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domingo, 13 de julho de 2014

sábado, 26 de abril de 2014

Te Contei, não ? - Padres fora !

A partir de meados do século XVII, o Brasil e as demais conquistas lusitanas enfrentaram uma série de revoltas organizadas pelos moradores contra autoridades e religiosos. Os levantes varreram São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e Pará, mas também a África e as possessões na Ásia. No caso da América portuguesa, as revoltas estavam ligadas aos problemas que surgiam com o próprio avançar da colonização, mas se explicam também pelas transformações globais com as quais sofria o império português – voltado cada vez mais para o Atlântico.
Uma revolta simbólica do período colonial aconteceu nas capitanias do Maranhão e do Pará. Os moradores da região se levantaram contra os religiosos jesuítas, liderados pelo famoso padre Antônio Vieira (1608-1697). A agitação começou em fins de maio ou início de junho de 1661, na cidade de São Luís do Maranhão. Um grupo de moradores se dirigiu ao colégio jesuíta de Nossa Senhora da Luz e expulsou de lá os religiosos. Dias antes, moradores e vereadores haviam se reunido na Câmara e obrigado o reitor do colégio dos jesuítas a assinar um termo no qual os padres aceitavam abandonar o domínio que tinham sobre as aldeias de índios livres. Encurralados pela pressão dos vereadores e pelos representantes do “povo” – na verdade os setores da população que tinham direito à participação política, como proprietários e comerciantes, e também os homens livres brancos – os padres não tiveram alternativa a não ser firmar o documento.
A população de São Luís estava realmente enfurecida com os religiosos. Testemunha ocular dos acontecimentos, o ouvidor Diogo de Sousa e Meneses relata que, por ocasião da ida dos jesuítas à casa da Câmara, os moradores lhes teriam jogado “grande quantidade de pedradas”. Poucos dias depois, a rebelião tomou conta da cidade, apesar das tentativas de acalmar os ânimos lideradas pelo próprio governador, Dom Pedro de Melo.
Em dois meses, a revolta se espalhou para a vizinha capitania do Pará. Inspirada pelas notícias do levante em São Luís, a população de Belém se dirigiu ao colégio jesuíta de Santo Alexandre e deteve o padre Antônio Vieira, superior das missões. Imediatamente enviado a São Luís, Vieira ainda tentaria reverter sua situação no Maranhão, mas não houve jeito: embarcado e mantido à força numa nau, de lá partiu para Lisboa, de onde nunca mais voltaria ao Maranhão e Pará graças à ação de pessoas como Jorge de Sampaio e Carvalho, um dos líderes do levante, que havia sido soldado e almoxarife no Maranhão, e esteve depois implicado em outra expulsão dos padres da cidade de São Luís, em 1684.
Depois de expulsar o padre Vieira e alguns outros religiosos, os moradores de São Luís e Belém passaram a perseguir os demais padres que se encontravam no Estado do Maranhão e Pará – que reunia as duas capitanias e era separado do Estado do Brasil.
Mas, afinal, o que motivou tamanha revolta? A razão mais imediata foi a definição de uma política portuguesa em relação aos índios, em meados do século XVII. Na década de 1650, os padres jesuítas ganharam amplo controle sobre os trabalhadores nativos, com poder de determinar se os escravos indígenas feitos pelos moradores eram legítimos ou não. Também lhes cabia gerenciar o uso de trabalhadores indígenas livres que viviam nos aldeamentos missionários e serviam aos moradores.
A revolta de 1661 estava diretamente ligada ao modo como até então se organizara a conquista portuguesa das capitanias do norte. Diferentemente de outras regiões da América portuguesa, o então Estado do Maranhão e Pará se estabeleceu com base principalmente no uso de trabalhadores indígenas. Os índios eram empregados tanto nas lavouras como na extração dos produtos da floresta (as chamadas “drogas do sertão”). Por muito tempo, a principal força de trabalho na região continuou sendo a mão indígena. Por isso, a centralização do controle sobre as formas de aquisição de trabalhadores e sobre seu uso ainda geraria inúmeros conflitos entre a população e os jesuítas ao longo de todo o período colonial.
Um dos articuladores dessa política foi justamente o padre Antônio Vieira, muito próximo ao rei D. João IV. Graças à influência do jesuíta, durante o reinado deste monarca (1640-1656), definiram-se os principais aspectos da política em relação aos índios do Maranhão e Pará, que passaram a vigorar já no início da década de 1650. Daí o fato de o ódio dos moradores se dirigir principalmente contra Vieira. 
O conflito só terminou com a chegada do novo governador, Rui Vaz de Siqueira, em março de 1662. Ele tomou duas decisões assim que assumiu: concedeu perdão geral aos rebeldes e impediu a partida, no Pará, das naus que levavam os padres presos, para que fossem restituídos às suas igrejas. Em 1663, o rei D. Afonso VI confirmou o perdão, mas ordenou que Rui Vaz de Siqueira repreendesse os moradores, ameaçando-os com severas punições.
O episódio mostra como conhecer o contexto local não é suficiente para entender as causas de uma revolta. O império português sofria transformações naquele período: em 1640, Portugal se separara da Coroa espanhola, com a qual estivera unido desde 1580. A chamada Restauração de Portugal significou também um rearranjo de poderes no interior do império. Enfatizava-se a importância de um equilíbrio nas relações entre o rei (que deveria ser justo) e seus súditos (que deveriam ser obedientes); a própria aceitação do novo rei pelos súditos significava que ele deveria também atender ao bem de seus vassalos. Ao se revoltarem, os moradores de Maranhão e Pará procuravam mostrar ao rei e às autoridades por ele nomeadas que eles deveriam ouvir seus súditos e levar em conta seus problemas.
Por outro lado, a década de 1660 foi um período problemático na história da monarquia portuguesa, quando esteve em questão a sucessão de D. João IV. Em 1662, com a subida ao trono de D. Afonso VI, os jesuítas, e principalmente o padre Vieira, caíram em descrédito na Corte portuguesa. Esta nova situação ficou clara com o perdão concedido em 1663 aos revoltosos do Maranhão e Pará, e com a proibição explícita do retorno do padre Vieira àquela colônia.
Finalmente, os moradores que se revoltaram o fizeram porque estavam convencidos de que suas pretensões eram legítimas. Havia uma linguagem e um discurso que explicavam e justificavam o direito de se revoltar. Tanto antes como depois do levante, os moradores das duas capitanias fizeram suas queixas chegar aos padres, às autoridades e ao rei. Deixavam claro que eles e seus ascendentes haviam conquistado e defendido o Estado do Maranhão e Pará para a Coroa de Portugal, como escreveram numa carta, lembrando que “há tantos anos o estão servindo, derramando o seu sangue”. Queixavam-se que o rei e as autoridades nomeadas por ele não os ouviam, tendo, por diversas vezes, “clamado a Vossa Majestade” e visto que “não se deferia a tão duplicados clamores”, como escreveram numa carta ao soberano logo depois de passado o motim. Mais ainda: discordavam das políticas estabelecidas em relação aos índios, pois para eles o domínio que os padres tinham levaria à ruína todos os portugueses e à perda da própria colônia; assim, lembravam num texto os vereadores de Belém que o poder dos padres sobre os índios tinha deixado o Pará “no mais miserável estado”. Deixavam claro, dessa forma, que eles mereciam um lugar na definição dos destinos do lugar em que viviam.
Por mais violentas que sejam, revoltas populares não podem ser consideradas ações irracionais ou meros frutos de desordem. Tais quais as do presente, as manifestações de insatisfação da população no passado recorreram a símbolos, linguagens e estratégias motivados por razões profundas.

