenções morais e religiosas. Perseguido por seus excessos e escândalos, Byron impôs-se um auto-exílio, tendo morrido na Guerra da Independência da Grécia, em 1824, quando lutava a favor dos gregos contra os turcos.

Individualismo e Egocentrismo

Características marcantes do Romantismo, que tinha seu foco no ser humano e suas emoções particulares, o individualismo e o egocentrismo aparecem em Crepúsculo desde o primeiro capítulo, na personagem Isabella Swan, protagonista da saga. Ao iniciarmos a leitura, o primeiro aspecto individualista já aparece: o livro é narrado em primeira pessoa, com quase nenhuma consideração ou menção ao que os demais personagens possam pensar sobre as cenas. O ponto de vista é exclusivamente da protagonista.

"Nunca pensei muito em como morreria - embora nos últimos meses tivesse motivos suficientes para isso -, mas, mesmo que tivesse pensado, não teria imaginado que seria assim. [...] Sem dúvida era uma boa forma de morrer, no lugar de outra pessoa, de alguém que eu amava." (MEYER, 2008, p.3)

No trecho acima, já se percebe como toda a trama é centrada apenas nos desejos, pensamentos e anseios da protagonista. Mesmo diante do que ela imagina ser a morte certa, ainda se destaca sua visão particular dos fatos. O desenvolvimento da personagem de Bella Swan é inteiramente individualista e egocentrista, mesmo quando ela interage com seu par romântico, Edward Cullen, também um exemplo claro do individualismo. Antes de assumir sua atração por Swan, Cullen toma atitudes voltadas apenas para o que seria melhor para ele e sua família, em um segundo plano. No livro da saga não publicado por ter "vazado" para a internet, Midnight Sun, percebe-se ainda mais acentuadamente o caráter individualista e egocêntrico de Edward. Seguindo o mesmo padrão dos quatro livros anteriores: centrado no personagem de Edward Cullen e contado em primeira pessoa, Midnight Sun mostra a personalidade não revelada de Edward, quando vista de fora por Isabella.

"Eu me afastei dela com asco - revoltado com o monstro desesperado para tomá-la. Por que ela tinha de vir até aqui? Por que ela tinha de existir? [...] Por que esta humana irritante tinha de ter até mesmo nascido? (MEYER, 2008, p.13)

No trecho acima fica clara a maneira como Edward vê as pessoas - em especial os humanos - ao seu redor: detalhes em seu caminho, onde a única pessoa que realmente importa é ele. Mesmo o cuidado que ele tem para com a sua família nasce do desejo de se provar para seu pai adotivo, Carlisle Cullen. Conforme o livro progride - tanto Crepúsculo, quanto Midnight Sun, que tratam do mesmo espaço temporal - a maneira como Edward vê Bella se transforma, mas tal transformação não ocorre por apreço a outros indivíduos em geral, mas apenas por apreço aos indivíduos que interessam ao protagonista da vez.

Nos demais livros da saga, as atitudes dos dois protagonistas podem ser vistas como notadamente individualistas e egocêntricas. O fim do primeiro livro, onde Bella e Edward fogem, não leva em consideração o estado emocional do pai da personagem principal, ou mesmo de sua mãe, ou amigos. "Repeti as últimas palavras de minha mãe quando ela saiu pela mesma porta tantos anos atrás. [...] Minhas palavras cruéis fizeram seu trabalho - Charlie ficou paralisado na soleira da porta, atordoado, enquanto eu corria para a noite." (MEYER, 2008, p.293-294). Edward, ao decidir morrer no final do segundo livro, Lua Nova, pensa muito pouco sobre o impacto que sua morte teria sobre o restante de sua família. "Pensei que já tivesse explicado com clareza. Bella, não posso viver num mundo onde você não exista." (MEYER, 2008, p. 411)

Com um sem-número de exemplos nos cinco livros que contam sua história, os dois personagens demonstram de diversas maneiras que, apesar da maneira como são retratados, idealizados, característica que será tratada no próximo item de discussão, ambos estão centrados apenas em si, e naqueles que importam para eles.

IDEALIZAÇÃO

Traço que é o mais marcante durante toda a obra, a idealização dos protagonistas da saga Crepúsculo deixa algumas idealizações classicamente Românticas parecendo quase realistas em seus exageros.

