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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Site da Prefeitura de Macaé é Hackeado!

Como parte da onda de protestos que vêm atingindo o Brasil nos últimos dias, importantes sites de diversas instituições governamentais foram invadidos e preenchidos com conteúdo pró-manifestação.
Segue abaixo os links com as informações.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Te contei, não ? - Os 50 são os novos 30

Walmir Paulino (Foto: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA)

Idade é quase uma questão de opinião. Pode mudar de acordo com o ponto de vista. Na cabeça da gente é uma. Aos olhos dos filhos, outra. Na impressão dos amigos, uma terceira. Há apenas 30 anos, os 50 anunciavam o início da velhice. Não mais. Não só por uma questão de percepção íntima ou da sociedade. Mas pela própria fisiologia. Graças a avanços na saúde, nos costumes e no conforto material, a nova geração de 50 anos chega a essa fase com vitalidade, um gosto de novidade e a sensação de estar no auge da vida. Eles se sentem jovens como, há alguns anos, se sentia quem tinha 30. “Há três décadas, o estado de saúde geral dos meus pacientes de 50 era o mesmo das pessoas de 70 que atendo hoje”, diz o geriatra João Toniolo Neto, da Escola Paulista de Medicina. “Não é exagero dizer que a maioria dos pacientes de 50 anos tem saúde e disposição mental dos de 35 daquela época.”

As pessoas de 50 anos de hoje em nada lembram as da década de 1970. Muitas têm o corpo tão ou mais em forma que seus filhos adultos. Outras estão no pique para ter filhos (biológicos ou adotados), começar uma nova faculdade, um novo romance, uma nova empreitada ou qualquer outra aventura. É um fenômeno mundial. Só na livraria on-line Amazon, há mais de 100 livros escritos na última década sobre o tema: Os novos velhos, Os sem idade, Os imortais. A profusão de títulos é só um sintoma. A postura dessa nova idade tem impacto direto na economia, no mercado de trabalho, no consumo, nos relacionamentos, nas relações familiares – em toda a sociedade.

É como se, em questão de poucas décadas, a população ativa do país dobrasse. Foi o que aconteceu no Brasil. Em 50 anos, a expectativa de vida da população aumentou de 48 para 73 anos. Deverá chegar a 80 em 2050. Ao se distanciar da morte, os cinquentenários se distanciaram também da velhice. Eles têm disposição física, mental e financeira. O fato de não se verem como os mais velhos do grupo contribui para o sentimento de bem-estar com a própria idade. Uma pesquisa da seguradora MetLife, feita com mais de 2 mil americanos, estima que mais da metade dos nascidos entre 1955 e 1964 tem ambos os pais vivos. Apenas 11% já perderam os dois. Os cinquentões ainda são os filhos e, em muitos casos, cuidam dos mais velhos.

Fontes: Bruna Felix Bravo, coordenadora do departamento de cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (RJ); Karla Assed, dermatologista; Joel Block, psicólogo, autor do livro Sex over 50 (Sexo depois dos 50);  (Foto: Monica Yassuda, coordenadora de gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each USP); Claudia Carraro, consultora da Carreira e Cia.)


Graças a essa satisfação, o hábito de tentar disfarçar a idade parece estar ficando démodé – para usar uma expressão francesa que também saiu da moda. A maioria deles, mesmo os mais vaidosos, encara a idade de forma positiva. Não querem ter dez ou 20 anos a menos. Querem estar bem aos 50. De acordo com uma pesquisa do Ibope Mídia, feita com 3.500 brasileiros nessa faixa etária, mais de 60% estão muito satisfeitos com a vida que têm.

A longevidade depende de três fatores: uma genética favorável, um ambiente saudável e bons hábitos. O primeiro deles, nosso DNA, não mudou. Os dois outros evoluíram. A começar pelas condições criadas pelos avanços da medicina e pelo progresso econômico e social. Algumas conquistas vieram da saúde pública. Vacinas desde a infância, condições de moradia mais higiênicas, expansão do saneamento básico e até o hábito de fazer exames pré-natais contribuíram para isso. Mesmo quem chega aos 50 anos com doenças crônicas pode ter uma vida saudável e funcional. “O controle e o tratamento de enfermidades como câncer e problemas cardíacos ajudaram muito a elevar a idade média do brasileiro e a aprimorar sua qualidade de vida”, diz Nezilour Lobato Rodrigues, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Décadas de avanço econômico recente no Brasil e no mundo – apesar da crise atual – levaram bilhões de pessoas da pobreza aos confortos modernos. Além de comprar bens materiais, elas estão investindo em saúde e bem-estar. Algumas pesquisas mostram a relação entre o conforto financeiro e a longevidade. Um dos maiores levantamentos com essa faixa etária no mundo, o Estudo Longitudinal sobre Idade (Elsa, na sigla em inglês), do University College of London, mostra que a incidência de depressão no grupo com menos recursos financeiros chega a 27%. Entre os mais ricos, o índice fica em 8%. O estudo acompanhou 9 mil pessoas por dez anos e comprovou a relação entre bem-estar e longevidade. Entre os que se diziam infelizes, a mortalidade foi o triplo da registrada no grupo que se declarava mais satisfeito com a vida.
Dinheiro ajuda, mas o rejuvenescimento dos cinquentões não depende de nível social. É uma mudança notável mesmo entre os mais pobres. “A informação está disponível para todos. É uma questão de escolha, não de classe”, diz Toniolo. Quem opta por uma vida saudável envelhece melhor. Não se trata de acompanhar níveis de triglicérides ou colesterol. “Viver bem tem a ver com cuidar da saúde do corpo, da mente e das relações.” A seguir, ÉPOCA mostra como a geração de novos cinquentões encara saúde, sexo, família, trabalho, dinheiro, cultura e consumo.
 
SAÚDE
Quem é mais novo, Pelé ou Maradona? Os dois nasceram no fim de outubro, com 20 anos de diferença. Pelé nasceu em 1940. Maradona, em 1960. Pelé é, portanto, bem mais velho que Maradona. Do ponto de vista da saúde funcional, porém, não. “Pelé tem o organismo de alguém de 50 anos”, diz Toniolo. “Maradona, de alguém com mais de 70 anos, debilitado.” Toniolo apresenta o caso dos dois ex-jogadores para seus alunos para mostrar como o estilo de vida altera a idade das pessoas.

A fórmula já conhecida, com alimentação saudável e exercícios físicos, continua a mais recomendada. O nível de atividade é mais importante que a idade na hora de determinar a boa forma física. Uma pesquisa da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, com 4 mil homens e mulheres, descobriu que alguém de 50 anos que se exercita regularmente pode estar mais em forma que um jovem de 20 anos sedentário.
Até aí, nenhuma surpresa. A melhor notícia vem agora: é possível recuperar o tempo perdido. O empresário Walmir Paulino, de 53 anos, resolveu dar prioridade à saúde quando se aproximou dos 50. Passou a se impor limites no trabalho. Ele entra no escritório todo dia às 6h30. Às 15 horas, segue para os treinos. Durante uma hora e meia, pratica jiu-jítsu e malha com um personal trainer. Todo dia. “Hoje, meu corpo está melhor do que quando era mais jovem”, diz. Alguns encaram novos prazeres. Guiomar Nogueira, uma empresária de 56 anos, aprendeu a esquiar aos 50. “Desde então, vou todo ano com meu namorado, Roberto (de 63 anos). Neste ano, já fomos duas vezes”, diz ela. “Nunca imaginei que faria isso em minha vida. De repente, viajo regularmente e esquio forte. Não vou para passear.”

Cuidar da cabeça é tão importante quanto cuidar do corpo. A pesquisa inglesa Elsa comprova a relação do baixo sentimento de bem-estar com diversos aspectos da saúde. Os pesquisadores criaram dois grupos, segundo a percepção de bem-estar que seus integrantes, com mais de 50 anos, tinham de sua própria vida. Os que relatavam menor satisfação com a vida sofreram 70% mais acidentes vasculares do que os que contavam maior prazer em viver. A obesidade em quem tem menor satisfação com a vida é de 27% entre os ingleses. Entre aqueles com maior satisfação, é de17%.

SEXO
A menopausa é um fenômeno recente. Há 100 anos, a maioria das mulheres morria antes dela. Durante a menopausa, a produção dos hormônios estrógeno e testosterona despenca. Isso prejudica a libido e a lubrificação da vagina, além da saúde dos músculos e ossos. A redução dos hormônios nos homens é mais suave, mas também ocorre. A diminuição do hormônio masculino (testosterona) gera o mesmo tipo de efeito, em menor intensidade. Doenças como hipertensão, diabetes e depressão, mais comuns a partir dos 40 anos, podem causar problemas de ereção.

O acesso à informação e os avanços da medicina podem atenuar a maioria dos sintomas causados pela idade. “Hoje, as pessoas sabem que precisam se cuidar, fazem exames periódicos e a reposição hormonal quando é o caso”, diz Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos de sexualidade da Universidade de São Paulo (USP). “Com esses cuidados, é possível ter uma vida sexual com mais qualidade do que quando mais jovem.”

Muitas vezes, a mudança no apetite ou no desempenho sexual tem origens psíquicas. Uma pesquisa do psiquiatra e urologista Michael Perelman, da Escola de Medicina de Weill Cornell, nos Estados Unidos, detectou que fatores como ansiedade, raiva, depressão, trauma de infância, medo do fracasso e perda de autoconfiança estão por trás de 35% dos casos de disfunção erétil.

Por isso, uma cabeça bem resolvida pode ajudar a vida sexual. Duas em cada três pessoas com idade entre 47 e 53 anos dizem que sua vida sexual melhorou com a idade, segundo um levantamento da agência de marketing Rino com 230 entrevistados. “Com a maturidade, a pessoa conhece seus limites e está mais em paz com eles”, diz Carmita. “Esse estado contribui para a melhora na qualidade do sexo.”