Rafael Chambouleyron é professor da Universidade Federal do Pará e autor de Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640-1706), vol. 1 (Açaí/ Centro de Memória da Amazônia/ UFPA, 2010).


Saiba mais - Bibliografia

CAETANO, Antonio Filipe Pereira (org.). Conflitos, revoltas e insurreições na América portuguesa. Maceió: EdUFAL, 2011.
COELHO, Geraldo Mártires. “A pátria do Anticristo: A expulsão dos jesuítas do Maranhão e Grão-Pará e o messianismo milenarista do Padre Vieira”. Luso-Brazilian Review, v. 37, n. 1, 2000.
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. “O império em apuros. Notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português. Séculos XVII e XVIII”. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Diálogos oceânicos. Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: EdUFMG, 2001.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Vale a pena assistir - Tomás Antonio Gonzaga






Personalidades - Gregório de Matos

Quem foi 
Gregório de Matos e Guerra foi um importante poeta colonial brasileiro do século XVII. Nasceu em 7 de abril de 1633, na cidade de Salvador (Bahia). 
Vida e obras 
Era de uma família rica, formada por empreiteiros e altos funcionários administrativos. Estudou num colégio Jesuíta da Bahia e depois continuou seus estudos na cidade de Lisboa e depois na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito. Neste país fez carreira de jurista.

Ao retornar ao Brasil, passa a viver de trabalhos na área jurídica, mas também começa sua dedicação à literatura. Passa a escrever sátiras sobre a sociedade da época. Em função de suas críticas duras aos integrantes da sociedade (políticos, religiosos, empresários) ganhou o apelido de “boca do inferno”. Também escreveu poemas de caráter erótico e amoroso.

As autoridades locais começaram a ficar descontentes com as críticas e passaram a perseguir Gregório de Matos. Preso em 1694, foi deportado para Angola (África).

Depois de um tempo, ganha a autorização para retornar ao Brasil. Porém, vai viver na cidade de Recife. Nesta cidade, faleceu em 26 de novembro de 1696 de febre que havia contraído em Angola.


Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.

Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.

A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Personalidade - Padre Vieira, o principe dos Jesuítas





Padre Vieira o príncipe dos Jesuítas
Há 400 anos, nascia um jesuíta tão eloqüente que aconselhava o rei português e argumentava com Deus em pessoa

Por MARCOS ANTÔNIO LOPES

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Vale a pena assistir > Os segredos da Inconfidência