"O cabelo era dourado, caindo delicadamente em ondas até o meio das costas. [...] Fiquei olhando porque seus rostos, tão diferentes, tão parecidos, eram completa, arrasadora e inumanamente lindos. [...] Era difícil decidir quem era o mais bonito - talvez a loura perfeita, ou o garoto de cabelo cor de bronze." (MEYER, 2008, p.19)

O trecho acima é a primeira visualização da família Cullen com que o leitor entra em contato. As descrições da autora são idealizadamente perfeitas, levando em consideração não apenas a beleza clássica mítica de vampiros em geral, mas principalmente referências a estilos de beleza da época atual, em que o livro foi escrito. A partir deste momento, a cada vez que os Cullen são de alguma forma citados - em especial Edward - é raro que não haja menções à beleza, riqueza, educação, porte ou bom gosto deste núcleo de personagens.

Ao longo da história, percebe-se que não apenas a beleza de Edward se destaca, mas também seu senso de humor, seu gosto musical, educação, força e coragem. Edward é perfeito e idealizado até mesmo em sua condição de vampiro: onde o mito clássico morre dolorosamente ao entrar em contato com a luz do sol, a espécie de Edward apenas brilha, com um efeito que Swan descreve como "uma miragem, lindo demais para ser real." (MEYER, 2008, p.196). Além da beleza física, Edward também tenta se afastar de Bella a princípio, demonstrando indícios de um cavalheirismo que parece não estar presente em Midnight Sun, mas que aos olhos de Bella é encantador. Sua família também se afasta do mito de vilão vampiresco pelo fato de que não se alimentam de pessoas, mas sim do sangue de animais, sendo chamados de "vegetarianos". Edward é um ser perfeito em todas as dimensões da palavra.

Isabella Swan, como personagem, reúne características que soam como a conjunção das idealizações de todos os tempos: moderna, independente até certo ponto, mas por outro lado inocente e dada a tarefas domésticas. Bonita, mas modesta, inteligente, mas humilde, amigável, divertida e profundamente dedicada às pessoas que ama, não se importando em morrer por elas. Após a sua transformação, no último livro publicado da série, Bella alcança a idealização completa, onde além de todas as qualidades físicas de um vampiro, ela também parece ter uma afinidade natural com sua nova espécie, não tendo nem mesmo que se esforçar para não atacar humanos.

MEDIEVALISMO

A retomada de feitos dos grandes cavaleiros da época medieval era uma constante em obras Românticas. Na saga Crepúsculo, ela aparece com frequência nas ações de Edward e Bella, geralmente sendo ação e reação de uma mesma sequência de eventos. Bella é uma personagem construída para ser a donzela em perigo e Edward, seu cavaleiro, sempre pronto para resgatá-la. A primeira vez que tal posição ocorre é ainda no primeiro livro da saga, em uma cena onde Edward resgata Bella de uma situação de perigo com desconhecidos. Depois do resgate, Edward, em uma demonstração da mais pura nobreza, deixa que os agressores sigam, sem machucá-los.

"Eu não ia cair sem levar alguém comigo. Tentei engolir para poder formar um grito decente. De repente faróis apareceram na esquina, o carro quase batendo no atarrancado, obrigando-o a pular para a calçada. Mergulhei na rua - este carro ia parar ou me atropelaria. Mas o carro inesperadamente deu uma guinada, cantando pneu, e parou com a porta do carona aberta a pouca distância de mim. 'Entra', ordenou uma voz furiosa." (MEYER, 2008, p. 121)

Coven

Aquilo que pertence à Idade Média, assim chamada porque marca a transição entre a Idade Antiga, constituída pela cultura greco-romana, e a Idade Moderna, que inicia com o Renascimento italiano. Ocupa quase um milênio: do século V ao XV. Foi o tempo de gênios da criação poética, da produção artística e do pensamento filosófico, como Petrarca, Dante, Boccaccio, Santo Tomás de Aquino, apesar de a Idade Média estar culturalmente relacionada com o Obscurantismo.

Esta cena de resgate é apenas a primeira de uma cadeia de situações em que Edward resgata Bella de perigos diversos, inclusive de sua própria família. A partir do ponto de vista de Isabella, nos livros, ela soa como uma moça corajosa que tenta, ao menos, se livrar sozinha dos perigos. Com o desaparecimento de Edward depois de resgatar Bella de ser atacada pelo seu "irmão" - ato que reforça a característica do Medievalismo em Edward - Bella retoma uma amizade com Jacob Black, um nativo americano que mais tarde se revela também um ser sobrenatural. Jacob resgata Bella não apenas física, mas emocionalmente em diversas ocasiões, colocando-o em lugar de destaque na obra como um todo.