Quando acabam as variações e mudanças hormonais da menopausa, muitas mulheres testemunham um momento batizado pela antropóloga americana Margaret Mead como “entusiasmo da pós-menopausa”. “Sem a tensão pré-menstrual, as cólicas, a menstruação, as variações hormonais ou a preocupação com o planejamento familiar, as mulheres se tornam mais livres em termos sexuais”, diz Keren Smedley, autora do livro Who’s that sleeping in my bed? (Quem é esse dorminhoco na minha cama?). Isso pode dar segurança e até mesmo coragem de explorar fantasias. É uma boa oportunidade para os casais que estão juntos há muito tempo espantarem o tédio que costuma atingir a vida sexual. As pessoas estão namorando mais nessa faixa etária.

Nos EUA, o número de pessoas com mais de 55 anos que usam sites de relacionamento aumentou 39% nos últimos três anos, de acordo com a empresa Experian Hitwise. No Brasil, há sites do tipo dedicados a quem tem mais de 45 anos, como o Coroa Metade. Na A2, uma das maiores agências de encontros do Brasil, os homens tradicionalmente procuram mulheres de dez a 15 anos mais jovens. As mulheres preferem homens da mesma faixa etária, com situação financeira estável. A nova tendência é o interesse de homens mais novos por mulheres mais velhas. “A mulher é muito desejável e tem qualidades que as mais jovens não costumam ter. São compreensivas, acolhedoras e se entregam mais ao relacionamento”, diz Claudya Toledo, dona da agência. “Os homens mais jovens veem isso como uma vantagem.”

A psicóloga Cybele Sisternas Di Pietro, de 55 anos, foi casada duas vezes e está separada há quatro anos. Cybele faz aulas de dança, malha todos os dias, recebe massagem modeladora e diz ter feito plástica no rosto. “As pessoas me acham mais nova do que sou”, diz. “Acabo atraindo homens mais jovens.”
 
FAMÍLIA
A nova fase dos 50 anos ganhou um apelido. É a segunda adolescência. A falta de regras estabelecidas de conduta para cinquentões os leva a se entregar a uma reinvenção, como a ocorrida na transição da puberdade para a idade adulta. “O maior impacto é nas mulheres”, diz a escritora americana Suzanne Braun Levine, autora de A reivenção dos 50 e How we love now (Como amamos agora) “Aos 50, elas não sentem a pressão de corresponder a tantas expectativas da sociedade, como criar filhos pequenos e trabalhar ao mesmo tempo, ou ter o corpo perfeito e sexy.” Elas reajustam seu lugar no mundo de acordo com o que é importante para elas (e não para o marido ou os filhos), adaptam suas expectativas de vida à realidade e se sentem mais responsáveis pela própria felicidade.
A segunda adolescência feminina também intriga os médicos. A americana Louann Brizendine, especializada em neurobiologia, aborda no livro O cérebro feminino a influência dos hormônios na vida das mulheres. Para ela, as mudanças hormonais da menopausa reduzem os níveis de prazer ao cuidar dos outros por meio de tarefas cotidianas, como cozinhar ou lavar roupas. Isso leva muitas mães na menopausa a surpreender seus filhos adolescentes com um berro de “limpe sua própria bagunça”.

Em outros casos, a estrutura familiar é alterada de forma diferente: com a chegada de bebês. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, 47% dos pretendentes a adotar uma criança ou adolescente no Brasil têm entre 41 e 50 anos. A artista plástica Gilsia Dolfini Gonçalves, de 49 anos, e o marido, Ricardo Gonçalves, militar de 53, faziam parte dessa estatística até dois anos atrás, quando conseguiram adotar dois irmãos, de 8 e 11 anos. O casal já tinha dois filhos adultos, de 23 e 19. “As crianças me fazem ter mais energia, eu me sinto até mais jovem”, diz Gilsia.

O relacionamento entre os avós de 50 com seus netos também mudou. “Muitos não querem ficar em casa cuidando dos netos ou não podem fazê-lo porque ainda trabalham”, diz Karen Marcelja, mestre em gerontologia pela PUC-SP. “As pessoas preferem ver os netos no fim de semana, quando dá tempo.”

TRABALHO E DINHEIRO
As pessoas de 50 anos querem – e precisam – manter-se ocupadas e remuneradas. Com 30 anos a mais de vida pela frente, com disposição para curti-la (e gastar dinheiro com isso), deixar de trabalhar não é uma opção. Para muitos, essa ainda é a fase de alimentar as reservas. É natural que as despesas com saúde aumentem com o passar dos anos. Eles podem se aposentar aos 55 ou 60, mas isso não tem a ver com deixar de ser produtivos.
Houve um tempo em que o desemprego rondava quem passasse dos 50 anos. Esse cenário já mudou. O grupo dos 50 foi o único em que o índice de emprego aumentou significativamente, de acordo com o último levantamento do IBGE: de 16,7%, em 2003, para 22% em 2011. Isso corresponde a 22,5 milhões de pessoas. Nas outras faixas etárias, o índice manteve-se estável ou diminuiu. Esse também é o grupo que menos sofre com o desemprego. O ranking mais recente do IBGE mostra que é a faixa de idade com o menor percentual de desocupação. Apenas 2,1% dos trabalhadores dessa idade estão sem trabalho, em comparação aos 4,4% entre os que têm de 25 a 29 anos. O que está por trás disso? “Entenderam que essas pessoas estão no auge de sua vida em termos de competências técnicas, atitudes e inteligência emocional”, diz Betty Dabkiewicz, consultora da Sinergia Consultoria. A experiência profissional e a maturidade dos profissionais de 50 anos são especialmente valorizados para cargos de confiança. É a idade dos líderes. Entre os presidentes dos 50 países com maior PIB, 88% têm 50 ou mais. No Brasil, 80% dos presidentes das 50 maiores empresas têm no mínimo 50 anos.

Há carreiras em que os cinquentões ainda são vistos com preconceito. É o caso de tecnologia. “Alguns jovens dessa área se recusam a aceitar o sênior”, diz Leyla Nascimento, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, do Rio de Janeiro. “As mudanças nessa área são muito rápidas. Os jovens se sentem mais antenados.” Na área de engenharia, em contrapartida, o profissional experiente de 50 é valorizado e cobiçado. “Há tamanha escassez de mão de obra qualificada, que as empresas estão chamando seus aposentados a voltar a trabalhar como terceirizados ou funcionários”, diz.

Ter autonomia e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é uma das questões mais valorizadas pelos cinquentões. Em busca de mais liberdade, muitos se arriscam a empreender depois dos 50. De acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), produzida pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Pesquisa (IBQP), a taxa de empreendedores entre 55 e 64 anos cresceu 5,5% em 2011. O administrador de empresas Dilson Santos, de 49 anos, é um deles. Ele viveu uma rotina frenética de trabalho dos 25 até os 46. Era diretor-geral de uma multinacional e passava metade do ano viajando. “Perdi aniversários dos meus filhos. Não tinha tempo para nada e estava sempre cansado”, diz. A rotina estressante fez o casamento de 18 anos ir por água abaixo. “Resolvi mudar meu estilo de vida e abrir uma empresa de consultoria.” Hoje, Dilson consegue participar da vida dos filhos e se casou pela segunda vez. A saúde e o lazer se tornaram prioridades. Ele frequenta a academia três vezes por semana e tira férias três vezes ao ano. “Minha vida está muito melhor agora do que aos 30. Sei dar valor às pequenas coisas.”


CULTURA E CONSUMO
Em 2006, a agência de publicidade Talent batizou um estudo sobre os cinquentões com o nome “A idade do poder”. Quem está nessa faixa etária tem potencial enorme de consumo. “Essa virada da atitude dos mais velhos já ocorria na Europa e nos Estados Unidos há algum tempo, e agora podemos vê-la no Brasil”, afirma Paulo Stephan, diretor-geral de mídia da agência. No passado, quando o brasileiro chegava aos 50, entendia que a vida estava perto do fim e começava a se preparar para isso. “Mesmo com o crescimento da expectativa de vida, essa atitude psicológica demorou a mudar”, diz Marcos Bedendo, professor de marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “O marketing também pensava assim e acreditava que quem tivesse mais de 50 não queria mais investir em sua casa, numa viagem, num carro novo ou na própria aparência.”

Hoje, a situação é diferente. “Eles não se preocupam mais com a criação dos filhos e já têm uma infraestrutura construída, com casa própria, carro quitado e dinheiro para gastar com entretenimento, diversão e lazer”, afirma Marcos. As empresas dão atenção especial a identificar o perfil desse consumidor. Estima-se que, só nos EUA, os nascidos entre 1946 e 1964 gastem US$ 2 trilhões anuais. Estão entre os maiores compradores de artigos de alta qualidade. São o grupo que consome turismo e curte gastronomia. Um terço janta fora pelo menos uma vez por mês. De acordo com dados da Embratur, viajam mais do que pessoas de outras idades e em qualquer época do ano.

Os hábitos culturais dos cinquentões não têm mais a ver com idade. Quem curtia heavy metal aos 30 continua indo a shows aos 50. Eles se misturam com facilidade a gente de diferentes idades. Mas também não querem ser estereotipados como garotões, afirma Yara Rocha, gerente de planejamento da Talent. “Querem que a maturidade que construíram ao longo do tempo seja atribuída a eles, e não renegada”, afirma.

Na moda, essa mudança ocorreu de forma rápida. Há três décadas, era comum a segmentação de estilos por idade. Isso praticamente não existe mais. Homens gostam de usar camisetas e tênis, mesmo aos 70 ou 80 anos. “As roupas eram delimitadoras. Restringiam as mulheres menos jovens a um guarda-roupa sóbrio e austero”, afirma Maria Eduarda Di Pietro Quero, da grife de roupas femininas Folic. “Hoje temos peças decotadas e coloridas para mulheres de todas as idades. O que importa é quanto a pessoa se sente bem dentro dela.”