Te Contei, não ? - Inconfidência Mineira

No século XVIII, o Brasil ficou marcado pela descoberta e a exploração de suas minas de ouro. Encontradas principalmente nas regiões de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, o ouro despertou o interesse dos colonizadores portugueses. Afinal de contas, o encontro de metais preciosos foi uma das mais antigas ambições que os portugueses tiveram assim que chegaram por aqui.
Com a descoberta do ouro, o governo português tratou de criar uma série de impostos que garantiam a obtenção de lucros junto à atividade mineradora. Com o passar dos anos, o esgotamento das minas passou a diminuir bastante as toneladas de ouro que eram enviadas para Portugal. Isso se explica até pelo fato de que o ouro é um bem natural não renovável e com a constante exploração foi perdendo força.
Na medida em que percebeu a diminuição da quantidade de ouro recolhido, o governo português decidiu aumentar a cobrança de impostos feita nas minas. A fiscalização nas cidades mineiras aumentou e um polêmico imposto chamado de derrama passou a ser cobrado. A derrama era um tipo de cobrança em que Portugal recuperava os impostos atrasados, com a tomada de outros bens dos mineradores que estavam em dívida com o governo português.
Esse tipo de cobrança gerou muita insatisfação e acabou sendo um dos motivos pelos quais alguns mineradores, intelectuais e proprietários de terra de Minas Gerais, lá pelos fins da década de 1780, se reuniram para criticar e elaborar um plano pelo fim da colonização portuguesa. Essas reuniões deram força ao planejamento de uma revolta, que ficou conhecida em nossa história como Inconfidência Mineira.
Os chamados inconfidentes acreditavam ser possível lutar pela independência de Minas Gerais e implantar um governo de característica um tanto mais justa e democrática. Apesar de não serem visivelmente contra a escravidão, os inconfidentes lutavam pela modernização da economia local, a criação de universidades e a separação entre a Igreja e o Estado. Além disso, traçaram um plano de rebelião que aconteceria assim que a derrama fosse cobrada na cidade de Vila Rica. Os inconfidentes acreditavam que se a revolta acontecesse no momento da cobrança, o apoio da população aconteceria naturalmente.
Apesar de todo o planejamento, a revolta acabou não acontecendo. Um envolvido na revolta, chamado Joaquim Silvério dos Reis, preferiu entregar o plano em troca do perdão de suas dívidas. Desse modo, as autoridades portuguesas prenderam grande parte dos envolvidos e os processaram pelo crime de traição. No ano de 1791, as investigações foram encerradas e os acusados tiveram suas penas decretadas. Entre os condenados, somente o inconfidente Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, foi condenado à morte.
Alguns historiadores dizem que Tiradentes foi o único punido, pois era o envolvido na revolta que tinha a condição financeira mais humilde. Tiradentes era militar e dentista, duas profissões que garantiam uma vida modesta, mas não muito confortável. No fim das contas, principalmente a partir do século XX, esse inconfidente foi transformado em herói nacional. Sua condenação à forca e ao esquartejamento virou símbolo de luta pela independência do Brasil. Contudo, lá naquela época, a defesa da independência de toda nação estava longe de acontecer.
Dessa forma, percebemos que a Inconfidência Mineira foi fruto do autoritarismo e da violência que eram empregados por Portugal no século XVIII. Contudo, por outro lado, não podemos dizer que os inconfidentes tinham um grande plano de independência para a nação brasileira. Os revoltosos de Minas pensavam apenas em sua região, mas acabaram sendo transformados em heróis nacionais.

Por Rainer Gonçalves Sousa
Colaborador Escola Kids
Graduado em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG
Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Te Contei, não ? - Aleijadnho

    







Há um capítulo em branco na História do Brasil, e esse capítulo é o que se refere à Maçonaria, presente em todos os momentos decisivos e importantes de nossa pátria. Em torno da excepcional contribuição da Maçonaria para a formação de nossa nacionalidade, é inadmissível qualquer dúvida. De nenhum importante acontecimento histórico do Brasil, os maçons estiveram ausentes. Da maioria deles, foram os elementos da Maçonaria os promotores. Não há como honestamente negar que o Fico, A Proclamação da Independência, a Libertação dos escravos, A Proclamação da República, os maiores eventos de nossa pátria foram fatos organizados dentro de suas lojas. Antes de tudo isso, já na Inconfidência Mineira, a Maçonaria empreendia luta renhida em favor da libertação de nossa pátria. Todos os conjurados, sem exceção, pertenciam à Maçonaria: Tiradentes, Thomas Antonio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, e até mesmo o Judas, o traidor Joaquim Silvério dos Reis, infelizmente também pertencia à ordem.

Há que se ressaltar também a grande contribuição de um maçon ilustre Francisco Antonio Lisboa, o Aleijadinho. Este grande gênio da humanidade. Maçom do grau 18, Aleijadinho, autor de obras sacras, fez questão de secretamente homenagear a Maçonaria em suas esculturas. Ao bom observador e conhecedor da maçonaria, não passará despercebido, ao conhecer a obra do grande mestre, detalhes, pequenos que sejam que lembram a instituição maçônica. Os três anjinhos formando um triangulo, o triangulo maçônico, tornaram-se sua marca registrada.

A própria bandeira do estado de Minas Gerais foi inspirada na Maçonaria: o triangulo no centro da bandeira mineira é o mesmo do delta luminoso, o Olho da Sabedoria.

A independência do Brasil foi proclamada em 22 de agosto de 1822, no Grande Oriente do Brasil. O grito de independência foi mera confirmação. Ninguém ignora também que o Brasil já estava praticamente desligado de Portugal, desde 9 de janeiro de 1822, o dia do Fico. E o Fico foi um grande empreendimento Maçônico, dirigido por José Joaquim da Rocha, que com um grupo de maçons patriotas, fundou o Clube da Resistência, o verdadeiro organizador dos episódios de que resultou a ficada.

