Classicismo é o nome que se dá à literatura produzida durante a vigência do Renascimento (século XVI).
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terça-feira, 8 de julho de 2014
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
Crônica do Dia - Shakespeare e a corrupção
- Vivesse em nossa época, escritor teria à sua disposição vasto material, menos nobre, é verdade, descoroado, pois não convém comparar Eduardo III com senadores
Frei Betto
Não se sabe ao certo se Shakespeare é autor de “Eduardo III”. A peça aborda um tema perene: governantes governam governos e, no entanto, quase nunca sabem se governar. O que fazem os políticos corruptos, todos sabemos. Mudam os tempos e diferem os costumes. Eles abusam da imunidade e da impunidade, praticam o mais descarado nepotismo, usam os serviços públicos como se fossem direitos privados.
sábado, 4 de janeiro de 2014
Te Contei, não ? - Renascimento ? Para que serve ?
A pergunta pode parecer estranha, mas já explico. Estava, outros tempos, passeando pelas ruas de Florença - e perdoem-me a ostentação involuntária nestes tempos do politicamente correto, mas a contextualização é importante -, e olhando aquelas casas e palácios antigos, os monumentos centenários
Por Ricardo Frantz
Cobertos de pátina evocativa e/ou de excrementos de pombo e poluição, e perguntava-me: afinal, por que ainda hoje acorrem a esta cidade fossilizada hordas diárias de turistas dos quatro cantos do planeta? Como o Renascimento, do qual Florença foi berço e capital, e por isso ficou famosa, chegou a adquirir tamanho apelo para o cidadão do mundo?
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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
Te Contei, não ? - Teria Noé aportado no Novo Mundo ?
PERPLEXIDADE DAS AMÉRICAS
TERIA NOÉ APORTADO NO NOVO MUNDO?
Em uma época de transição entre a religião e a ciência, a descoberta do Novo Mundo gerou animais imaginários e as mais bizarras teorias
POR CHRISTIAN FAUSTO MORAES DOS SANTOS*
TERIA NOÉ APORTADO NO NOVO MUNDO?
Em uma época de transição entre a religião e a ciência, a descoberta do Novo Mundo gerou animais imaginários e as mais bizarras teorias
POR CHRISTIAN FAUSTO MORAES DOS SANTOS*

sábado, 10 de agosto de 2013
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Te Contei, não ? - Da Vinci ainda guarda segredos
Quem é o maior gênio da humanidade? A pergunta traz à mente nomes como Einstein, Newton, Bach, Aristóteles, Shakespeare, Darwin ou Galileu. Eles enxergaram a realidade, a natureza e o comportamento humano de um modo que vai além do senso comum. Ao criar teorias e obras-primas, revolucionaram as ciências, as artes e nossa visão de mundo. Entre esses seres humanos notáveis, Leonardo da Vinci (1452-1519) foi o maior de todos. Essa ao menos é a tese do físico e escritor austríaco Fritjof Capra, de 73 anos. Famoso pelo livro O Tao da física, de 1975, que vendeu 1 milhão de exemplares, Capra lança agora A alma de Leonardo da Vinci (Editora Cultrix, 424 páginas, R$ 54), biografia científica em que enumera 100 grandes invenções e descobertas que o gênio florentino antecipou em segredo – e com uma extensão que só agora começamos a compreender.
Leonardo foi um dos maiores criadores de todos os tempos, com os pés (e a imaginação) solidamente plantados nas artes e na ciência. O sorriso da Mona Lisa permanece tão enigmático hoje quanto há cinco séculos, quando foi pintado. A história da arte não seria a mesma se Leonardo não tivesse existido. E sua obra vai além. Leonardo foi escultor, arquiteto, cientista, inventor, músico, engenheiro, botânico, anatomista, físico, cartógrafo, geólogo, escritor e filósofo. Um polímata, um Homo universalis, como se dizia no Renascimento. Hoje sabemos que ele antecipou em 500 anos a invenção do avião, do helicóptero e do submarino, embora seus contemporâneos não soubessem dessa faceta premonitória do mestre. Suas descobertas científicas não foram publicadas enquanto ele viveu, ainda não se sabe por quê. Se fosse diferente, é provável que tivessem influenciado cientistas como Galileo e Newton.
“A ciência não nasceu há 400 anos com Copérnico e Galileu”, disse Capra a ÉPOCA. “Leonardo foi o primeiro cientista. A ciência moderna começou com ele.” A afirmação vai contra a opinião vigente dos historiadores da ciência, segundo a qual o método científico, baseado na observação dos fenômenos naturais e na busca de hipóteses para explicá-los, consolidou-se com o pensador Francis Bacon no século XVII. “Leonardo inventou o método científico. Formulava hipóteses a partir da observação dos fenômenos naturais para, em seguida, comprová-las ou desbancá-las, sob o crivo da experimentação”, diz Capra.