O que mudou nos 50 (Foto: Fonte: Pesquisa Target Group Index, Ibope Media. Comparativo entre as edições de 2003 e 2012)

Revista Época

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Te Contei, não ? - Senhores dos Terreiros

01.jpgO papel de protagonista do candomblé, religião que desembarcou no Brasil – na baiana Salvador, mais especificamente – nos séculos XVIII e XIX, sempre coube à mulher. Por ser cultivada em espaços domésticos, essa crença se tornou um ofício feminino por uma razão, entre outras, muito simples: como permaneciam em casa enquanto os homens iam buscar fora dela o sustento da família, elas tinham mais condições de estabelecer contato com as divindades. Como sacerdotisas, as mulheres davam as cartas nos terreiros. Esse reinado, porém, tem passado para as mãos masculinas de forma cada vez mais acelerada. O fenômeno é nacional e, a continuar nesse ritmo, em alguns anos, eles serão os donos do axé até na Bahia, Estado que projetou para todo o País a imagem das mães de santo.
Na capital da Paraíba, por exemplo, um mapeamento dos terreiros realizado pela organização não governamental Casa de Cultura Ilê d’Osoguiã revelou que 54% das 111 casas cadastradas na cidade são dirigidas por pais e não mães de santo.
“Em dez anos, se nada for modificado, só teremos pais de santo em João Pessoa”, afirma Renato Bonfim, o fundador da ONG. Ele chegou a essa conclusão ao analisar os dados sobre a faixa etária dos pesquisados, a pouca iniciação de mulheres na religião e a expectativa de vida do brasileiro. Em outras capitais do País, como Belo Horizonte, Belém e Recife, a realidade é semelhante (leia quadro na pág. 68). Em tese de doutorado defendida no mês passado na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Nilza Menezes, historiadora especializada em ciências da religião, verificou que em Porto Velho, capital de Rondônia, os homens dirigem mais da metade dos templos – e aqueles de maior importância – de matriz africana. Em quatro anos de pesquisa, ela levantou que 54 dos 106 terreiros existentes na cidade são liderados por pais de santo.

As mulheres, segundo os estudos da pesquisadora, trabalhavam arduamente em atividades tipicamente domésticas e femininas como limpar, cozinhar, lavar, organizar, preparar banhos de ervas, enfim, obrigações do espaço privado. E, depois de longas horas de tarefas braçais, ficavam cansadas e perdiam o interesse por atividades públicas, como jogar búzios e atender pessoas. Esse comportamento, no decorrer do tempo, as afastou de cargos de liderança e as relegou a papéis secundários, resultando em uma espécie de anonimato. “Elas vêm perdendo o espaço público de poder, uma função que as projetavam socialmente”, diz Nilza, a autora da tese. “As obrigações nas denominações de matriz africana são trabalhosas, o que representa um complicador para a mulher moderna que cuida da casa, estuda e trabalha.”
No catolicismo e entre os evangélicos as mulheres são até hoje subalternas na hierarquia religiosa. A inserção delas em posições de liderança, porém, é reivindicação antiga de uma parcela dos fiéis e tema que nunca saiu de pauta. Já entre as religiões de matriz africana, a conformidade das protagonistas de outrora desponta como um fato preocupante, na opinião dos especialistas. Há várias explicações. “Os homens estão mais dedicados do que elas”, afirma Sivanilton Encarnação da Mata, o Babá Pecê, 48 anos, que há mais de 20 responde pela Casa de Oxumaré, um dos templos de candomblé mais antigos de Salvador. Este ano, esse babalorixá só conseguiu iniciar filho de santo do sexo masculino. “Ter mais homens absorvendo o culto dos orixás explica o fato de crescer o número de sacerdotes nos terreiros”, opina o sacerdote.
Babá Pecê é também fruto dessa realidade. Ele ascendeu à liderança da Casa de Oxumaré, que é tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), após três sacerdotisas terem ditado o axé no local (ler à página 67) desde 1927. Por outro lado, pontua a historiadora Nilza, as mulheres ainda somam a maior parte dos fiéis das religiões afro-brasileiras e são elas que conferem às casas a imagem das “baianas” que remetem às tradições. Mas, mesmo na Bahia, as mulheres estão em xeque. “Acredito que 70% dos espaços de terreiros baianos sejam dirigidos por homens”, diz o antropólogo Júlio Braga, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), que prepara o lançamento do livro “Candomblé – A Cidade das Mulheres, e dos Homens”.
Mães de santo como Stella de Oxossi e Carmem do Gantois, ambas de Salvador, ainda são mais representativas e têm maior visibilidade política do que seus pares do sexo oposto. No entanto, quanto mais afastado da capital for o terreiro, maior será o número de homens no topo da hierarquia, segundo Braga. Babalorixá do Ilê Axé Oyá, ele diz que a mídia e os antropólogos têm sido responsáveis pela maior visibilidade das mulheres na religião em detrimento dos homens. “Qualquer coisa que se faça na Bahia sobre candomblé são as mães de santo as requisitadas”, afirma. Mas a crescente força masculina nos terreiros é inegável. O candomblecista Bonfim, da Casa de Cultura de João Pessoa, que é axogun da casa de Mãe Tucá, aponta para o fato de os homossexuais estarem ocupando, inclusive, o espaço das mulheres nos rituais das religiões afro-brasileiras. “Eles usam paramentos femininos próprios para a proteção dos seios, por exemplo, algo que não deveria ser feito”, diz ele.

Babá Pecê, da Casa de Oxumaré, tem encontrado resistência das mulheres toda vez que procura fazer com que homens dancem em cerimônias públicas – um ritual que historicamente é próprio delas. “Estou tentando mudar isso aos poucos”, afirma. Outras transformações, porém, já aconteceram. “Por exemplo, hoje aqui na Bahia, homens vendem acarajé como parte do trabalho do terreiro. Antigamente, apenas a mulher fazia isso”, relata. Criado numa família de baianas do acarajé, Edvaldo da Silva, 29 anos, assumiu o lugar da mãe e da irmã na venda da iguaria. Há um ano e meio, é ele quem comercializa a comida típica na porta da Casa de Oxumaré. “A gente tem de invadir o espaço da culinária, já que elas estão cada vez mais presentes na política do País”, diverte-se Silva. Brincadeiras à parte, é preciso evitar que a ascensão masculina relegue a mulher a postos subalternos nos terreiros, o que pode distanciá-las de vez do exercício do poder religioso e deixar apenas na lembrança a imagem de autoridade das mães de santo.

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Revista Isto É

domingo, 11 de novembro de 2012

Te contei, não ? - Sou gay, e daí ?

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Considerado um esporte violento, que exige muita habilidade e resistência física de seus praticantes, o boxe sempre foi uma modalidade caracterizada pela masculinidade. Nesse ambiente carregado de testosterona e hostil a demonstrações de fraqueza, é preciso ter coragem para assumir uma posição dissonante, como fez o porto-riquenho Orlando Cruz. Aos 31 anos, o boxeador, quarto melhor do mundo na sua categoria, a peso-pena, acaba de assumir que é homossexual. Em um comunicado, Cruz disse: “Eu luto há 24 anos, e enquanto sigo em minha carreira ascendente, quero ser honesto comigo mesmo. Eu tenho e sempre terei orgulho de ser de Porto Rico. E eu tenho e sempre terei orgulho de ser gay.” Com essa atitude, Cruz se tornou o primeiro boxeador da história a revelar publicamente sua homossexualidade. Antes dele, apenas o americano Emile Griffith, de 74 anos, que lutou nas décadas de 50 e 60, tinha assumido ser bissexual – mas quando já havia abandonado os ringues.

A notícia de que Cruz havia saído do armário logo se espalhou para além do meio esportivo. Dois dias depois de ter manifestado publicamente sua orientação sexual, o boxeador ganhou o apoio do cantor Ricky Martin, também porto-riquenho, que em 2010 assumiu ser gay. Isso não evitou, no entanto, críticas de fãs do esporte. No Twitter, um americano comentou que Cruz “estragou toda a sua carreira” com essa revelação, e que, a partir de agora, ele seria “o boxeador mais evitado de todos”. Comentário que, felizmente, não reflete a opinião de todos os admiradores do boxe, já que o lutador disse ter recebido os parabéns de outros pugilistas e do público em geral. “Foi um ato de bravura”, diz a professora Heloísa Reis, especialista em sociologia do esporte e pesquisadora do centro de estudos avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Especialmente por se tratar de um atleta de uma modalidade tão viril quanto o boxe.”

Segundo Heloísa, culturalmente o meio esportivo é visto como um reduto masculino, e o preconceito contra homossexuais no esporte provém dessa ideia centenária. “A situação fica ainda mais complicada em países menos desenvolvidos do ponto de vista dos direitos individuais, como o Brasil”, diz. “Aqui já é complicado discutir sexualidade no ambiente acadêmico e pior ainda no esportivo.” Cruz, que vive nos Estados Unidos, agora se prepara para sua próxima luta, em 19 de outubro, na Flórida, contra o mexicano Jorge Pazos. 

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Fotos: Dennis M. Rivera Pichardo/AP Photo ;
Stu Forster e Harry Engels/Getty Images


Revista Isto  É

Te Contei, não ? - De portas fechadas para o público

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Ela deve constar em todo bom guia turístico de Salvador. Erguida em 1737 em estilo barroco, a Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, localizada no centro histórico da capital baiana, ostenta, entre outras preciosidades, um forro pintado em perspectiva ilusionista. Seu valor histórico foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já em 1938. Mas quem se arrisca a subir os 55 degraus que levam à porta da edificação sem antes consultar algum morador pode se frustrar. O templo, que há meio século serviu de locação para o filme “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, única produção nacional a conquistar a Palma de Ouro, em Cannes, não pode ser frequentado pelo público há mais de uma década. Transformou-se em cenário de uma triste história que se repete em várias cidades do País, em que igrejas históricas estão de portas fechadas há anos para missas, casamentos, batizados ou simples visitação.

A Igreja do Passo interrompeu suas atividades religiosas após o desabamento parcial do altar-mor do século XVIII ao final de uma celebração – a Arquidiocese de Salvador não soube precisar a data do fechamento. “Ela fechou em 1998”, afirma José Dirson Argolo, professor de restauro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Quatro anos mais tarde, segundo Argolo, a diocese cedeu o templo em comodato à Associação dos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta, que passou a discutir o restauro da estrutura e dos bens artísticos do local. Em 2003, um projeto de restauração orçado em R$ 4 milhões chegou a ser aprovado pelo Ministério da Cultura, mas foi arquivado por falta de recursos. O tempo foi passando, a deterioração do templo se agravou e, no ano passado, a Mitra soteropolitana pôs fim ao comodato. “Hoje, a igreja apresenta sério comprometimento elétrico, do telhado, e de parte do assoalho, o que impede a sua abertura”, afirma o padre Jair Arlego, ecônomo da diocese.