A libertação dos escravos no Brasil foi, não há como negar, uma iniciativa de maçons, um empreendimento da Maçonaria. A Maçonaria, cumprindo sua elevada missão de lutar pela reivindicação dos direitos do homem, de batalhar pela liberdade, apanágio sagrado do Homem, empenhou-se sem desfalecimento, sem temor, indefessamente pela emancipação dos escravos.
Para confirmar estes fatos basta verificar a predominância extraordinária de maçons entre os líderes abolicionistas. Dentre muitos destacaram-se Visconde de Rio Branco, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Eusébio de Queiroz, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Cristiano Otoni, Castro Alves, e muitos outros.

A proclamação da República, não há dúvidas de que também foi um notável empreendimento maçônico. O primeiro Ministério da República, sem exceção de um só ministro, foi constituído de maçons. Mera casualidade? Não. Ele foi organizado por Quintino Bocaiúva, que havia sido grão-mestre.

Assim foi e tem sido a atuação da Maçonaria com relação ao Brasil, sempre apoiando e lutando para a concretização dos ideais mais nobres da pátria, comprometendo-se em favor da liberdade e condenando as injustiças.

Fonte:
l Sociedades Secretas - A. Tenório de Albuquerque

domingo, 11 de novembro de 2012

Te Contei, não ? - De portas fechadas para o público

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Ela deve constar em todo bom guia turístico de Salvador. Erguida em 1737 em estilo barroco, a Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, localizada no centro histórico da capital baiana, ostenta, entre outras preciosidades, um forro pintado em perspectiva ilusionista. Seu valor histórico foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já em 1938. Mas quem se arrisca a subir os 55 degraus que levam à porta da edificação sem antes consultar algum morador pode se frustrar. O templo, que há meio século serviu de locação para o filme “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, única produção nacional a conquistar a Palma de Ouro, em Cannes, não pode ser frequentado pelo público há mais de uma década. Transformou-se em cenário de uma triste história que se repete em várias cidades do País, em que igrejas históricas estão de portas fechadas há anos para missas, casamentos, batizados ou simples visitação.

A Igreja do Passo interrompeu suas atividades religiosas após o desabamento parcial do altar-mor do século XVIII ao final de uma celebração – a Arquidiocese de Salvador não soube precisar a data do fechamento. “Ela fechou em 1998”, afirma José Dirson Argolo, professor de restauro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Quatro anos mais tarde, segundo Argolo, a diocese cedeu o templo em comodato à Associação dos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta, que passou a discutir o restauro da estrutura e dos bens artísticos do local. Em 2003, um projeto de restauração orçado em R$ 4 milhões chegou a ser aprovado pelo Ministério da Cultura, mas foi arquivado por falta de recursos. O tempo foi passando, a deterioração do templo se agravou e, no ano passado, a Mitra soteropolitana pôs fim ao comodato. “Hoje, a igreja apresenta sério comprometimento elétrico, do telhado, e de parte do assoalho, o que impede a sua abertura”, afirma o padre Jair Arlego, ecônomo da diocese.

Há 15 dias, um novo projeto de restauro da Igreja do Passo foi entregue ao Iphan. A ação de cupins e a umidade deterioraram ainda mais os forros, altares, pinturas e azulejarias. Custo atual da obra: R$ 10 milhões. Para evitar esse abandono, especialistas afirmam que é necessária uma política de preservação, praticada pelo poder público e pela Igreja Católica. “A troca de uma telha de barro quebrada, às vezes, evita o restauro de uma igreja”, diz Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador das promotorias de Justiça de defesa do patrimônio cultural e turístico de Minas Gerais. Infelizmente, as ações no Brasil são, na maioria das vezes, reativas. Em Minas Gerais, há entre 100 e 150 igrejas que sofreram algum tipo de intervenção do Ministério Público por mau estado de conservação. Para reverter essa situação de completo abandono de uma delas, a Nossa Senhora do Rosário, em Januária, a promotoria de defesa do patrimônio mineira passou nove anos costurando um acordo entre o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e a arquidiocese local, o que só ocorreu em junho passado.

Segunda igreja mais antiga de Minas, datada de 1688, a Nossa Senhora do Rosário está fechada há pelo menos 18 anos. Seu abandono também pode ser explicado por sua localização. O templo está situado em uma região praticamente deserta, tomada por chácaras e, com o passar dos anos, as pessoas se mudaram da região. “Então, não é que a Igreja Católica abandou a Nossa Senhora do Rosário. Não tinha gente morando ali, existia só o templo, e os padres alemães que cuidavam dela saíram de lá”, afirma o bispo local, dom José Moreira da Silva. Até o final do ano, o Iepha deverá elaborar um projeto de restauro para o templo e, em 2013, os envolvidos no projeto voltam a sentar para discutir a execução das obras.