Diferentemente da maioria dos cientistas atuais, que procura analisar os fenômenos naturais de forma isolada, Capra pertence a uma corrente que ficou conhecida como “nova era”. Seus defensores buscam explicações para os fenômenos físicos a partir de sua interação com a biologia e o ambiente. O maior representante dessa corrente é o ambientalista britânico James Lovelock, que propôs a “hipótese Gaia”, segundo a qual a Terra funciona como uma entidade viva. A geologia e a vida são indissociáveis, diz ele. Uma não existe sem a outra. Tal visão orgânica do mundo e dos fenômenos naturais, diz Capra, está no cerne da ciência de Leonardo. Ele escreveu proposições científicas como: “Para apresentar a verdadeira ciência do movimento dos pássaros no ar, é necessário primeiro apresentar a ciência dos ventos”. Quando imaginava uma postura para uma de suas madonas, no desejo de retratá-la do modo mais fiel possível, corria a dissecar corpos. Buscava entender o funcionamento dos músculos. Da mesma forma, para pintar um rio caudaloso, investigava o fluxo e a dinâmica dos fluidos. Ao fazê-lo, incorporava à sua pintura conceitos que só começaram a ser investigados pela ciência nos anos 1960, como os fractais ou a teoria do caos.

Capra conta com evidências de peso para sustentar sua tese da primazia científica de Leonardo. Mostra que ele enunciou o princípio da ação e reação – aquele mesmo que prega que toda ação provoca uma reação de igual intensidade e em sentido contrário – 180 anos antes de Newton formular sua Terceira Lei, de 1687 (leia o quadro abaixo). Leonardo também antecipou Galileu no campo da engenharia militar. Em 1609, ao estudar os disparos da artilharia veneziana visando à melhora da pontaria, Galileu descobriu que a trajetória de qualquer projétil desenha no ar uma parábola. Os cadernos de Leonardo comprovam que chegara à mesma conclusão em 1502. “Leonardo não tinha as ferramentas matemáticas para calcular as parábolas das balas de canhão”, diz Capra. “Ele usou sua engenhosidade para estudar jatos d’água, cuja trajetória pode ser facilmente vista.” Quase 150 anos antes de William Harvey, um dos fundadores da medicina moderna, Leonardo descreveu o funcionamento do batimento cardíaco. Quatrocentos anos antes de Darwin, descobriu a capacidade das plantas de se movimentarem em resposta a estímulos ambientais, característica que chamamos tropismo. Quatrocentos e cinquenta anos antes dos cosmologistas do século XX, intuiu corretamente a “seta do tempo”, termo usado para definir que o tempo é unidirecional e transcorre apenas num sentido, do passado para o futuro.
Quando morreu, em 1519, sua obra científica estava reunida em diversos cadernos, que, segundo os estudiosos, totalizavam 12 mil páginas de anotações recheadas de ilustrações, das quais apenas 6 mil foram encontradas. À medida que o conteúdo de seus cadernos era descoberto e revelado, ao longo dos séculos, a aura da genialidade de Leonardo emergiu. “É terrível saber que metade da produção científica dele se perdeu”, diz Capra. “Nos últimos 500 anos, todas as descobertas de Leonardo da Vinci foram sendo redescobertas.” Apesar disso, é inevitável imaginar qual teria sido o impacto de sua obra sobre a ciência moderna se suas descobertas tivessem sido publicadas em vida. “Gosto de imaginar que a ciência moderna teria se desenvolvido de forma menos mecanicista e mais humana.”
Revista Época
sábado, 8 de dezembro de 2012
Te Contei, não ? - Os 500 anos da Capela Sistina
Michelangelo é o símbolo da mudança no Renascimento, pela qual o antigo artesão da Idade Média se torna artista, com controle total sobre a obra
Texto Martha San Juan França | 05/12/2012 16h56
Você certamente já viu algumas imagens que fazem parte do teto da Capela Sistina. O dedo de Deus apontado para o dedo de Adão é uma das figuras mais reproduzidas, homenageadas e parodiadas da humanidade (lembra do poster do filme E.T.?). As cenas do Pecado Original e a Expulsão do Paraíso, o Dilúvio Universal e tantas outras, saíram da parede para os livros, como ilustração do Velho Testamento. Ver esses afrescos é um privilégio que, infelizmente, acontece sempre em meio a uma turba de turistas, com o pescoço esticado - e a ameaça de um torcicolo. Para quem não pode ir até a Itália, a mostra Esplendores do Vaticano, que vai até dezembro no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, apresenta uma reprodução da Capela Sistina.
Este ano, o mundo comemora os 500 anos da inauguração dos afrescos, em 1º de novembro de 1512, Dia de Todos os Santos, pelo papa Júlio 2º, após 4 anos de trabalho. "Nenhuma outra obra se compara a essa em excelência, nem hoje nem nunca", comentou o biógrafo Giorgio Vasari, contemporâneo de Michelangelo (1475-1564). "O teto é um farol para a nossa arte, de benefício inestimável para todos os pintores. Ele restabelece a luz num mundo que durante séculos esteve mergulhado em trevas."