Sentimentalismo exacerbado e Byronismo

Lendo a saga de Meyer, torna-se difícil encontrar algum momento dos livros em que o sentimentalismo exacerbado não apareça. Edward é um personagem conflitante, com emoções fortes sobre as questões mais simples. Suas reações a pequenos problemas do dia a dia tendem a ser absolutamente exageradas e fora de proporção. Isabella sofre do mesmo mal. Além do exagero sentimental, os dois personagens são dados a momentos de contemplação sobre a vida e o amor, sem o qual nada parece valer à pena.

Uma das maiores demonstrações de tais características são as reações dos personagens centrais aos acontecimentos do segundo livro da série, Lua Nova. Ao ver Isabella quase ser atacada por Jasper, um de seus irmãos adotivos e também vampiro, Edward decide ir embora para que Bella possa ser mais feliz sem os riscos que traz estar ao lado de um vampiro. A ação em si não parece ser algo trágico tanto quanto seria lógica. No entanto, a maneira como Edward a faz é carregada de sentimentalismo, dor e agonia. A maneira como Bella reage à partida de Edward também mostra o quanto a personagem pensa não poder viver sem aquele que julga ser o amor de sua vida.

"Ele se fora. Com as pernas trêmulas, ignorando o fato de que minha atitude era inútil, eu o segui para a floresta. O sinal de sua passagem desapareceu de imediato. Não havia pegadas, as folhas estavam imóveis de novo, mas avancei sem pensar. [...] Se parasse de procurar por ele, estaria tudo acabado. O amor, a vida, o significado... acabados." (MEYER, 2008, p.64)

 Em um dos momentos mais inspirados da saga, Meyer coloca a sequência de meses após a partida de Edward (outubro, novembro, dezembro, janeiro) em páginas separadas e, com exceção do nome do mês, também em branco, demonstrando claramente o vazio na vida de Bella agora que Edward já não está mais ali. O tempo apenas passa, mas Bella já não vive, porque nada mais parece valer à pena, quando Edward se vai.

Mesmo a melhora que Isabella tem de seu quadro depressivo não é feita em razão da superação de seu amor. Isabella, depois de retomar a amizade com Jacob Black, passa então a arriscar sua vida constantemente; uma lembrança dos tempos em que quando ela se arriscava, Edward a resgatava.

"Eu estava ansiosa para tentar de novo; agir com imprudência mostrou ser melhor do que eu pensava. Podia deixar a trapaça de lado. Talvez eu tivesse encontrado uma forma de gerar as alucinações - isso era muito mais importante. [...] 'Vá para a casa de Charlie', ordenou a voz. Sua mera beleza me maravilhou. Eu não podia deixar que minha lembrança se perdesse, qualquer que fosse o preço. [...] Tinha de ser essa a receita para a alucinação: adrenalina mais perigo mais estupidez. Alguma combinação parecida com essa, de qualquer modo." (MEYER, 2008, p.151, 152, 153)

No trecho acima, retirado de Lua Nova, Isabella começa a se recuperar de seu quadro de depressão, mas reforça ainda mais a noção de que a vida só valia a pena ao lado de Edward. As "alucinações" a que ela se refere são o eco da voz de Edward em sua mente, que ela julga ouvir ao se colocar em perigo. Repetidamente, ela arrisca a sua vida apenas para ouvir a voz de seu amado.

Se Bella tem momentos byronescos, Edward é a própria personificação de tal característica. Abandona a amada pelo seu bem, mas sofre a tal ponto por ela que, ao ouvir que ela morrera, busca também morrer, certo de que a vida sem sua amada não vale nada.

FUSÃO DO GROTESCO E DO SUBLIME

Edward Cullen é, para colocarmos de maneira simples, a representação perfeita desta característica romântica. Enquanto Isabella parece fugir deste traço em particular, já que até mesmo como vampira ela tem uma resistência maior à tentação de matar, Edward se sente culpado por tudo de errado que aconteça com aqueles com quem se importa, por se julgar um monstro. Em uma das frases mais famosas da saga, "E então o leão se apaixonou pelo cordeiro." (MEYER, 2008, p. 206), Edward já se coloca na posição em que permanece até o fim da saga: o monstro, o predador, na imagem de um anjo.

São inúmeras as referências de Edward à sua qualidade de "monstro". Em um dos momentos mais pretensamente profundos da obra, Edward e Carlisle assumem ter uma discussão sem fim sobre a questão da alma imortal. Edward julga que, por ser um monstro - palavra a que ele recorre em diversas ocasiões - ele já não tem alma, e merece ser condenado. Este é, na verdade, um dos maiores argumentos de que Edward se vale para não transformar Bella em uma vampira: de que ela, ao ser transformada, perderia sua alma imortal, condenando-a ao sofrimento eterno que Edward imagina que o espera. Ele se imagina o monstro e predador perfeito, e sofre por isso infinitamente.