Responsável pela Basílica Nossa Senhora da Penha, no Recife, que corria risco de desmoronar caso não fosse interditada pela Defesa Civil em 2007, frei Luís de França Fernandes reconhece a culpa de sua instituição. “Nós, sacerdotes, não temos consciência de preservação patrimonial”, afirma. Erguida por frades capuchinhos franceses em 1882 e única no Recife em estilo coríntio, a basílica encontra-se em fase de restauração. A primeira etapa das obras se encerrou neste mês e custou R$ 4,7 milhões. Mais R$ 3,2 milhões serão gastos com a segunda fase, que deverá durar mais dois meses. No total, a igreja deverá permanecer fechada por oito anos. O empenho no processo para reabrir as portas fez o administrador do templo contratar um especialista em restauro, uma iniciativa rara entre seus pares. “Ele se tornou funcionário permanente da igreja e será responsável por realizar manutenções e intervenções periódicas nela”, diz frei Fernandes.

Na mineira Ouro Preto, as obras na igreja São José dos Pardos, fechada há cerca de 20 anos, só começaram há dois anos. Ali, um projeto de restauração que levou cinco anos para ser aprovado e uma tentativa frustrada de patrocínio junto ao Ministério do Turismo acabaram privando fiéis e turistas de desfrutar do templo. “Faltou, por longos anos, vontade política e da diocese para cuidar desse patrimônio”, afirma Gabriel Gobbi, secretário de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto. A São José dos Pardos é de 1730. Nela está hospedado o altar-mor considerado o primeiro trabalho documentado de Aleijadinho. Com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), R$ 1,2 milhão está sendo investido na restauração. Telhado, piso, sistema de som e incêndio, rede elétrica e bens artísticos já estão prontos e restam, ainda, trabalhos de pintura, a reurbanização do entorno e reparos na sacristia. Acredita-se que até o fim do ano a rotina de celebrações retorne ao local. Nas proximidades, a Igreja de Santa Efigênia – a religiosa é tida como padroeira, protetora e guardiã dos lares – também se encontra fechada há cinco anos. Historiador e diretor do Museu de Arte Sacra da cidade, que supervisiona as obras de restauração, Carlos José Aparecido de Oliveira convive com comentários constrangedores de devotos da santa descontentes com a situação do templo. “Eles dizem: ‘Engraçado, a gente reza tanto para Santa Efigênia para ela cuidar da nossa casa, só que a própria casa dela está fechada. Como pode?’”, diz ele. Situação que nem a fé explica.  

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Fotos: Neno Vianna/Barrocopress; www.TipsImages.it
Fotos: Cristiano Couto/Hoje em Dia/Folhapress; divulgação

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Você já sabe disso ? - Libertados pela arte


Mesmo quando obedece aos dogmas do classicismo ditados pelas escolas de arte mais tradicionais e conservadoras, não se pode negar que, ao fazer arte, o artista expõe o que habita no mais profundo de sua mente e de sua alma. Do Brasil colônia até o período imperial, vários escravizados africanos ou aqui nascidos utilizavam seus aprendizados de artesão para se dedicar à arte da escultura. Segundo o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, do sociólogo e historiador Clóvis Moura, ao visitar o Rio de Janeiro, em 1846, o viajante inglês radicado nos EUA, Thomas Ewbank relatou: "Esculturas em pedra e imagens de santos em madeira são frequentemente feitas por escravos e negros livres." Identificou como "excelente escultor" e "artista consagrado" um velho africano que vivia no Catete, conhecido por João Vermelho, que o impressionou tanto pela qualidade dos santos que esculpia quanto pelos ex-votos expostos na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

O MESTRE MAIOR DO BARROCO

Mais de um século antes dessa viagem, porém, nascia em Vila Rica - hoje Ouro Preto - o mestiço Antonio Francisco Lisboa, que ficou conhecido como "Aleijadinho", considerado o maior escultor barroco das Américas. Filho do arquiteto português Manuel Francisco Lisboa com sua escrava de prenome Izabel, Aleijadinho nasceu escravo - condição conferida a todos os filhos de escravas -, mas foi alforriado pelo pai. Além de exercer seu talento nas artes, integrou a infantaria do Regimento de Homens Pardos de Ouro Preto, frequentava bailes populares e apreciava o álcool. Já na meia idade, foi acometido pela hanseníase, que deformou seu corpo todo, e também por outra doença chamada porfiria. Até morrer, aos 76 anos - ou 84, segundo outras fontes -, debilitou-se tanto que, para que pudesse esculpir, seus ajudantes amarravam as ferramentas no que restou de seus braços carcomidos pela doença.
A despeito desses males, produziu com intensidade em pedra-sabão e realizou entalhes em cedro, deixando um legado de valor inestimável nas igrejas de Vila Rica e em outras cidades mineiras como São João Del Rei, Congonhas do Campo, Sabará e Mariana, entre outras. Também recebeu menções elogiosas de viajantes estrangeiros como o botânico e naturalista francês Auguste Saint-Hilaire e o geólogo alemão Barão de Eschwege. Além de imagens de profetas, santos e vias sacras, há belíssimos portais, adros de igrejas, monumentais frontispícios, imponentes altares e chafarizes.
São também desse período pintores negros como Jesuíno Francisco de Paula Gusmão (1764 - 1819), José Teófilo de Jesus (1758 - 1847), Mestre Valentim (1745 - 1813) e Veríssimo de Souza Freitas (sem registro de nascimento e morte), cujos entalhes, esculturas, quadros e afrescos podem ser vistos em igrejas e algumas edificações antigas. menções elogiosas de viajantes estrangeiros como o botânico Auguste Saint-Hilaire e o geólogo alemão Barão imagens de profetas, santos e vias sacras, há belíssimos portais, adros de igrejas, monumentais frontispícios, São também desse período Jesuíno Francisco de Paula Gusmão (1764 - 1819), José Teófilo de Jesus (1758 - 1847), Mestre Valentim