Este ano, o mundo comemora os 500 anos da inauguração dos afrescos, em 1º de novembro de 1512, Dia de Todos os Santos, pelo papa Júlio 2º, após 4 anos de trabalho. "Nenhuma outra obra se compara a essa em excelência, nem hoje nem nunca", comentou o biógrafo Giorgio Vasari, contemporâneo de Michelangelo (1475-1564). "O teto é um farol para a nossa arte, de benefício inestimável para todos os pintores. Ele restabelece a luz num mundo que durante séculos esteve mergulhado em trevas."

Vasari foi o primeiro a chamar sua época de Renascença. E o que renascia eram a arte e o pensamento da Antiguidade. Quando Michelangelo terminou a pintura do teto da capela, já fazia pelo menos um século que esse resgate havia se iniciado na Itália, ou melhor, nas cidades-estado do norte e centro da península.
Os precursores da Renascença foram poetas e prosadores como Petrarca (1304-1374) e Boccaccio (1313-1375), pintores como Giotto (1266-1336) e Masaccio (1401-1428). Entre os contemporâneos, Leonardo da Vinci (1452-1519) e Rafael (1483-1520). A chave para entender esse movimento está nas profundas transformações econômicas conduzidas naqueles séculos por uma nova classe social urbana em ascensão - a burguesia mercantil. A Itália tinha a imensa vantagem de estar situada no coração da maior área de comércio do mundo, a bacia mediterrânea. Cidades costeiras como Gênova e Veneza tiveram a oportunidade de enriquecer de maneira fantástica devido ao comércio com o Oriente.
Graças a esse contato e à valorização de suas atividades, seus mercadores e banqueiros adquiriram uma nova visão do mundo, baseada na valorização da realidade material, em contraste com a religiosidade profunda da Idade Média. As artes reproduziam essa mudança de pensamento. Nas pinturas típicas do século 13, por exemplo, as figuras humanas eram planas e irreais. O tamanho de uma figura não refletia a perspectiva, mas sua importância no quadro. Dois séculos depois, os artistas faziam desenhos ultrarrealistas, criando a ilusão de profundidade num quadro plano. Tão realistas que, para aprender a configuração correta de músculos e veias, era comum que artistas dissecassem cadáveres, aprendendo anatomia. A riqueza permitiu que a burguesia em ascensão investisse pesadamente nas artes. Como resultado, já no século 14, surgia uma nova e numerosa classe de assalariados, que trabalhavam juntos nas primeiras oficinas, ou separados, cada qual em sua casa, recebendo dos patrões matérias-primas e ferramentas e entregando-lhes o produto acabado mediante pagamento. Era uma mudança e tanto na vida europeia, com a lenta decadência das fechadas e hierarquizadas corporações de artesãos, as guildas, que monopolizavam a produção na Idade Média.
Mas, no começo, a mudança era limitada. O artista ainda não tinha completa autonomia e a melhor arte produzida no Renascimento era realizada sob encomenda dos mecenas, pertencentes às famílias ricas que exigiam sua execução conforme especificações e determinavam como deveria ser usada. Muitos eram mal pagos e, como qualquer outro provedor de serviços, deviam obedecer às instruções e entregar a mercadoria encomendada. Essa situação só veio a mudar no século 16, quando profissionais, como o próprio Michelangelo e Rafael, passaram a fazer parte de um grupo de elite, com liberdade para recusar encomendas e estipular as condições de trabalho.
Os precursores da Renascença foram poetas e prosadores como Petrarca (1304-1374) e Boccaccio (1313-1375), pintores como Giotto (1266-1336) e Masaccio (1401-1428). Entre os contemporâneos, Leonardo da Vinci (1452-1519) e Rafael (1483-1520). A chave para entender esse movimento está nas profundas transformações econômicas conduzidas naqueles séculos por uma nova classe social urbana em ascensão - a burguesia mercantil. A Itália tinha a imensa vantagem de estar situada no coração da maior área de comércio do mundo, a bacia mediterrânea. Cidades costeiras como Gênova e Veneza tiveram a oportunidade de enriquecer de maneira fantástica devido ao comércio com o Oriente.
Graças a esse contato e à valorização de suas atividades, seus mercadores e banqueiros adquiriram uma nova visão do mundo, baseada na valorização da realidade material, em contraste com a religiosidade profunda da Idade Média. As artes reproduziam essa mudança de pensamento. Nas pinturas típicas do século 13, por exemplo, as figuras humanas eram planas e irreais. O tamanho de uma figura não refletia a perspectiva, mas sua importância no quadro. Dois séculos depois, os artistas faziam desenhos ultrarrealistas, criando a ilusão de profundidade num quadro plano. Tão realistas que, para aprender a configuração correta de músculos e veias, era comum que artistas dissecassem cadáveres, aprendendo anatomia. A riqueza permitiu que a burguesia em ascensão investisse pesadamente nas artes. Como resultado, já no século 14, surgia uma nova e numerosa classe de assalariados, que trabalhavam juntos nas primeiras oficinas, ou separados, cada qual em sua casa, recebendo dos patrões matérias-primas e ferramentas e entregando-lhes o produto acabado mediante pagamento. Era uma mudança e tanto na vida europeia, com a lenta decadência das fechadas e hierarquizadas corporações de artesãos, as guildas, que monopolizavam a produção na Idade Média.