Há 15 dias, um novo projeto de restauro da Igreja do Passo foi entregue ao Iphan. A ação de cupins e a umidade deterioraram ainda mais os forros, altares, pinturas e azulejarias. Custo atual da obra: R$ 10 milhões. Para evitar esse abandono, especialistas afirmam que é necessária uma política de preservação, praticada pelo poder público e pela Igreja Católica. “A troca de uma telha de barro quebrada, às vezes, evita o restauro de uma igreja”, diz Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador das promotorias de Justiça de defesa do patrimônio cultural e turístico de Minas Gerais. Infelizmente, as ações no Brasil são, na maioria das vezes, reativas. Em Minas Gerais, há entre 100 e 150 igrejas que sofreram algum tipo de intervenção do Ministério Público por mau estado de conservação. Para reverter essa situação de completo abandono de uma delas, a Nossa Senhora do Rosário, em Januária, a promotoria de defesa do patrimônio mineira passou nove anos costurando um acordo entre o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e a arquidiocese local, o que só ocorreu em junho passado.

Segunda igreja mais antiga de Minas, datada de 1688, a Nossa Senhora do Rosário está fechada há pelo menos 18 anos. Seu abandono também pode ser explicado por sua localização. O templo está situado em uma região praticamente deserta, tomada por chácaras e, com o passar dos anos, as pessoas se mudaram da região. “Então, não é que a Igreja Católica abandou a Nossa Senhora do Rosário. Não tinha gente morando ali, existia só o templo, e os padres alemães que cuidavam dela saíram de lá”, afirma o bispo local, dom José Moreira da Silva. Até o final do ano, o Iepha deverá elaborar um projeto de restauro para o templo e, em 2013, os envolvidos no projeto voltam a sentar para discutir a execução das obras.

Responsável pela Basílica Nossa Senhora da Penha, no Recife, que corria risco de desmoronar caso não fosse interditada pela Defesa Civil em 2007, frei Luís de França Fernandes reconhece a culpa de sua instituição. “Nós, sacerdotes, não temos consciência de preservação patrimonial”, afirma. Erguida por frades capuchinhos franceses em 1882 e única no Recife em estilo coríntio, a basílica encontra-se em fase de restauração. A primeira etapa das obras se encerrou neste mês e custou R$ 4,7 milhões. Mais R$ 3,2 milhões serão gastos com a segunda fase, que deverá durar mais dois meses. No total, a igreja deverá permanecer fechada por oito anos. O empenho no processo para reabrir as portas fez o administrador do templo contratar um especialista em restauro, uma iniciativa rara entre seus pares. “Ele se tornou funcionário permanente da igreja e será responsável por realizar manutenções e intervenções periódicas nela”, diz frei Fernandes.

Na mineira Ouro Preto, as obras na igreja São José dos Pardos, fechada há cerca de 20 anos, só começaram há dois anos. Ali, um projeto de restauração que levou cinco anos para ser aprovado e uma tentativa frustrada de patrocínio junto ao Ministério do Turismo acabaram privando fiéis e turistas de desfrutar do templo. “Faltou, por longos anos, vontade política e da diocese para cuidar desse patrimônio”, afirma Gabriel Gobbi, secretário de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto. A São José dos Pardos é de 1730. Nela está hospedado o altar-mor considerado o primeiro trabalho documentado de Aleijadinho. Com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), R$ 1,2 milhão está sendo investido na restauração. Telhado, piso, sistema de som e incêndio, rede elétrica e bens artísticos já estão prontos e restam, ainda, trabalhos de pintura, a reurbanização do entorno e reparos na sacristia. Acredita-se que até o fim do ano a rotina de celebrações retorne ao local. Nas proximidades, a Igreja de Santa Efigênia – a religiosa é tida como padroeira, protetora e guardiã dos lares – também se encontra fechada há cinco anos. Historiador e diretor do Museu de Arte Sacra da cidade, que supervisiona as obras de restauração, Carlos José Aparecido de Oliveira convive com comentários constrangedores de devotos da santa descontentes com a situação do templo. “Eles dizem: ‘Engraçado, a gente reza tanto para Santa Efigênia para ela cuidar da nossa casa, só que a própria casa dela está fechada. Como pode?’”, diz ele. Situação que nem a fé explica.  

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Fotos: Neno Vianna/Barrocopress; www.TipsImages.it
Fotos: Cristiano Couto/Hoje em Dia/Folhapress; divulgação

sábado, 3 de novembro de 2012

Te Contei, não ? - Os Santos Sábios

Ser um doutor da Igreja Católica Apostólica Romana não é para qualquer um. Em quase dois mil anos de história, a instituição deu o título a apenas 33 de seus mais de sete mil santos. Pudera, são doutores da Igreja apenas os santos que deixaram documentos que sobreviveram ao tempo e que, de alguma forma, sintetizam a doutrina católica a ponto de servirem de exemplo como vida religiosa. Nesse sentido, não surpreende também que sejam poucas as mulheres entre os doutores. Privadas de educação por milênios, nunca foi fácil para elas deixarem seu legado por escrito. Assim, hoje apenas três figuram entre os 33 doutores da igreja: Santa Teresa D’Ávila, Santa Catarina de Siena e Santa Teresa de Lisieux (leia quadro). Em breve, porém, mais uma entrará nessa seleta lista. O papa Bento XVI deve anunciar formalmente, em 7 de outubro, a alemã Santa Hildegarda de Bingen como nova doutora da Igreja Católica. “É um momento novo para a Igreja, que tenta espelhar o protagonismo que as mulheres já têm na sociedade dentro da instituição”, afirma Fernando Altemeyer, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Nesse contexto, a escolha de Santa Hildegarda como doutora é mais do que oportuna. Monja beneditina nascida em 1098 onde hoje é a Alemanha, ela é tida por alguns como representante do feminismo católico do começo do primeiro milênio. Se publicamente, como religiosa, se mostrava submissa aos seus superiores homens, no dia a dia, como administradora do mosteiro Disibodenberg, exercia autonomia consideravelmente maior do que a média, dando liberdade às monjas, compondo músicas, estudando ciências naturais e escrevendo. Entre os trabalhos que deixou, há um livro sobre medicina herbal que trata de questões femininas como cólicas menstruais, além de outros textos sobre misticismo católico e estudo da música. “Mulheres assim passaram a ser reconhecidas pela Igreja a partir do Concílio Vaticano II”, explica o padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP. Segundo ele, o Concílio, reunião de bispos e cardeais que completa 50 anos agora em 2012, arejou a Igreja, abrindo novos horizontes para a instituição e novas portas para as mulheres.

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ALTAR
Santa Hildegarda (1098-1179) (abaixo) deixou a música e a medicina como legado; enquanto o
jesuíta São João de Ávila (1500-1569) (acima) buscou a perfeição na sublimação das paixões humanas

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Mas, como a Igreja Católica costuma fincar as pilastras na tradição, abrindo poucas frestas para a modernidade, no mesmo dia em que Santa Hildegarda será doutorada, outro homem, o 31o, também ascenderá ao panteão de luminares da Igreja. É o espanhol São João de Ávila, nascido em 1500 numa família abastada da cidade de Almodóvar del Campo. Ainda jovem, São João seguiu o rumo da fé e, logo que seus pais morreram, ele doou tudo o que a família tinha aos pobres e saiu em missão para expandir a fé na região da Andaluzia, recém-libertada do domínio mouro. Foi fundamental na expansão da ordem dos jesuítas na Espanha e deixou cartas e livros que apresentam o caminho para a sublimação das paixões humanas. “Antes de tudo, os doutores são agentes de estímulo da doutrina vigente e de renovação da tradição”, afirma a irmã Célia Cadorin, autoridade no assunto. São ao mesmo tempo santos e sábios.

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Revista Isto é

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Você já está sabendo - Harry Potter inspira poção mágica de incentivo à leitura


Grupo visa realizar a leitura de livros do bruxinho Harry Potter em orfanatos
Foto: Leo Martins

No dia 29 de setembro, a escritora carioca Renata Ventura, de 27 anos, criou um grupo no Facebook com a ideia de reunir pessoas interessadas em levar um pouco de alegria para crianças carentes. A proposta era simples: ler trechos de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” para órfãos em casas de acolhimento com encenações e doações de livros ao fim de cada apresentação. E não demorou para aparecer interessados em participar. Foram três mil adesões só no primeiro fim de semana. Com menos de um mês de vida, o projeto Potter em Orfanatos já conta com 4.854 integrantes e grupos distribuídos por todo Brasil.
Os voluntários já trabalham com a arrecadação de livros a serem doados para as instituições visitadas e organizam encontros de planejamento de visitas. Alguns estados encontram-se mais adiantados do que outros. Em Terezina, no Piauí, já foi feita uma primeira visita à casa de acolhimento Lar das Crianças, que deixou 78 meninos e meninas encantados com a apresentação e à espera de outros encontros tão mágicos quanto o primeiro.
Segundo a assistente social Luciana Abreu, de 37 anos, a visita ocorreu em um momento muito oportuno. Na ocasião, o Lar das Crianças terminava de receber 16 menores encaminhados pela Justiça que eram mantidos em um espaço conhecido como A Arca, onde um falso profeta chamado Luís Pereira reuniu aproximadamente 120 pessoas para aguardar o fim do mundo. Pereira chegou a ser preso e indiciado por estelionato.
— As crianças chegaram aqui muito abatidas e o encontro com o grupo de leitura serviu para levantar o ânimo de todos. Eles adoraram a visita e já esperam ansiosos pela próxima — contou a assistente social.
O grupo do Rio de Janeiro, que já conta com 982 participantes, se encontrará neste domingo pela primeira vez. Os organizadores esperam que ao menos 150 pessoas participem da reunião na Quinta da Boa Vista para planejar as primeiras visitas a serem realizadas na capital carioca. A expectativa dos participantes não poderia ser maior.
— Queremos levar um pouco da magia da literatura para essas crianças, mostrar a elas que ler é legal e incentivá-las a adquirir esse hábito. Para isso, deixaremos exemplares do livro apresentado para que elas possam continuar a leitura de onde paramos — detalhou Renata, idealizadora do projeto.
A escolha da escritora por usar as histórias do bruxinho inglês para entreter as crianças também teve seus motivos. Além da autora ser fã confessa do personagem criado por J. K. Rowling, ela ressalta que Harry perdeu os pais ainda bebê, foi criado por tios que não gostavam dele e precisou se virar sozinho enquanto crescia, situação com a qual os órfãos a quem o projeto se dedica podem se identificar facilmente.
— Queremos mostrar a essas crianças que mesmo no ambiente pesado de um orfanato pode-se encontrar alegria — opinou o estudante Jonas Ribeiro, 21 anos, que se disfarça de Harry Potter pela semelhança física que apresenta com o personagem.
A assistente social Cristiane Salles, de 26 anos, a leitura pode ajudar crianças carentes a melhorarem a autoestima, que costuma ser baixa em casos de menores abandonados. Além disso, ela defende a importância que o hábito da leitura pode ter para os meninos e meninas atendidos pelo projeto na medida em que dá início a uma educação intelectual capaz de transformar os leitores em seres críticos e pensantes, donos de uma visão de mundo própria.
— Quando você se dispõe a dar atenção a crianças em situação de abandono isso representa um diferencial muito grande na vida delas, que podem até criar laços afetivos com os visitantes — argumenta Cristiane.
Interessados em participar das visitas ou em doar livros infanto-juvenis podem entrar em contato com os integrantes do projeto na página do grupo Potter em Orfanatos no Facebook