MÃOS NEGRAS E CLÁSSICAS
Não fosse a dedicação quase obsessiva do também escultor, museólogo e curador do Museu Afro-Brasil, Emanoel Araújo, à pesquisa e também construção de um riquíssimo acervo da arte produzida pela mão afro-brasileira, jamais tomaríamos conhecimento de algumas dezenas de nomes de artistas afro-brasileiros que produziram arte em todas as linguagens e técnicas, alguns dos quais até com algum reconhecimento sem, porém, figurar nas listas dos que mereceram estudos mais aprofundados nas escolas de Belas Artes. Obras desses artistas figuram entre as preciosidades do acervo do museu que tem a curadoria de Emanoel que, por sua vez, não só organizou exposições específicas como elaborou e publicou o livro ricamente ilustrado A Mão Afro-brasileira, já em segunda edição, com dois volumes, num total de 868 páginas.
Entre a segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, por exemplo, artistas afro-brasileiros se destacaram na produção clássica, mas jamais foram estudados nem mencionados por historiadores que se dedicam às artes plásticas. Na apresentação de uma exposição de suas obras, Emanuel Araújo foi enfático: "Os maus-tratos, a ignorância e a insensibilidade com que se trata, no Brasil, a história e a memória iconográfica" seriam os responsáveis pelo ostracismo a que foram relegados esses personagens, cuja vida "foi uma interminável batalha, um grande esforço pessoal, de uma tenacidade inimaginável, pela afirmação e reconhecimento de suas obras." A mesma sociedade que estigmatiza um povo, com base em preconceitos construídos por meio de factoides, deveria resgatá-lo a partir de seus valores socio-culturais. E Emanuel conclui: "O fato de seus nomes permanecerem já credencia a raça negra ao reconhecimento da nação pela sua contribuição à construção da cultura brasileira."

Assim tomamos conhecimento de que, naquelas décadas de passagem de séculos, pintores negros e mestiços estudaram na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia Imperial de Belas Artes, viajaram para a Europa e a maioria continuou seus estudos em Paris. Nomes como os irmãos Arthur Timótheo (1882 - 1922) e João Timótheo (1879 - 1932), que morreram num manicômio; Benedito José Tobias (1894 - 1963); Benedito José de Andrade (1906 - 1979); Emmanuel Zamor (1840 - 1917), sobrenome herdado de seus pais adotivos; Estevão Silva (1845 - 1891); Firmino Monteiro (1855 - 1888); Horácio Hora (1853 - 1890); Rafael Pinto Bandeira (1863 - 1896) e Wilson Tibério (1923 - 2005). Este último, gaúcho, se envolveu em movimento revolucionário no Senegal, foi expulso daquele país e retornou à França, onde viveu por anos e permaneceu até morrer.

NEGRITUDE, TEMA RECORRENTE
Seja qual for a linguagem artística escolhida para expressar-se, uma grande quantidade de artistas colocou e coloca nas telas e em esculturas, modelagens ou instalações, de forma figurativa ou não, imagens, signos, cores e formas que registram suas vivências, seus sentimentos, suas crenças, as manifestações culturais de seus povos. Negro ou mestiço, homem ou mulher, hétero ou homossexual, cristão ou devoto de alguma religião de matriz africana, suas produções artísticas, geralmente, estão impregnadas de informações que os revelam. Por isso, a possibilidade de mencionar uma "arte negra", mesmo que sincrética.
Nossas manifestações populares foram registradas, por exemplo, nas telas naif do compositor Heitor dos Prazeres (1898 -1965), muitas delas adquiridas pela rainha Elizabeth. Os signos do candomblé estão em cores vivas nos quadros de Abdias do Nascimento (1914 - 2011), expressão máxima da militância negra brasileira dos séculos 20 e 21, assim como nas máscaras e esculturas de inspiração africana de Agnaldo Manoel dos Santos (1926 - 1962) e na arte emblemática do sacerdote do candomblé Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos), filho de Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, famosa iyalorixá do Ilê Opô Afonjá, exaltada por poetas e intelectuais.
Impossível não mencionar artistas plásticos negros de gerações mais recentes que mantêm viva a herança pictórica afro, como Sidnei Lizardo, o Lizar (1939), cuja inspiração maior é a capoeira, elogiado pelo New York Times; Yêdamaria (1936), que em sua obra expressa a ancestralidade e a feminilidade; Octávio Ferreira de Araújo (1926), que foi assistente de Cândido Portinari e estudou na França, na China e na Rússia; o premiado Jorge dos Anjos (1957), autor de obras como o Monumento Zumbi Liberdade e Resistência - 300 anos, instalado na Avenida Brasil, em Belo Horizonte; Samuel Santiago (1951), autor de máscaras e obras inspiradas nos corpos negros, que ensinou arte a internos da Febem, entre tantos outros.
Não podemos esquecer também os artistas que se valem da linguagem da fotografia para revelar-se e nos revelar, como Walter Firmo, Bauer Sá, Wagner Celestino, Januário Garcia, Luiz Paulo Lima, Mario Espinosa e muitos outros. Enfim, com talento reconhecido ou não, milhares de mãos, mentes e almas negras foram e são fundamentais na construção desse monumento que se constitui nas tão aclamadas, mas igualmente tão pouco conhecidas, artes plásticas brasileiras.