Mas, no começo, a mudança era limitada. O artista ainda não tinha completa autonomia e a melhor arte produzida no Renascimento era realizada sob encomenda dos mecenas, pertencentes às famílias ricas que exigiam sua execução conforme especificações e determinavam como deveria ser usada. Muitos eram mal pagos e, como qualquer outro provedor de serviços, deviam obedecer às instruções e entregar a mercadoria encomendada. Essa situação só veio a mudar no século 16, quando profissionais, como o próprio Michelangelo e Rafael, passaram a fazer parte de um grupo de elite, com liberdade para recusar encomendas e estipular as condições de trabalho.

Capela Sistina: A obra-prima de Michelangelo foi uma encomenda, mas o artista tomou as rédeas do projeto
Durante boa parte de sua vida, porém, Michelangelo enfrentou as mesmas vissicitudes dos outros artistas. Disso surgiram as famosas desavenças com o papa Júlio 2º, retratadas no filme Agonia e Êxtase (1965), que trata do projeto de pintura da Capela Sistina e leva o espectador ao mundo das cidades italianas do Renascimento. O enredo, baseado no livro do mesmo nome de Irving Stone, recorre a uma vasta pesquisa, usando as cartas de Michelangelo e a biografia do artista, escrita por Vasari em 1550 e ampliada em 1568, para ilustrar o embate entre dois temperamentos difíceis. De um lado, um artista atormentado, que se acreditava dotado de inspiração divina, e de outro um papa guerreiro e irascível. A biografia e as cartas mostram também o relacionamento difícil de Michelangelo com o pai, Ludovico, um magistrado apagado e de pouco tino para negócios, que tentou dissuadir o filho da ideia de tornar-se escultor, aos 13 anos.
Nascido em Caprese, na zona rural, em 6 de março de 1475, Michelangelo teve a sorte de ter se mudado com a família para Florença, a mais rica das cidades-estado italianas, dominada desde 1469 por Lorenzo de Medici, o Magnífico. Em 1489, Lorenzo descobriu o jovem aprendiz, cujo talento como escultor já começava a aparecer, e o convenceu a morar no palácio, onde havia fundado uma oficina para artistas. Pouco mais que um garoto, Michelangelo teve então a oportunidade de conviver com os filhos do poderoso Medici, estudando com os melhores professores particulares da Itália.
Foi no período de aprendizado no palácio que o artista realizou as duas primeiras obras que sobreviveram até os nossos dias. São os baixos-relevos Madona da Escada e Batalha dos Centauros. Nelas já se pode encontrar pistas do que Michelangelo posteriormente faria na Capela Sistina. Primeiro a preocupação com cada detalhe do corpo: veias, músculos, ossos, que sobressaem na variedade de posições.
As formas traduzem sensações como medo, preocupação, desespero e sofrimento, refletidas também nas imagens de santos e pecadores. "Michelangelo sai da imitação seletiva dos modelos antigos e cria uma nova interpretação da vida", diz Luciano Migliaccio, professor de História da Arte na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Essa ideia é muito repisada por Vasari e, segundo Migliaccio, instruída pelo próprio biografado. "Michelangelo queria construir a imagem de um gênio, sabia que disso dependia o seu status como artista", explica. "Ele quer deixar registrado que, mais do que seguir as regras antigas, possui uma marca própria, individual, uma espécie de liberdade que estaria na raiz da superação dos artistas anteriores."
Apesar disso, nesses primeiros tempos, o escultor não conseguia sobreviver de sua arte. Após a morte de Lorenzo, passou necessidade sem o protetor e com o caos que se seguiu em Florença. E para se manter ocupado e ganhar algum dinheiro, participou de um embuste. Fez uma estátua simulando uma antiguidade romana envelhecida artificialmente e enviou para Roma, onde, de mão em mão, acabou na posse de um cardeal. Grande colecionador, o religioso não engoliu a alegada antiguidade da obra, mas pagou o preço pedido em troca do nome do autor. Assim, Michelangelo foi convocado a Roma pela primeira vez.
Ali começou a trabalhar em um tema 100% cristão - a Pietà, que está na Basílica de São Pedro, no Vaticano, atrás de sólidos vidros que a protegem de atentados como o que quase a destruiu em 1972. A obra ainda hoje é considerada pelos especialistas a escultura em mármore mais refinada desde a queda de Roma, mil anos antes. Mostra uma Maria jovem demais para ser a mãe de um filho morto, aos 33 anos, como um sinal da beleza eterna da Virgem. Foi a consagração do autor.
Michelangelo voltou então para Florença, convocado para realizar a obra que simbolizaria a cidade. O tema escolhido foi o personagem bíblico Davi, retratado no exato momento em que decide combater Golias, em uma estátua com mais de 4 m de altura. Exposta ao ar livre para que todos pudessem admirá-la, hoje encontra-se na Galleria dell¿Accademia, enquanto a praça em frente exibe uma réplica do mesmo tamanho.