Te Contei, não ? - Recomeçar depois da prisão

ISTOÉ levantou como vivem os assassinos condenados por quatro crimes que chocaram o País. Eles quitaram suas dívidas com a Justiça, mas não gostam de falar do passado. Hoje, tentam levar a rotina da forma mais discreta possível

Michel Alecrim, Wilson Aquino e Josie Jeronimo

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Ela deixou de ser Paula Thomaz e virou Paula Nogueira Peixoto, 39 anos. É casada com o advogado Sérgio Ricardo Rodrigues Peixoto, com quem tem dois filhos, e que é pai adotivo do primogênito dela com o ex-marido Guilherme de Pádua Thomaz. O cabelo está mais claro, com mechas louras, e a silhueta mais fina, definida. O olhar é de medo. Ao ver a reportagem de ISTOÉ na rua onde mora, na divisa de Copacabana e Ipanema, dois dos mais famosos bairros do Rio de Janeiro, Paula pegou o braço do pai, Paulo de Almeida, e ambos atravessaram a rua e entraram no primeiro ônibus que passou. Ela percebeu que estava sendo observada e, mesmo sem saber por quem, repetiu o que virou hábito: fugir de olhares de pessoas que possam se lembrar de seu passado criminoso. Em dezembro completam-se 20 anos que Paula e Pádua assassinaram com 18 tesouradas a atriz Daniella Perez, então com 22 anos, crime que chocou o País.
Duas décadas depois, Paula agora mora em um apartamento de 180 metros quadrados, com quatro quartos e uma suíte, localizado a duas quadras da praia de Copacabana e a quatro quarteirões da praia de Ipanema. Frequenta o sofisticado shopping Cassino Atlântico, em Copacabana.
Lá fica o salão Copacabana Coiffeur, onde ela corta o cabelo (R$ 130) e faz as unhas (R$ 51). Para cuidar dos dois filhos menores ela conta com a ajuda de uma babá. O mais velho estuda em faculdade particular. Ela costuma levar os três às respectivas instituições de ensino em seu carro novo, um Dobló, com filtro escuro nos vidros.

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FIEL
Guilherme de Pádua tornou-se evangélico, vive em Minas
Gerais e não tem contato com o filho que teve com Paula


O medo de ser reconhecida faz sentido. “Uma vez, ela estava na areia da praia com o pai e as pessoas que estavam perto juntaram seus pertences e se afastaram, ficou um clima esquisito”, disse à ISTOÉ uma ambulante de Copacabana. Nos fins de semana, costuma ser vista num parquinho perto de seu apartamento em companhia do filho mais novo. “Eu conheci a Paula aqui nesse parque quando ela era uma criança. Também fiquei chocado quando li nos jornais sobre o crime. Ela só tocou no assunto uma vez comigo, logo depois que saiu da prisão. Disse apenas que já estava tudo resolvido com a Justiça”, contou um frequentador do parque. Ninguém sabe de um trabalho fixo de Paula, que chegou a ingressar, em 2000, no curso de direito da Faculdade Candido Mendes, em Ipanema. Mas, hostilizada pelos colegas, trancou a matrícula após um ano de estudos. A vida confortável não resolve todos os problemas. Uma das festinhas de aniversário de um filho, por exemplo, ficou praticamente vazia e, segundo a mãe de um coleguinha, até os garçons que a reconheceram se recusaram a servi-la. “Meu neto tem a mesma idade do filho dela de 9 anos e, pelo que sei, nenhum deles sofre bullying, o que seria um absurdo, já que as crianças não têm culpa de nada”, afirmou uma senhora.
No ano passado, Paula pediu e obteve sua insolvência civil e escapou, assim, de pagar uma indenização estimada em R$ 1,4 milhão a título de danos morais a Glória Perez e Raul Gazolla, que era marido de Daniella. Ela assinou uma declaração de pobreza e pediu a concessão de benefício da gratuidade da Justiça, designado a quem realmente não tem nada — mais um paradoxo. Paula sempre negou o crime, embora Pádua tenha afirmado que fora ela a autora dos golpes mortais contra Daniella. Ao sair da cadeia, ele tornou-se evangélico e casou-se novamente com uma mulher que também se chama Paula, com sobrenome Maia, de 28 anos. Prestes a completar 43 anos, Pádua é obreiro da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, em Minas Gerais, onde mora. Também trabalha na área de tecnologia da informação da Igreja e em projetos de proteção a animais com a atual mulher. Não teve mais filhos e também não tem contato com o filho que teve com Paula, que nasceu na prisão. Procurado por ISTOÉ, não quis dar entrevista. Mas em junho falou com o jornal “Correio da Cidade”, da mineira Lafaiete, sobre o que considera sua missão. “Vim mostrar para as pessoas como um cara tão desviado e tendente às coisas vazias tornou-se tão apaixonado por Jesus Cristo”, disse. Também falou da rejeição social: “Cheguei a levar cuspida na cara.” E afirmou que “sempre ora pela vida de Glória Perez .”

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Corrupção e assassinato da mulher

A religião, o bloqueio dos bens e os 20 anos que o separam da vida que levava antes de ser flagrado como integrante da Máfia dos Anões do Orçamento e condenado pelo assassinato da mulher (leia quadro ao lado) o transformaram. José Carlos Alves dos Santos, economista aposentado do Senado, garante ser um novo homem. Alheio a questões religiosas até amargar quatro anos de cadeia, Santos conta que encontrou a fé e dá seu testemunho em igrejas. Apresenta-se como exemplo de conversão. “Nunca tinha colocado a mão na ‘Bíblia’”, afirma. O pastor Adail Sandoval, que visitou Santos na cadeia pouco depois de ele tentar suicídio, porém, não tem notícia do economista nas igrejas presbiterianas há cinco anos. Na Comunidade Carisma do Guará, congregação frequentada por ele antes de sair da condicional, os pastores informam que há muito ele não aparece. Santos diz que mudou de igreja, agora é fiel da Batista.
Não é a única mudança. Quando foi preso, ele era um homem poderoso, de hábitos caros e dono de 12 imóveis nas áreas mais valorizadas de Brasília. Com o patrimônio bloqueado por outros processos que correm na Justiça, agora o economista ganha dinheiro como corretor de imóveis e divulga seu celular em classificados de jornal, intermediando aluguel de salas baratas. Conseguiu o emprego com ajuda de seu ex-advogado Adahil Pereira, proprietário da imobiliária. A renda de corretor se soma à aposentadoria de R$ 5 mil que conseguiu do Senado, depois de um processo para validar o benefício que passou até pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, ele vive em uma confortável casa no Lago Norte, área nobre da capital. É o mesmo bairro de sua antiga residência, quartel-general das negociatas da Máfia dos Anões, mas não está registrado em seu nome. Lá, ele vive com a mulher, Crislene Oliveira. Na época do escândalo, investigadores cogitaram que Santos teria matado a mulher para ficar com Crislene, com quem mantinha relacionamento extraconjugal. Mesmo durante a temporada na prisão, ela se manteve ao lado do economista. No papel de advogada, representa o marido em processos de execução fiscal que ainda tramitam na Justiça.

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COTIDIANO
José Carlos Alves dos Santos é corretor de imóveis em
áreas pouco nobres de Brasília, mas mora numa mansão

A relação com os três filhos – dois deles eram menores à época do assassinato da mãe – é distante, segundo a empregada da casa de um dos herdeiros de Santos. O economista não gosta de tocar no assunto. À ISTOÉ, ele afirma que sua versão nunca foi ouvida e que suas palavras são sempre “distorcidas”. Por isso, insiste em se refugiar no silêncio. “Sofri muito na mão da imprensa, eu não quero mais entrar nesse assunto, pois aparecer prejudica meus filhos, minha família”, diz. “Foi uma promessa que eu fiz a mim mesmo, de nunca mais falar nisso.”