ARTISTAS DE HOJE
SÉRGIO SOAREZ
RELIGIOSIDADE NAS ARTES

As entidades do candomblé sempre foram fontes de inspiração na concepção das esculturas, pinturas e ilustrações do artista plástico e pesquisador, Sérgio Soarez. "Sou do candomblé e guiado pelas divindades Oxossi e Ogum, que me ajudam espiritualmente e condicionam minhas obras." Os primeiros passos do baiano no mundo das artes foram dados por volta de seus 17 para 18 anos, em Salvador, quando decidiu fazer um curso de escultura em madeira no Museu de Arte Moderna (MAM), da Bahia. Outros cursos vieram e ajudaram a complementar sua formação. Em 2010, foi citado pelo diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, no segundo volume do livro A Mão Afro-brasileira, editado pelo Museu: "Suas assemblagens, dedicadas à mitologia dos deuses da religião afro-brasileira, são uma, entre outras, das elaborações estéticas já experimentadas pelo artista. Nelas, alia seu conhecimento e sua prática religiosa numa experimentação estética bem concebida, bem articulada, na união de diferentes matérias, como os fragmentos em madeira, já vividos em outros objetos de diferentes usos nos quais ele trabalha o sagrado com a devoção de seu conhecimento."
Os elementos que representam as duas divindades, Oxossi e Ogum, a madeira e o ferro, respectivamente, são os materiais principais que o artista utiliza nas suas esculturas. "É uma forma de reverenciar esses dois orixás", explica Sérgio. Esses dois materiais muitas vezes já foram utilizados na confecção de outros objetos, portanto, serviram para outros fins. Mas ao serem reutilizados pelo artista como material reciclado, ganham outras utilidades e, principalmente, significados. Sérgio Soarez luta muito para levar sua arte às pessoas. Muitas vezes ficou sem poder fazer uma obra por falta de dinheiro, pois precisava pagar as contas básicas e comer. "O artista negro não tem condições de viver de arte. Muitas vezes ele não tem dinheiro para comprar material para fazer as suas obras. Não tem condições de se qualificar. Ou come ou compra uma ferramenta para fazer seu trabalho, que antecede sua criação", lamenta. Na dualidade entre o fazer artístico e tocar a vida, Sérgio vai tocando o barco, produzindo a sua arte e se aprimorando. Ele, que mora em Salvador, vai de tempos em tempos para São Paulo e Rio de Janeiro visitar exposições, comprar catálogos, fazer algum curso. Quando não pode viajar para o sudeste, se vira vasculhando a internet, segundo ele, uma excelente ferramenta para quem não tem grana para viajar. "Ser negro e artista é um labor constante, mas não queria ter outra vida, ser outra pessoa, adoro o que faço e o que sou", sintetiza.

Lídia Lisboa
o lúdico do lúdico
Ao som do tango Adios Nonino, do compositor e bandeonista argentino, Ástor Piazzolla, ela define seu trabalho: "Eu sou minha própria arte"

Seja como artista plástica - cerâmica, pinturas, crochês de pedaços de tecidos, com miçangas, colares de botões -, como atriz, modelo vivo, ou realizando performances, não há comparativos entre o que ela produz e outros fazeres artísticos. Quem mais poderia ouvir do premiadíssimo pintor e desenhista cearense, Aldemir Martins, de quem foi discípula por 12 anos: "Você vai ser herdeira do meu saber"? Para essa paranaense de 41 anos, nascida em Guaíra, residente em São Paulo desde 1986, fazer arte é semelhante a respirar, ao pulsar do coração. Intensa, além da aplicação de técnicas, ela se atira de corpo e alma, sem rede de proteção, como a mais ousada trapezista. "Não estou presa a nada. Sou livre no meu trabalho. Não tenho de agradar ninguém. Só tenho de agradar a mim mesma. Desculpe-me por eu ser tão verdadeira." Ao falar da instalação Vila das Oyas,projeto vencedor do II Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras, da Fundação Cultural Palmares, sua exposição de 52 cerâmicas, que ocupou por um mês a paulistana Fibra Galeria e deverá viajar por outros estados do País, seus olhos se enchem de lágrimas: "Me emociono ao me lembrar dos cupinzeiros de minha infância. Me vem à mente a casa de chão batido, de dois cômodos, em que vivia minha família, na Vila Guarani, em Guaíra, cercada por um pasto repleto de cupinzeiros. Um abacateiro era a única árvore que se sobressaía naquele cenário", explica.