A fama recém-conquistada chegou aos ouvidos do novo papa, Júlio 2º, apelidado de Terrível. Michelangelo foi convocado em 1508 para se estabelecer em Roma. O pontífice tinha a intenção de recuperar para a cidade a glória da antiga capital do Império Romano e isso incluía ser enterrado em um mausoléu que ofuscasse o de todos os papas anteriores. Para isso, queria a participação do maior escultor do mundo, e Michelangelo começou a trabalhar dali a alguns meses. Duas esculturas do túmulo, Moisés e Os Escravos, só foram concluídas em 1513, após a morte do papa. Conta Vasari que, depois de terminar Moisés, Michelangelo teria batido no joelho da escultura e exclamado: Parla! ("Fala!").
No meio do trabalho do mausoléu, veio a contraordem: o papa decidiu que ele deveria pintar o teto da sua capela privada e sede do conclave, onde até hoje o Colégio de Cardeais reúne-se para eleger o papa. Durante toda a sua vida, Michelangelo definiu-se como um escultor, considerando a pintura uma arte menor. Mas não havia como dizer não ao papa. Assim, de 1508 a 1512, entregou-se à pintura. Durante toda a obra, Michelangelo dispensou a ajuda de assistentes, trabalhando de pé, com a cabeça virada para cima. Comia enquanto pintava. À noite desenhava os cartões com as figuras que seriam transferidas para o teto na manhã seguinte. Colocou tapumes que escondiam todo o trabalho, que nem mesmo o papa poderia acompanhar.
Em sua biografia, Vasari relata que, quando Júlio 2º, impaciente, o interrogava para saber quando a obra ficaria pronta, respondia: "Quando eu acabar!" Numa das vezes, o papa furioso bateu-lhe com o cajado nas costas e ameaçou jogá-lo dos andaimes. Em várias ocasiões, atrasou o pagamento. Mas valeu a pena. Na abóbada de cerca de 1 000 m2, a 20 m de altura, há aproximadamente 300 figuras, representando 7 episódios do Gênesis, além de profetas, sibilas, que teriam anunciado a vinda de Cristo, e cenas da história do povo de Israel.
No total, Julio 2º pagou 3 mil ducados pelo trabalho. Feitas as contas, segundo o livro A Arte Secreta de Michelangelo, dos pesquisadores Gilson Barreto e Marcelo de Oliveira, em valores atuais corresponderia a cerca de 620 mil dólares. Significava que Michelangelo, a partir dali, era um homem rico. Mesmo assim, continuou a trabalhar até morrer, aos 89 anos, deixando obras fantásticas que marcaram para sempre a história da arte, entre elas O Juízo Final, encomenda do papa Clemente 7º, na parede frontal da Capela Sistina. Para ele, o mais importante era ser reconhecido pelo seu gênio artístico autônomo, ideia que viria a se firmar nos séculos posteriores.
Saiba mais
Livro
Michelangelo e o Teto do Papa, Ross King, Record, 2005
Durante boa parte de sua vida, porém, Michelangelo enfrentou as mesmas vissicitudes dos outros artistas. Disso surgiram as famosas desavenças com o papa Júlio 2º, retratadas no filme Agonia e Êxtase (1965), que trata do projeto de pintura da Capela Sistina e leva o espectador ao mundo das cidades italianas do Renascimento. O enredo, baseado no livro do mesmo nome de Irving Stone, recorre a uma vasta pesquisa, usando as cartas de Michelangelo e a biografia do artista, escrita por Vasari em 1550 e ampliada em 1568, para ilustrar o embate entre dois temperamentos difíceis. De um lado, um artista atormentado, que se acreditava dotado de inspiração divina, e de outro um papa guerreiro e irascível. A biografia e as cartas mostram também o relacionamento difícil de Michelangelo com o pai, Ludovico, um magistrado apagado e de pouco tino para negócios, que tentou dissuadir o filho da ideia de tornar-se escultor, aos 13 anos.
Nascido em Caprese, na zona rural, em 6 de março de 1475, Michelangelo teve a sorte de ter se mudado com a família para Florença, a mais rica das cidades-estado italianas, dominada desde 1469 por Lorenzo de Medici, o Magnífico. Em 1489, Lorenzo descobriu o jovem aprendiz, cujo talento como escultor já começava a aparecer, e o convenceu a morar no palácio, onde havia fundado uma oficina para artistas. Pouco mais que um garoto, Michelangelo teve então a oportunidade de conviver com os filhos do poderoso Medici, estudando com os melhores professores particulares da Itália.
Foi no período de aprendizado no palácio que o artista realizou as duas primeiras obras que sobreviveram até os nossos dias. São os baixos-relevos Madona da Escada e Batalha dos Centauros. Nelas já se pode encontrar pistas do que Michelangelo posteriormente faria na Capela Sistina. Primeiro a preocupação com cada detalhe do corpo: veias, músculos, ossos, que sobressaem na variedade de posições.