A contraposição de imagem idealizada e comportamento cavalheiresco com a auto-imagem de monstro que Edward cria perdura por todas as cinco obras lidas, e fica claramente evidente em Midnight Sun, em que sua imagem negativa é refletida através de suas próprias palavras.

"Eu esperei pela sua resposta, dividido em dois - desejando que ela finalmente ouvisse e entendesse [que ele não era bom para ela], pensando que eu poderia morrer se ela o fizesse. Que melodramático. Eu estava me tornando tão humano." (MEYER, 2008, p. 120)

Ao lermos a obra do ponto de vista de Edward não há, na verdade, um único trecho em que a maneira como ele se julga errado, monstruoso e perigoso não apareça. Seu principal referencial para esta auto-imagem é a época em que ele diz ter se rebelado contra a maneira como Carlisle e o resto de seu Coven viviam, alimentando-se apenas de animais. Neste período, Edward decidiu alimentar-se de sangue humano - claramente mais "saboroso" do que o animal. No entanto, mesmo em sua rebeldia e comprovada monstruosidade, Edward não assassinava qualquer humano: ele se alimentava apenas daqueles que ele sabia serem malfeitores, o que ele conseguia distinguir por ter o poder de ler mentes.

"Sentou-se sinuosamente, com movimentos deliberadamente lentos, até que nossos rostos estivessem no mesmo nível, a trinta centímetros de distância. 'Perdoe-me, por favor', disse formalmente. 'Eu posso me controlar. Você me pegou de guarda baixa. Mas agora estou me comportando melhor." (MEYER, 2008, p.198-199)

Fica claro em qualquer trecho que Edward mostre suas características de monstro que ele, na verdade, não o é. Ele é um vampiro, mas se alimenta apenas de sangue de animais selvagens. É um predador, mas mesmo quando matava humanos, matava apenas os maus. Deseja o sangue de Bella mais do que qualquer outro, mas nega-se a tomá-lo para preservar sua vida. Finalmente, é um ser sobrenatural com inclinações assassinas, mas tem beleza divina. Ele é, desde a sua composição até suas ações, a personificação deste traço Romântico, unindo à perfeição o sublime e o grotesco.

LEAH CLEARWATER E A NEGAÇÃO DO ROMANTISMO

Apesar de a saga Crepúsculo ser profundamente Romântica quando se referindo aos seus protagonistas, há nela personagens que quebram esses paradigmas. O maior exemplo deles é Leah Clearwater, uma personagem secundária de história, interessante e quase trágica, sem traços caracteristicamente Românticos.

Leah aparece pela primeira vez na saga em Lua Nova, na página 197, quando seu nome é mencionado em referência à família de Henry Clearwater, que acabara de sofrer um ataque cardíaco. Parte do núcleo de habitantes de La Push, Leah tem uma história nada convencional: descendente indígena, ela perde o noivo para a própria prima, quando o tal noivo, depois de transformar-se em um dos defensores de La Push - um lobisomem -, acaba por ter o que no livro se define por imprinting, o encontro de sua alma gêmea, algo que os lobisomens não controlam, mas também não podem negar. Ela ainda sofre um segundo trauma: diferentemente das outras índias, torna-se uma lobisomem junto com os homens jovens de sua tribo. Com isso, Leah perde a capacidade de envelhecer e amadurecer - e também a capacidade de gerar filhos.

Leah é, como personagem, a antítese da idealização. Amargurada, sarcástica, geralmente revoltada e sempre com raiva, ela perde tudo que já quis ter e, até o fim da saga, não recebe nada em troca. Sua mãe termina a trama com o pai de Bella. Seu irmão mais novo, Seth, é um dos personagens que fica feliz ao se saber um lobisomem. Todos os demais personagens têm, de uma maneira ou outra, um final feliz - com a exceção de Leah, a única personagem de toda a trama que foge em absoluto de todos os traços Românticos. Não é estonteantemente bela, nem perdoa com facilidade. Não se encaixa no padrão de donzela em perigo, nem tampouco salva as pessoas pelo prazer de ajudar. Ela é, de certa forma, a personagem mais humana e real de toda a trama, não dando mais do que recebe em troca e, por isso, paga o preço: em uma trama em que todos recebem o que merecem, Leah ganha apenas solidão, amargura e infelicidade, como fica claro neste trecho, de Amanhecer, "[...] Diga-me quem me quer por perto, e eu vou embora." (MEYER, 2008, p.169).

Um final nada Romântico, para a única personagem não idealizada de toda a trama.

Revista Conhecimento Prático de Literatura