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Índio queimado vivo

Hoje eles são homens de 35 anos, alguns são casados e têm filhos e usam terno e gravata ou jaleco para trabalhar em Brasília. Em nada lembram os jovens que atearam fogo e mataram o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos há 15 anos (leia ao lado). Presos em 1997, cumpriram seis anos de pena em regime fechado. Assim que passaram ao semiaberto, investiram em cursos superiores e de pós-graduação. ISTOÉ entrou em contato com quatro dos cinco responsáveis pela morte de Galdino – um deles era menor de idade na época e não chegou a ser condenado. Deles, o único que aceitou falar sobre o assunto foi Eron Chaves. Depois de tentar a sorte com uma pizzaria, ele resolveu se especializar em direito trabalhista. Chaves diz que, apesar de ter quitado o que chama de dívida jurídica com a sociedade, nunca poderá apagar o mal que causou. “Não posso dizer que tenho a consciência limpa, mas sou tranquilo, porque consegui pagar todas as penas. E não tem mais nada que eu possa fazer para ressarcir o prejuízo que causei. Aceitei tudo que me foi imposto porque sei que errei.”
Segundo Chaves, 13 anos se passaram até que a família de Galdino aceitasse fechar um acordo de pagamento de indenização. Isso ocorreu há dois anos. Ele conta que, durante o curso de direito, teve de assistir, em sala de aula, professores usando o processo pelo qual foi condenado como estudo de caso, atraindo os olhares dos colegas. Na época, cumpria pena em regime semiaberto. Max Rogério Alves, enteado de um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também se tornou um advogado e tem um escritório na cidade. No currículo, apresenta-se como ex-estagiário da Procuradoria-Geral e ex-consultor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Casado com uma empresária, tem um filho de 10 meses.

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HOJE
Antônio Novély trabalha na UTI de um
hospital da periferia de Brasília


Antônio Novély, filho de um juiz federal e apontado como o primeiro a atear fogo em Galdino, agora vê de perto o sofrimento de pacientes na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional de Santa Maria, periferia de Brasília. Novély é fisioterapeuta e ganha R$ 3,5 mil como servidor concursado da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Recém-casado, ele aumenta a renda familiar trabalhando numa clínica de Pilates. Tomas Oliveira também recorreu aos concursos públicos. Foi nomeado para cargo na área administrativa dos Correios e, para evitar a exposição de seu endereço, destina suas correspondências para um número de caixa postal. Gutemberg Almeida Júnior, que era menor na época e escapou da condenação pela morte de Galdino, fecha a lista dos assassinos que trabalham em órgãos públicos. Ele é funcionário terceirizado do Senado e presta serviço de manutenção de equipamentos eletrônicos.

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Jogada do sétimo andar

Na praia de Copacabana, o professor de educação física Ricardo Sampaio, 49 anos, exibe um corpo bronzeado e musculoso. Ele é querido pelos alunos – crianças, adultos e idosos que praticam atividades em camas elásticas e outros equipamentos, numa área de cerca de 100 metros quadrados delimitada por cones. Mas o professor Sampaio tem um segredo. Ele também é o ex-modelo Ricardo Peixoto, condenado por ter matado e ocultado o corpo da estudante Mônica Granuzzo, 14 anos (leia quadro abaixo), morta após ser jogada ou cair do sétimo andar por tentar fugir de seu algoz. Logo que deixou a cadeia, em 1994, Sampaio cursou a faculdade de educação física da Universidade Estácio de Sá e, há cerca de dois anos, montou a academia Beach Performance, na praia. Ao saber que a reportagem de ISTOÉ pretendia falar sobre essa parte de seu passado, implorou para não ser mencionado: “Deixa eu caminhar com a minha vida, pelo amor de Deus. Não vai ficar mexendo no passado, deixa o passado quieto. Estou trabalhando, me formei, deixa a minha vida em paz.”
O trabalho na praia vai de segunda à sexta-feira, das 7h ao meio-dia, “chova ou faça sol”, como costuma dizer. “Acordo todo dia às 5h. Minha vida é difícil”, disse. Sampaio não se casou e nem teve filhos. Mora com a mãe, em Copacabana, e chegou a dizer que se considera exemplar. “Com certeza, sou um exemplo. De 100% das pessoas que cumprem pena, 99% voltam para o crime. Estou dentro desse 1%.” Ele se recusa a falar sobre o episódio. “Eu não quero conversar. Não destrói o pouquinho que eu estou fazendo para ajudar minha família e a mim mesmo”, desabafou, chorando.

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VIDA NOVA
Ricardo Peixoto tem uma academia na praia no Rio

Outra atividade é a manutenção do site sobre sua academia. Na internet, ele exibe vídeos nos quais explica o funcionamento da sua academia ao ar livre. Em nenhuma de suas propagandas faz menção ao nome Ricardo Peixoto porque seu maior receio é de que as pessoas – especialmente os alunos da praia – associem a figura do professor Ricardo Sampaio ao assassino da adolescente Mônica Granuzzo. “Muita gente não me conhece”, repetia. A razão de tanta insistência é que ele é um dos poucos ex-detentos famosos que conseguiram até agora permanecer quase anônimo. Mas há quem o reconheça. “Ver esse homem na praia, como se nunca tivesse acontecido nada, me revolta”, diz o advogado Alexandre Moreira, morador de Copacabana, que tinha uma filha da idade de Mônica, na época do crime. “É muita cara de pau.”

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Fotos: Camila Viana/Jornal Correio da Cidade; Ag. O Globo; JORGE WILLIAM; Edivaldo Ferreira/Ag. O Globo; Lula Marques/Folhapress; ERALDO PERES/PHOTO AGENCIA/FUTURA PRESS; Reprodução/MB/Futura Press; Antônio Nery/Ag. O Globo

Revista Isto É

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Crônica do Dia - Drogas: o que fazer? - Frei Betto

 

 
 
 
 
O tráfico de drogas no mundo movimenta, por ano, US$ 400 bilhões. Os dados são do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. O consumo de drogas mata, a cada ano, 200 mil pessoas.
O Brasil é, hoje, o segundo maior consumidor de cocaína, atrás apenas dos EUA. Dados de 2010 indicam que 27 milhões de brasileiros já consumiram o pó derivado da folha de coca. Entre 2004 e 2010, foram aprendidas, no país, 27 toneladas de cocaína.
Um debate se impõe: como lidar com a questão? O número de usuários e dependentes aumenta, o tráfico dissemina a violência nas cidades, as medidas repressivas não surtem efeito.
No Brasil, já conta com mais de 120 mil assinaturas o anteprojeto à mudança da Lei 11.343/2006, proposta pela Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. O anteprojeto diferencia usuário e traficante. O usuário seria advertido, prestaria serviços à comunidade e, caso necessário, encaminhado a programas de reeducação. O traficante continuaria sendo punido.
O consumo cresce muito mais rápido que todas as medidas tomadas para coibi-lo. Encontrar a solução adequada não é fácil. A descriminalização do consumo me parece uma medida humanitária. Todo dependente químico é um doente e precisa ser tratado. Ainda que se mantenha a proibição das chamadas drogas pesadas, como estancar a disseminação do crack, mais barato e tão devastador?
A droga é um falso sucedâneo para quem carrega um buraco no peito. Esse buraco resulta do desamor e das frustrações frequentes numa sociedade tão competitiva. Uma cultura que se gaba de ter fechado o horizonte às utopias encurrala, sobretudo os jovens, em ambições muito mesquinhas: riqueza, fama e beleza.
Frei Betto é escritor, autor de ‘O vencedor’, romance sobre drogas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Personalidades - Derek Rabelo - Surfando no escuro

Deficiente visual, o brasileiro Derek Rabelo vira ídolo do surfe internacional e é tema de dois documentários

 
 
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Paula Rocha
 

O jovem Derek Rabelo, 20 anos, é autor de uma façanha capaz de causar inveja tanto em surfistas amadores quanto em profissionais. Em março deste ano, ele surfou a Pipeline, no Havaí, uma das maiores e mais perigosas ondas do mundo. O feito, que já seria considerado motivo de orgulho para os surfistas convencionais, teve um gosto especial para Derek. Totalmente cego, ele encarou ondas de até 20 metros. Sua incrível história de superação conquistou o mundo do surfe e o alçou à fama. Depois de conhecer, em julho, o ídolo Kelly Slater – americano 11 vezes campeão do mundo, o brasileiro agora será protagonista de dois documentários: o filme “Além da Visão”, dirigido pelos brasileiros Bruno Lemos e Luiz Werneck, e “Beyond Sight”, assinado pelo americano Bryan Jennings.
A ligação de Derek com o surfe começou no berço. Seus pais, fãs do esporte, batizaram o menino em homenagem ao havaiano Derek Ho, um dos melhores surfistas do mundo na temporada de 1992. Com uma semana de vida, no entanto, descobriram que ele nascera com um glaucoma congênito. A visão do garoto foi diminuindo até ele perder completamente a visão, por volta dos 8 anos. “Foi um baque”, diz Ernesto Carlos Rabelo Souza, pai de Derek. “Mas sempre acreditei que meu filho seria capaz de fazer tudo o que quisesse, tanto que, com 2 anos de idade, dei uma prancha de bodyboard para ele.” O interesse pelo esporte praticado pelo pai e pelos tios paternos se tornou realidade há três anos, quando Derek decidiu aprender a surfar. “Quando ele me procurou, pensei: ‘Como vou ensinar um cego a surfar?’ Não foi fácil, mas ele evoluiu muito rápido”, diz Fábio Alexandre Rodrigues, o “Maru”, professor do jovem até hoje. “Ele é um menino que não tem medo de aprender, nem de onda grande.”
A chance de surfar a Pipeline surgiu com o amigo e também surfista Magno Oliveira, que convidou Derek a ir para o Havaí. A família do jovem, porém, não tinha condições financeiras de bancar a viagem. “Ele tirou o passaporte e o visto para os Estados Unidos com um dinheirinho que havia juntado vendendo pranchas”, diz Souza. Já o montante necessário para a passagem, hospedagem e alimentação foi conseguido com a ajuda de amigos e familiares. “Todo mundo se uniu para que ele não perdesse essa oportunidade.” No Havaí, o jovem brasileiro foi bem recebido pelos surfistas locais e, após conquistar as bravas ondas, ganhou status de herói. “Surfar lá foi difícil, mas eu não tive medo. Minha fé é maior do que o meu medo”, afirma Derek, que consegue se guiar no mar ouvindo e sentindo o movimento das ondas – e às vezes conta com indicações de surfistas amigos, posicionados perto dele.

“Quando vi esse menino surfando, não acreditei”, diz Bruno Lemos, surfista e cinegrafista brasileiro que conheceu Derek no Havaí. “O que ele faz é incrível. Surfar já é difícil para quem enxerga, imagine para um garoto cego.” A espantosa habilidade do garoto sobre as pranchas motivou Lemos a dirigir o documentário “Além da Visão”, que contará histórias de pessoas com deficiência visual. O filme agora está buscando patrocínio para a etapa de finalização e deve ser lançado no primeiro semestre de 2013.
 