As formas traduzem sensações como medo, preocupação, desespero e sofrimento, refletidas também nas imagens de santos e pecadores. "Michelangelo sai da imitação seletiva dos modelos antigos e cria uma nova interpretação da vida", diz Luciano Migliaccio, professor de História da Arte na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Essa ideia é muito repisada por Vasari e, segundo Migliaccio, instruída pelo próprio biografado. "Michelangelo queria construir a imagem de um gênio, sabia que disso dependia o seu status como artista", explica. "Ele quer deixar registrado que, mais do que seguir as regras antigas, possui uma marca própria, individual, uma espécie de liberdade que estaria na raiz da superação dos artistas anteriores."
Apesar disso, nesses primeiros tempos, o escultor não conseguia sobreviver de sua arte. Após a morte de Lorenzo, passou necessidade sem o protetor e com o caos que se seguiu em Florença. E para se manter ocupado e ganhar algum dinheiro, participou de um embuste. Fez uma estátua simulando uma antiguidade romana envelhecida artificialmente e enviou para Roma, onde, de mão em mão, acabou na posse de um cardeal. Grande colecionador, o religioso não engoliu a alegada antiguidade da obra, mas pagou o preço pedido em troca do nome do autor. Assim, Michelangelo foi convocado a Roma pela primeira vez.
Ali começou a trabalhar em um tema 100% cristão - a Pietà, que está na Basílica de São Pedro, no Vaticano, atrás de sólidos vidros que a protegem de atentados como o que quase a destruiu em 1972. A obra ainda hoje é considerada pelos especialistas a escultura em mármore mais refinada desde a queda de Roma, mil anos antes. Mostra uma Maria jovem demais para ser a mãe de um filho morto, aos 33 anos, como um sinal da beleza eterna da Virgem. Foi a consagração do autor.
Michelangelo voltou então para Florença, convocado para realizar a obra que simbolizaria a cidade. O tema escolhido foi o personagem bíblico Davi, retratado no exato momento em que decide combater Golias, em uma estátua com mais de 4 m de altura. Exposta ao ar livre para que todos pudessem admirá-la, hoje encontra-se na Galleria dell¿Accademia, enquanto a praça em frente exibe uma réplica do mesmo tamanho.
A fama recém-conquistada chegou aos ouvidos do novo papa, Júlio 2º, apelidado de Terrível. Michelangelo foi convocado em 1508 para se estabelecer em Roma. O pontífice tinha a intenção de recuperar para a cidade a glória da antiga capital do Império Romano e isso incluía ser enterrado em um mausoléu que ofuscasse o de todos os papas anteriores. Para isso, queria a participação do maior escultor do mundo, e Michelangelo começou a trabalhar dali a alguns meses. Duas esculturas do túmulo, Moisés e Os Escravos, só foram concluídas em 1513, após a morte do papa. Conta Vasari que, depois de terminar Moisés, Michelangelo teria batido no joelho da escultura e exclamado: Parla! ("Fala!").
No meio do trabalho do mausoléu, veio a contraordem: o papa decidiu que ele deveria pintar o teto da sua capela privada e sede do conclave, onde até hoje o Colégio de Cardeais reúne-se para eleger o papa. Durante toda a sua vida, Michelangelo definiu-se como um escultor, considerando a pintura uma arte menor. Mas não havia como dizer não ao papa. Assim, de 1508 a 1512, entregou-se à pintura. Durante toda a obra, Michelangelo dispensou a ajuda de assistentes, trabalhando de pé, com a cabeça virada para cima. Comia enquanto pintava. À noite desenhava os cartões com as figuras que seriam transferidas para o teto na manhã seguinte. Colocou tapumes que escondiam todo o trabalho, que nem mesmo o papa poderia acompanhar.
Em sua biografia, Vasari relata que, quando Júlio 2º, impaciente, o interrogava para saber quando a obra ficaria pronta, respondia: "Quando eu acabar!" Numa das vezes, o papa furioso bateu-lhe com o cajado nas costas e ameaçou jogá-lo dos andaimes. Em várias ocasiões, atrasou o pagamento. Mas valeu a pena. Na abóbada de cerca de 1 000 m2, a 20 m de altura, há aproximadamente 300 figuras, representando 7 episódios do Gênesis, além de profetas, sibilas, que teriam anunciado a vinda de Cristo, e cenas da história do povo de Israel.
No total, Julio 2º pagou 3 mil ducados pelo trabalho. Feitas as contas, segundo o livro A Arte Secreta de Michelangelo, dos pesquisadores Gilson Barreto e Marcelo de Oliveira, em valores atuais corresponderia a cerca de 620 mil dólares. Significava que Michelangelo, a partir dali, era um homem rico. Mesmo assim, continuou a trabalhar até morrer, aos 89 anos, deixando obras fantásticas que marcaram para sempre a história da arte, entre elas O Juízo Final, encomenda do papa Clemente 7º, na parede frontal da Capela Sistina. Para ele, o mais importante era ser reconhecido pelo seu gênio artístico autônomo, ideia que viria a se firmar nos séculos posteriores.
