Um Estado marginal e sem educação
Ao longo de 2015, vimos um Estado que é liberal e democrático no discurso, mas de exceção nas formas de conduzir as relações com a comunidade
por Pedro Estevam Serrano
O ano de 2015, marcado pelo avanço de frentes que jogam pelo retrocesso de direitos e contra a democracia, vai encerrando-se com cenas deploráveis de violência praticada pelo aparato policial do Estado contra estudantes que reagiram à proposta do governador paulista de fechar escolas, sob pretexto de reorganizar a gestão.
Em abril, professores paranaenses em greve foram tratados com a mesma truculência, sendo duramente reprimidos pela polícia militar, durante manifestações contrárias a um projeto do governo estadual decidido, a exemplo do que ocorreu em São Paulo, de cima para baixo, sem qualquer diálogo com a categoria.
Mais do que episódios lamentáveis e emblemáticos do descaso para com a educação pública em nosso país, são situações que revelam uma vocação cada vez maior do Estado de se marginalizar em suas relações com a cidadania.
Na prática, vimos funcionar ao longo deste ano, em diversas ocasiões, um Estado que é liberal e democrático no discurso, mas de exceção nas formas de conduzir as relações com a comunidade.
É estarrecedor que mais de 30 anos após o início da redemocratização, o Estado se mostre tão inapto na hora de lidar com manifestações contrárias àquilo que ele propõe. Ora, é natural, desejável e faz parte do jogo democrático que as pessoas protestem e reivindiquem direitos.
Ao ofender a garantia de manifestação desses cidadãos, reprimindo-os com violência, o Estado – que é quem primeiro deveria cumprir a ordem jurídica – a contraria, marginalizando-se, ou seja, agindo à margem da lei.
Esse despreparo, sobretudo do aparato policial, que não é meramente acidental, se traduz em cenas impensáveis, como as que assistimos nas últimas semanas. É preciso que fique claro para a sociedade que policiais que apontam armas para estudantes ou aprisionam quem quer com eles dialogar não estão simplesmente “cumprindo seu dever”.
É preciso despi-los da qualidade de agentes do Estado e enxergar o que verdadeiramente são – marginais armados, usando da violência para coagir cidadãos que estão exercendo seus direitos. Não devemos enxergar na farda a legitimidade para esse tipo de abordagem, pois ela não autoriza ninguém a cometer crime.
Se alguém cumpria deveres – e exercia cidadania – nas cenas descritas, eram os estudantes em luta por aquilo que, em qualquer sociedade minimamente civilizada, todos entendem como direito fundamental: o acesso pleno à educação.
Aliás, a tática de ocupação usada por esses jovens para forçar o governo a dialogar e recuar foi alentadora, pois demonstra da parte deles não só uma disposição para lutar por esse direito, mas também coerência, já que o fechamento de escolas em um país tão carente de educação como o nosso é absolutamente injustificável. O que se espera é que as escolas melhorem, que a educação seja efetiva, e não mais sucateada.
As repressões criminosas a trabalhadores da educação e a estudantes pelo aparato policial estatal figuram, sem nenhuma dúvida, como os episódios mais sombrios deste ano, pois escancaram a transmutação do Estado de Direito num Estado de exceção, criminoso, que exerce a soberania de forma bruta e que não enxerga o cidadão como detentor de direitos, mas apenas de deveres e obrigações.
Por outro lado, a reação desses jovens, pertencentes a uma geração muitas vezes desacreditada, restabelece um equilíbrio muito bem-vindo, pois se de um lado estamos muito distantes de vivenciar a democracia de forma plena, de outro, essa juventude renova, com sua criatividade e espírito de luta, a esperança de que a truculência e o despotismo estatal não serão tolerados.
Como dizem esses mesmos jovens em suas interações nas redes sociais, #NãoPassarão. E que não passe mesmo, em 2016, nenhuma forma de discriminação, de intolerância, de desrespeito às garantias constitucionais e de perseguição.
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