As conquistas de Derek, no entanto, prometem durar muito mais. Em setembro ele fechou um contrato de patrocínio com a marca de beachwear Billabong e passou a integrar o time de surfistas profissionais da empresa. Agora, pretende voltar ao Havaí para surfar na última etapa do circuito mundial Pipe Masters 2012, o maior campeonato de surfe do mundo. Sua maior recompensa, entretanto, ele garante que já recebeu. “Fico feliz por ser reconhecido e considerado um exemplo para as pessoas com ou sem deficiência.”


Folha de São Paulo

Te Contei, não ? - O nascimento do Pós - tudo

 
 
Nunca houve um ano como 1962, quando muitas das transformações gestadas pela juventude nasceram. Algumas só explodiram algum tempo depois

Fábio Altman

O aggiornamento promovido por João XXIII na Igreja Católica está longe de ter sido o único evento extraordinário, de repercussões perenes, de 1962. Mais correto do que dizer que o Concílio Vaticano II moldou aquele período é afirmar que a mudança religiosa foi, ela também, filha de meses muito especiais. Tinha de ter sido em 1962. Haviam se passado apenas dezessete anos do fim da II Guerra Mundial. A Europa se reconstruía. Nos Estados Unidos, a geração conhecida como baby boomer, dos nascidos no pós-guerra, chegava à maioridade. Politicamente, vivia-se a Guerra Fria, cujo apogeu se deu em 22 de outubro daquele ano, quando opresidente dos Estados Unidos, John Kennedy, anunciou que os soviéticos haviam instalado mísseis nucleares em Cuba. Os soviéticos, liderados por Nikita Kruschev, e os americanos chegaram a um acordo e não se deu o pior cenário.

Não houve guerra, ainda não se fazia amor - como descobriríamos em 1968 e 1969 -, mas a juventude de 1962 precisava se reiventar, precisava matar, simbolicamente, os pais que não tinham morrido em combate. Os beatniks Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs, a representação literária dos anos 50, tinham de 30 a 44 anos quando escreveram seus trabalhos fundamentais. Eram velhos demais para revoluções. Elvis, ao voltar do Exército, em 1960, estava com 25 anos e já tinha feito sua parte ao unir a música negra ao rock'n'roll e sexualizar aoo extremo o twist. Então em 1962, à sombra do holocausto nuclear, Bob Dylan cantou Blowin' in the Wind em um festival de Nova York (foi em abril, Dylan tinha 20 anos) e o velho mundo dos adultos foi varrido por um furacão. À revelia de Dylan, a canção virou hino de protesto.

Quando lhe perguntavam que respostas sopravam ao vento, ele dizia com ironia e escárnio: "Tenho apenas 20 anos, vocês são mais velhos e mais espertos". . Em outubro - espremido entre a estreia de 007 contra o Satânico DT. No com J ames Bond, o espião da Guerra Fria, e a crise dos misseis de Cuba-, os Beatles lançaram Love Me Do e o iêiê-iê (o mais velho dos quatro tinha 22 anos). O resto é história.

1962 foi um ano menos celebrado do que 1968, mas poucas vezes tantos eventos ocorridos em 365 dias ajudaram tanto a traduzir uma determinada inflexão histórica (veja na linha do tempo abaixo). É possível que 1962 tenha sido um ano que chegou antes da hora. Os despertares provocados por ele demoraram a ser percebidos no cotidiano, eis outra interessante característica de exatos cinquenta anos atrás - ao contrário de 1968, quando se conheceu, na carne, na hora, a virada fundamental, ou mesmo de 1989, com a queda dos satélites comunistas em Varsóvia, Budapeste, Berlim e Praga. 1962 foi um ovo de serpente que gerou uma imensa árvore de novidades que demorariam a brotar.
Nele nasceu a expressão "via satélite", com as primeiras transmissões globais.
A pílula anticoncepcional, que fora sintetizada dois anos antes, chegou às lojas com timidez - de 50000 usuárias iniciais, em dois anos foi a 1,2 milhão nos Estados Unidos. Hoje, em todo o mundo, mais de 100 milhões de mulheres tomam a pílula.

O ano de 1962, enfim, representou o nascimento do pós-tudo. Os jovens - muito antes da unanimidade que se aplica a 1968 - estavam matando amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Queriam cores, e não o preto e branco niilista de seus pais. No primeiro episódio da segunda temporada do seriado Mad Men, passado em fevereiro de 1962, há festa na agência de publicidade Sterling Cooper com a chegada de uma máquina de xerox colorida. O diretor criativo, Don Draper, digladia-se com um dilema: como fazer propaganda de uma cafeteria onde "ninguém com menos de 25 anos entra para tomar café". A solução? Os jovens, a salvação da envelhecida firma de publicidade. Na mesa de reunião um dos diretores dá a deixa da renovação: "Somos um país jovem, até o presidente tem um bebê". Assim foi 1962, ano em que fotos instantâneas, nem sempre muito nítidas, como as de uma P.olaroid, com o tempo ganharam contornos para mopt'U" o filme que nos trouxe até hoje - na música, no cinema, no sexo e na igreja.

Revista Veja

Te Contei, não ? - A Turma do Funil

 
 