Saiba mais
Livro
Michelangelo e o Teto do Papa, Ross King, Record, 2005
Revista Aventuas na História
sábado, 16 de junho de 2012
Te Contei, não ? - Encontrados os escombros do Teatro " The Curtain"
Os escombros do teatro 'The Curtain', onde William Shakespeare teria estreado obras como 'Enrique V' e 'Romeu e Julieta', foram encontrados no leste de Londres, informou nesta quarta-feira o Museu de Arqueologia da capital britânica.
Os responsáveis deste museu qualificaram o achado como 'emocionante', já que a localização exata do teatro era tida como um 'mistério'. Até então, sabia-se que o teatro tinha sido inaugurado em 1577 e que se encontrava no bairro de Shoreditch, em Londres.
Como parte de um trabalho de restauração, os arqueólogos do museu encontraram vestígios do teatro 'em bom estado de conservação', como o pátio e os muros de uma galeria, a três metros de profundidade.
Com as escavações, que deverão seguir adiante, os arqueólogos encontram o teatro (The Curtain) em uma rua do bairro de Shoreditch. O local fica a poucos metros do lugar onde o 'The Theatre', teatro onde Shakespeare estreou como ator e onde representou suas primeiras peças, foi encontrado em 2008.
Um porta-voz das escavações assegurou que se trata de um dos descobrimentos 'mais importantes' dos últimos anos relacionados com o dramaturgo inglês. Isso porque, desde 1622, os arqueólogos e os historiadores tinham perdido o rastro do teatro.
O 'The Curtain' foi a sede da companhia de Shakespeare, 'The Lorde Chamberlains Men', de 1577 até 1597, época em que o dramaturgo britânico apresentou obras como 'Romeu e Julieta', 'Sonho de uma Noite de Verão' e 'Enrique V'.
A lenda conta que o ator e diretor do teatro, James Burbahe, acabou com o teatro da noite para o dia por causa de um problema com o proprietário do edifício. Posteriormente, o mesmo Berbahe fundou o 'The Globe', onde a maioria das obras de Shakespeare foi representada.
Desta forma, espera-se que as escavações sejam abertas ao público no futuro e, inclusive, que reconstruam o teatro, assim como ocorreu com o 'The Globe', uma recriação do teatro original que se encontra às margens do Rio Tâmisa.
O diretor da Royal Shakespeare Company, Michael Boyd, disse hoje que esse descobrimento é 'inspirador' e que 'desejava tocar o barro e as pedras para sentir a presença de um espaço onde as primeiras obras de Shakespeare causaram um grande impacto'.
A Plough Yard Developments, a empresa de construção proprietária do terreno onde os escombros do teatro foram encontrados, revelou que esperam poder trabalhar em parceria com o Museu Arqueológico de Londres, especialistas em Shakespeare e autoridades locais para possibilitar o acesso do público às escavações. Para a empresa, o ideal seria elaborar um novo projeto urbanístico em torno do local. EFE
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Um pouco de William Shakespeare ......
William Shakespeare
— Devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer.
— Até mesmo a bondade, se em demasia, morre do próprio excesso.
— O cansaço ronca em cima de uma pedra, enquanto a indolência acha duro o melhor travesseiro.
— Vazias as veias, nosso sangue se arrefece, indispostos ficamos desde cedo, incapazes de dar e de perdoar. Mas quando enchemos os canais e as calhas de nosso sangue com comida e vinho, fica a alma muito mais maleável do que durante esses jejuns de padre.
— Ninguém poderá jamais aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo como mestre. A experiência se adquire na prática.
— Se o ano todo fosse de feriados, o lazer, como o trabalho, entediaria.
- Ventre grande é sinal de espírito oco; quando a gordura é muita, o senso é pouco.
— Que é o homem, se sua máxima ocupação e o bem maior não passam de comer e dormir?
— Do jeito que o mundo anda, ser honesto é (igual) a ser escolhido entre dez mil.
— Hóspede oferecido (...) só é bem-vindo quando se despede.
— Um homem inteligente pode transformar-se num joão-bobo, quando não sabe valer-se de seus recursos naturais.
— Quem não sabe mandar deve aprender a ser mandado.
— A mulher que não sabe pôr a culpa no marido por suas próprias faltas, não deve amamentar o filho, na certeza de criar um palerma.
— As coisas mais mesquinhas enchem de orgulho os indivíduos baixos.
— Ninguém pode calcular a potência venenosa de uma palavra má num peito amante.
— Sábio é o pai que conhece seu próprio filho.
— Tem ventura fugaz, sempre periga, quem se fia em rapaz ou rapariga.
— Ser ou não ser... eis a questão.
— É estranho que, sem ser forçado, saia alguém em busca de trabalho.
—As mais belas jóias, sem defeito, com o uso o encanto perdem.
— O bom vinho é um camarada bondoso e de confiança, quando tomado com sabedoria.
— Nunca poderá ser ofensivo aquilo que a simplicidade e o zelo ditam.