CUPINZEIROS INDESTRUTÍVEIS
Seja no sertão brasileiro ou nas savanas africanas, os cupinzeiros lembram a própria resistência do ser humano. Construídos com terra e a saliva dos cupins, eles ganham formas e dimensões inimagináveis, além de uma dureza que os torna indestrutíveis. Com o aporte de Bárbara de Paula, Lídia produziu esse projeto com base na lenda do orixá Oya - também chamada de Iansã - que comanda os ventos e as tempestades, esposa de Ogum e depois de Xangô. Diz a lenda que ela se transformava em búfalo e, quando voltava à forma feminina, escondia sua pele e seus chifres em um cupinzeiro. No projeto, as autoras homenageiam as mulheres, em particular as mulheres negras, provedoras de suas famílias, às quais protegem em fortalezas invisíveis, mas indestrutíveis como os cupinzeiros. Na instalação, os cupinzeiros de cerâmica, em formatos arredondados femininos, são colocados de maneira a lembrar vilarejos ou aldeias. "Eu própria, como minha mãe, sou uma dessas Oyas - afirma Lídia - Vivo de meu trabalho e, mãe solteira desde os 13 anos, criei sozinha minha filha, a atriz Lidi Lisboa (Lidiane Rafaela Lisboa) - a Gracinha da novela Cheias de Charme, da Rede Globo - uma guerreira como eu." Desde 1995, Lídia Lisboa produz peças de cerâmica e decidiu resgatar os cupinzeiros, recriando-os em vários formatos e tamanhos, alguns fálicos, outros mais arredondados como os seios femininos ou a barriga de uma grávida. "O primeiro que fiz, tem 80 centímetros e está na casa de uma amiga, protegido por uma caixa de vidro", comenta emocionada. Mais velha de cinco irmãos, ela se lembra de que foram crianças criadas livres. "Aos seis anos, fiz minha primeira instalação: forrei a cama de campanha de meu tio Paizinho, com folhas de feijão guandu - conta a artista. Ele ficou super intrigado e disse à minha mãe que cuidasse de mim, porque eu não era desse mundo. Anos depois, visitou meu apartamento em São Paulo, e desabafou: 'Agora entendi quem era aquela menina. Era uma artista'. Fiquei superfeliz por ele finalmente ter entendido."
Seu método de trabalho é muito particular, como explica ao falar sobre as cerâmicas da exposição, criadas em cinco meses: "Não faço nenhum estudo anterior. A peça vai nascendo enquanto é produzida. Vira quase uma obsessão. Simplesmente realizo o que idealizo. Farei cupinzeiros até morrer. Terão outras formas, talvez outras misturas de barros. A próxima série será inspirada na Capadócia, que lembra muito cumpizeiros. Quero também me inspirar no mito da Medeia. Hoje estou criando casulos de filó."

TUDO JUNTO E MISTURADO
O pintor, gravador e arquiteto, Gilberto Salvador afirma que Lídia Lisboa "é uma artista que utiliza suas origens, seu feminismo e sua sensualidade para criar obras que nos seduzem, mas que nos impedem a pensar de forma construtiva um universo de formas inusitadas, mas que, apesar das provocações, nos confrontam e nos obrigam a reler de forma brasileira e essencialmente feminina."
Ora segurando as lágrimas, ora rindo desbragadamente de seu próprio comportamento, explica que sua terapia é sua arte e que "quando tenho de ser dura, não há ninguém melhor que eu." Depois, admite que, por algum tempo, submeteu-se à análise, o que a ajudou a superar seus medos. "Tinha medo de coisas boas, inclusive do sucesso e de elogios. Mas descobri que a força maior do universo conspira a meu favor."

LUIS MARTINS - A LITERATURA NAS ARTES
Ele não gosta de dizer que é um artista plástico, termo muito amplo para designar o que faz. "Sou um escultor, desenhista e gravador, apesar de já ter pintado e feito outras coisas. Acho que essas funções das artes plásticas representam melhor o que faço." Luis chegou a São Paulo quando tinha 17 anos, vindo de Machacalis, cidadezinha das Minas Gerais. Trabalhou com um pouco de tudo e teve a sorte de ter contato com outros artistas plásticos como Zélio Alves, de quem foi assistente. "Sou autodidata, apesar de ter feitos alguns cursos. Minha arte foi sedimentada nas observações, pesquisas e nas minhas experimentações de artesão. Aprendi fazendo, lendo e pesquisando", explica. O artista já fez várias exposições individuais no Brasil, como a que realizou no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) e na Caixa Cultural de São Paulo. Também já expôs em alguns países da Europa, como Dinamarca e Áustria. Em Viena, Luiz Martins encontrou o lugar ideal para divulgar suas obras. "A Europa tem várias culturas e esse choque cultural te ajuda a reciclar a tua obra e te mostra outros caminhos para tua arte." Atualmente, Luiz está com dois projetos: a exposição e instalação Ethlos.33, que consiste de 33 desenhos novos que irá trazer um cubo de bronze de três metros de aresta. Dentro desse cubo escuro, o artista vai mostrar quatro esculturas revestidas de bronze. A fonte de inspiração surgiu das leituras que fez nos últimos anos. "Adoro filosofia, principalmente as obras de Friedrich Nietzsche. Numa dessas leituras tomei conhecimento do poeta grego Treogus, que fala sobre esse termo, ´Ethlos` que tem um significado bem amplo e simbólico. Trata da ideia de uma existência plena, tangível, seja no campo simbólico do catolicismo ou nas reflexões que Friedrich Nietzsche recupera do poeta grego Theogus." A curadoria dessa nova exposição do artista ficará a cargo de Paulo Miyada, doutorando do curso de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP). O outro projeto é um livro que recupera parte da obra de Luiz Martins nessas mais de duas décadas.


(Por: Amilton Pinheiro)

Revista Raça Brasil