 
À meia-noite do dia 28 de setembro, uma sexta-feira, quem passou pela Rua Mem de Sá, na Lapa, viu uma cena exótica: uma fila de jovens vestidos como vikings e valquírias na porta do Teatro Odisseia. Era uma espécie de gincana. Quem fosse fantasiado daquela maneira à Taverna Viking, festa de temática medieval que ocorre uma vez por mês na casa, ganhava doses liberadas de hidromel, a bebida típica dos vikings. Naquela noite, seriam esvaziadas 24 garrafas diretamente na boca dos frequentadores — a 25ª seguiria como prêmio ao casal que ganhasse o Concurso de Beijo realizado no auge do evento, lá pelas 3h. Não muito longe dali, no Espaço Acústica, na Praça Tiradentes, a festa Tropical Bacanal tinha uma brincadeira diferente: por volta das 2h, três produtores invadiram a pista de dança com bambolês e uma garrafa de uísque. Quem conseguisse rodar o artefato na cintura por dez segundos ganhava uma talagada.
No sábado seguinte, véspera de eleição municipal, a Wonka Party se inspirou no filme “A fantástica fábrica de chocolate” para atrair público: cupons dourados escondidos no salão podiam ser trocados por chocolates ou doses de bebida no bar. Na sexta-feira posterior, dia 12 de outubro, nem a chuva torrencial que lavou a Lapa tirou da porta do Odisseia a fila para entrar na Pop Up!, festa com farta distribuição de cachaça e sorteio de barril de cerveja, além do Megabeerbomb, um grande funil com mangueiras acopladas na saída para se beber mais, e mais rapidamente, com a ajuda da gravidade. Usado por até quatro pessoas ao mesmo tempo, o instrumento torna possível tomar uma lata de cerveja em três segundos. Naquela noite, o Megabeerbong foi disputado a tapa pela turma que guardava lugar à beira do palco, onde os DJs o posicionam. Em cada aparição do brinquedo, 12 latas eram derramadas funil abaixo.
Conhecidas como drinking games, as brincadeiras que estimulam o consumo excessivo de álcool hoje são os principais atrativos das festas com público entre 18 e 24 anos que ocupam locais como Fosfobox, em Copacabana; Espaço Franklin, no Centro; e Espaço Rampa, em Botafogo; além do Odisseia e do Espaço Acústica. A despeito da música ou do público, o chamariz são os jogos que envolvem bebida, seja como mote ou premiação. Outros exemplos que chamam a atenção são a festa Tekiller, que tem uma Batalha de Tequila, na qual ganha uma garrafa da bebida quem vira quatro doses primeiro. Em algumas edições, “o primeiro a cair bêbado ganha uma tatuagem”, como escrito na filipeta de divulgação. Ou a American Party, cuja atração principal é o Jager Beer Pong, uma competição em que dois times em lados opostos de uma mesa tentam acertar bolinhas de pingue-pongue no copo dos adversários, obrigando-os a virar uma mistura de cerveja com Jagermeister. Sem falar nas festas com os sugestivos nomes de Higher! ou Allcool Party.
— Antigamente, o mais importante era a música. Hoje em dia, para uma festa ser boa, ela tem que ter muitas atrações. Cada dia aparecem mais festas disputando o mesmo público, se não criarmos um diferencial, não atraímos as pessoas — justifica a produtora Luísa de Castro, de 21 anos, que se formou em Gastronomia e, há quatro meses, trocou o estágio numa fábrica de tortas pelo emprego na produtora de festas Blue Fish, responsável pela Tekiller, Taverna Viking e Bubble Pop, que distribui champanhe. — Festa hoje em dia é igual a cruzeiro. Antes, as pessoas queriam viajar. Hoje em dia, todo mundo quer “fazer um cruzeiro”. O que vale são as atrações, os brindes, as fantasias, os games.
Ideia é importada dos EUA e da Alemanha
Depois do reinado das festas de rock, das festas dos anos 80 e das festas com DJ-celebridade, só para citar as últimas tendências da noite jovem carioca, o público assiste (boquiaberto) o advento das festas com drinking games. Não é difícil perceber esta mudança de perfil: nos flyers, o estilo de música muitas vezes nem é citado. Em letras garrafais, o destaque fica por conta das brincadeiras importadas de festas americanas (como o Beer Pong) e alemãs (como o Beerbong, usado nas Oktoberfest).
Enquanto tomavam um ar do lado de fora da Bubble Pop, que estreou no Odisseia em 5 de outubro, Luísa e Fernando Castro, de 25 anos, da Blue Fish, explicaram como regulam a distribuição gratuita de álcool:
— Calculamos pelo número de pessoas. Como hoje vieram entre 200 e 300, limitamos a distribuição de champanhe a seis garrafas. Na Taverna, que é bem cheia, liberamos mais. Não acho que brincadeiras estimulem as pessoas a beberem mais do que fariam. Não vou dizer que nunca tivemos problemas, já aconteceu, uma vez ou outra, de alguém sair mal da batalha de tequila, mas não é culpa nossa, a festa é para maiores de idade — alega Fernando.
Assim que completou 18 anos, no ano passado, o estudante de Sistemas de Informação da PUC-Rio Gabriel Sotero começou a sair à noite com os amigos. Insatisfeito com as festas que frequentava, decidiu a criar a sua, “mais animada”, segundo ele. Juntou-se a um amigo DJ da mesma idade e fundou a Wonka Party. Tal qual o personagem Willy Wonka, do filme, eles distribuem chocolates e escondem cupons dourados na pista. Para animar ainda mais o grande pique esconde em que se transforma a festa, Gabriel fez um curso de DJ este ano e, quando está no comando das picapes (ou laptops), vai de Lady Gaga a Xuxa. Apesar da pouca experiência na noite, o estudante atrai cerca de mil pessoas por evento, com entrada a R$ 30.
— Sem dúvida a Wonka fica lotada por causa da quantidade de brincadeiras. Em toda edição a gente tenta inovar, fazer algo diferente — diz Gabriel, que relativiza o estímulo ao consumo de álcool em seus eventos: — As pessoas saem de casa para beber, faz parte da noite, as brincadeiras são apenas mais uma atração.
Criador da 7 Day Weekend, primeira a usar um Beerbong, o produtor musical e DJ Bruno Salgado de Oliveira, conhecido como Sal, de 27 anos, acha que essa mudança de estilo da noite do Rio é natural.
— Na 7 Day, o principal atrativo são as músicas diferentes que o frequentador só vai ouvir aqui. Fazemos muita pesquisa musical. Mas também queremos ver as pessoas se divertirem, e acho que é esta a função do Beerbong. Não acho que isso estimule o consumo de álcool. Há muitas festas cujo principal interesse é lotar a casa, custe o que custar, dando garrafas de bebida, e isso sou contra. Mas a noite do Rio é muito plural, tem espaço para todo tipo de evento — comenta Sal, que levou o brinquedo pela primeira vez à festa por acaso: tinha usado o instrumento dias antes no clipe de sua banda.
Empresas entram na onda
De olho no mercado que esse tipo de evento fez surgir, o administrador de empresas carioca André Bonilha, de 26 anos, abriu em fevereiro a loja virtual Vira Vira, que, faz questão de frisar, é a “primeira empresa brasileira de drinking games registrada na Receita Federal”. No site, são vendidos itens como o Beerbong simples (R$ 29,90) e o quádruplo (R$ 79,90), além de outros apetrechos. Os principais compradores, no entanto, são os paulistas — o que leva a crer que a moda também chegou a outras cidades do país.
— Quem mais compra com a gente é o pessoal de Campinas, principalmente para eventos de universidade, chopadas e festas de rodeio — comenta André, que contabiliza em R$ 200 mil seu rendimento este ano.
A ideia da loja surgiu depois de uma temporada de estudos em Nova York, em 2009.
— Lá, todas as festas de faculdade tinham drinking games e campeonatos de Beer Pong. Quando voltei, percebi que isso não era comum no Brasil. Achei que tinha tudo a ver com nosso espírito de festa e chamei três amigos para entrar no negócio — explica André, que faz demonstrações em festas para divulgar os produtos. — As pessoas adoram brincar. O bong nada mais é do que um acessório a mais para a descontração.
É o que pensam muitos dos frequentadores das nove festas em que a Revista O GLOBO esteve nas últimas três semanas. Para os jovens ouvidos, a distribuição de bebida é fator decisivo na hora de escolher em qual evento ir. Se for com alguma brincadeira, melhor ainda. Fantasiada de valquíria na fila da Taverna Viking, a estudante Mellyna Barone, que até a meia-noite do dia em questão tinha 17 anos, veio de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, onde vive, especialmente para comemorar o aniversário de 18 anos na festa medieval, cujo sucesso ela acompanhava pelo Facebook. Com uma amiga, ela queria conhecer (e garantir) o famoso hidromel, bebida fermentada à base de mel, de origem medieval, citado no livro “O Senhor dos Anéis”, que seria liberado em doses a noite toda.
— Meu sonho era vir aqui. Convenci meus pais a deixarem, e pelo que eu via na internet, é a mais animada — disse Mellyna, que esperou dar meia-noite para entrar, já que nesses eventos a entrada de menores é proibida.
Nem todas as pessoas que vivem a noite, no entanto, veem os drinking games como uma simples descontração. O DJ Tito Figueiredo, de 37 anos, 11 deles à frente da festa de rock Paradiso, é crítico ferrenho da nova moda:
— As festas hoje são um freak show, com rinha de tequila, touro mecânico, distribuição de pirulito. Para compensar a falta de conteúdo artístico, de qualidade musical, eles encontraram essa forma banal de diversão, que acaba estimulando o alcoolismo. O álcool é uma droga que mata, não é uma brincadeira — lamenta Tito. — Eu sempre fiz promoções na Paradiso, mas relacionadas ao conteúdo musical da festa. Para ganhar descontos, as pessoas tinham que participar dos debates sobre as músicas que tocavam nos sets na comunidade do Orkut.
O produtor musical e DJ Nado Leal faz coro. Trabalhando há 22 anos em festas e grandes eventos da cidade — Rock in Rio, réveillon de Copacabana, Fashion Rio... —, ele está assustado com a nova cena. Além de beberem mais, diz ele, os jovens gastam muito mais.
— A noite mudou radicalmente. Hoje vejo garotos de 20 anos gastando R$ 200 de uma vez. Antes eles não bebiam uísque, como hoje. Eu percebo que esse novo comportamento começou com a entrada dos energéticos na noite. Essas bebidas camuflam o gosto do álcool, eles bebem em maior quantidade. O estímulo que essas festas dão à bebedeira é muito louco. Mesmo os que saem de casa com o dinheiro contado agora bebem o equivalente a muito mais, pela distribuição gratuita de doses — atesta Nado, que não aceita tocar em festas com bebida de graça. — As características de uma boa festa estão sumindo, a boa música, o ambiente naturalmente descontraído, a espontaneidade. O problema é isso se tornar um padrão, o que eu temo que vá acontecer, pois são esses eventos que estão injetando dinheiro na noite da cidade.
Com 25 anos de carreira, o DJ Wilson Power, de 43, parou de beber há quatro. E apesar de tocar em festas que têm os drinking games como atrativo, ele vê com preocupação esse consumo excessivo de álcool:
— De uns cinco anos para cá, a noite mudou bastante. Eu sempre toquei porque eu queria atrair as pessoas pela música. Hoje, é a última coisa que importa. E esse vazio está sendo preenchido com álcool. Sou contra essa banalização da bebida como trunfo para encher as festas. Eu sou testemunha desse processo: se eu não parasse de beber, ia morrer. Já vi muita gente ficar pelo caminho, e é nisso que eu penso quando vejo a garotada em coma alcoólico em festas que deveriam estar se divertindo, dançando, azarando.
Diversão perigosa
Responsáveis pela locação para as festas, os proprietários dos espaços têm um posicionamento comprometido: se por um lado têm o faturamento do bar prejudicado pela distribuição gratuita de bebidas (os produtores das festas normalmente ficam com o dinheiro da entrada, mas o lucro do bar é do estabelecimento), por outro, sabem que são estes os eventos que mais atraem público atualmente.
— Uma show de MPB no Odisseia não atrai nem 200 pagantes, enquanto qualquer festa dessas leva 700 pessoas à casa — observa um dos sócios, Áureo César Lima, de 37 anos, que considera os drinking games “mais do mesmo”. — Essas brincadeiras de hoje são as promoções de bebida de antes. A gente faz um controle, exige que a bebida distribuída seja comprada no nosso bar, conversa com os responsáveis antes, para evitar excessos, até porque exagero não traz lucro para a casa, só traz problemas.
No Espaço Acústica, o gerente Marcos Corrêa, de 31 anos, reconhece que muitas festas da casa “viraram uma chopada” (lá, na festa Tropical Bacanal, por volta das 4h40m, duas jovens saíram carregadas; e na Wonka Party, um rapaz alcoolizado foi abandonado por dois amigos dentro de um táxi).
— O ideal é que não tivesse nada disso, mas nós também temos que acompanhar o movimento natural da noite, procurar entender essa geração, que, apesar de ser mais histérica, é também mais pacífica — diz Marcos, que cancelou um evento este ano quando percebeu que o organizador tinha levado 60 litros de vodca comprada fora para distribuir na festa, contrariando as regras da casa. — Eu não escolho uma festa porque me dão tequila na boca, mas essa é só a minha opinião, não a realidade dessa nova cena.
O estudo mais recente sobre o consumo de álcool por este público específico foi divulgado em 2010 pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad). Segundo o “I Levantamento nacional sobre o uso do álcool, tabaco e outras drogas entre universitários das 27 capitais brasileiras”, 86,2% dos universitários já usaram álcool em algum momento da vida, sendo que 79,2% experimentaram antes dos 18 anos, e 54% antes dos 16 anos. A pesquisa concluiu que a faixa etária de 18 a 24 anos é a que mais consome álcool no país. São eles, também, os que mais praticam o que os especialistas chamam de binge drinking: o consumo pesado episódico, classificado como cinco doses numa noite para homens e quatro para mulheres. Entre os homens, 29,2% já são bebedores de médio e alto risco; entre mulheres, 16,2%.
— Quanto mais precoce o abuso do álcool, maiores as chances de desenvolver dependência — diz a psicoterapeuta Ivone Ponczek, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Uerj.
Para ela, os drinking games banalizam os riscos do alcoolismo:
— O álcool demora a se instalar como dependência, por isso os indícios não são identificados imediatamente. O organismo jovem é mais sensível, metaboliza o álcool de maneira mais lenta. É importante tirar o cunho moralista do debate, todos tomam um porre um dia. Mas essa forma de lidar com a bebida pode ser destrutiva, pois o limite entre o lúdico e o perigoso fica diluído. Sem falar nos problemas relacionados, como acidentes de trânsito, atos de violência, abuso sexual etc.


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