William Shakespeare (1564-1616), o mais famoso dramaturgo e poeta inglês de todos os tempos, compôs suas peças durante o reinado de Elizabeth I (1558-1603) e de James I, que a sucedeu. Casou-se em 1582 com Anne Hathaway, que tinha 26 anos e estava grávida. O casal teve uma filha, Susanna, e dois anos depois tiveram os gêmeos Hamnet e Judith. Por volta do ano de 1588, mudou-se para Londres e, em 1592, já fazia sucesso como ator e dramaturgo. Mas, eram suas poesias — e não suas peças — que eram aclamadas pelo público. Em virtude da peste, os teatros permaneceram fechados entre 1592 e 1594, impossibilitando seu contato com o público. Publicou dois poemas, "Vênus e Adônis", em 1593, e "O Rapto de Lucrécia", em 1594. Estes dois poemas e seus "Sonetos" (1609), que tornaram-se famosos por explorar todos os aspectos do amor, trouxeram-lhe reconhecimento como poeta. Escreveu mais de 38 peças, que estão divididas entre comédias, tragédias e peças históricas. Seus escritos são famosos até os dias de hoje, e suas atuações trouxeram-lhe riqueza (ele era sócio da companhia de teatro). Shakespeare não publicava suas peças, já que a dramaturgia não era bem paga. Na época, não havia direitos autorais. O autor pretendia que suas peças fossem representadas em vez de publicadas.
Com o dinheiro adquirido na companhia teatral, comprou uma casa em Stratford-upon-Avon e muitas outras propriedades, tais como hectares de terras férteis e uma casa em Londres. Escreveu a maioria de suas peças entre 1590 e 1611. Por volta de 1611, ele aposentou-se em Stratford-upon-Avon, onde havia estabelecido sua família.
Shakespeare morreu em 23 de abril de 1616, no mesmo mês e dia tradicionalmente atribuídos como sendo de seu nascimento.
Algumas obras:
Comédias
A Comédia dos Erros
Os Dois Cavalheiros de Verona
Sonho de Uma Noite de Verão
O Mercador de Veneza
Muito Barulho Por Nada
Como Quiserdes
A Megera Domada
A Décima Segunda Noite.
Peças Históricas
Ricardo II
Henrique IV - Partes I e II
Henrique V
Henrique VI - Partes I, II e III
Ricardo III
Rei João
Henrique VIII.
Tragédias
Romeu e Julieta
A Tempestade
Júlio César
Antônio e Cleópatra
Hamlet
Othello
Rei Lear
Macbeth.
As citações acima foram extraídas do livro "Shakespeare de A a Z: livro de citações", L&PM Editores - Porto Alegre (RS), 2004, seleção de Sérgio Faraco, tradução de Carlos Alberto Nunes.
domingo, 28 de agosto de 2011
Você sabia ?????
A inquietude do gênio
Elisa Byington
Exposição redescobre o excepcional renascentista Lorenzo Lotto. Desafiou convenções sacras, antecipou o barroco e foi um iluminado, mesmo depois de abdicar do mecenato veneziano. Por Elisa Byington, de Roma. Imagem: Accademia Carrara-Gamec/Bergamo
Só, sem caminho certo e muito inquieto de mente”, descreveu-se Lorenzo Lotto (1480-1556) no melancólico testamento redigido aos “cerca de 66 anos”, ocasião na qual se recolheu como religioso na Santa Casa de Loreto. Devoto, esquivo, suscetível e ansioso, o pintor teve o nome quase esquecido pela história. Ainda assim, a excelência de sua produção renascentista continuava a integrar as maiores coleções internacionais. Mas suas obras de composição refinada e qualidade pictórica singular apenas foram apreciadas, copiadas e compradas quando atribuídas a outros grandes nomes da pintura, como Ticiano, Giorgione, Corregio, Hans Holbein e Van Dyck.
Lotto, contudo, tinha um estilo próprio ao pintar. Ele datou e assinou a maior parte de seus trabalhos, e buscou fazê-lo em locais com significado narrativo na tela, a atestar sua participação emotiva dentro dela. Veja-se o nome “cinzelado” aos pés do anjo que anota as súplicas dos fiéis em Retábulo de San Bernardino. Ou aquele escrito em um bilhete colocado entre cerejas e laranjas, símbolos de sacrifício e recompensa, no primeiro plano do quadro no qual Cristo se despede da Virgem Mãe. Ou, ainda, a assinatura sobre um braço da cruz de Cristo na subida do Calvário, obra que antecipou o naturalismo e a teatralidade adotados pelo barroco cem anos depois.
Nascido em Veneza, chamado de pintor celeberrimus nas primeiras décadas de carreira, Lorenzo Lotto flertou com o passado e antecipou o futuro. Pertenceu à espetacular leva de pintores, entre eles Bellini, Vivarini, Palma il Vecchio, Giorgione, Ticiano, Tintoretto, Veronese e Carpaccio, que fez a glória da cidade quando esta perdia a invencibilidade nos mares. Gozava-se então do fausto acumulado e respirava-se uma refinada cultura humanística que resultaria em quadros alegóricos de mensagens cifradas. Nesta realidade cultural, o pintor se inseriu como protagonista.
Uma exposição até 12 de junho, nas Scuderie del Quirinale, em Roma, reconstrói a trajetória desse gênio inquieto, que jamais se adaptou às cortes nem se ligou a mecenas, marcado pela independência e por um sentimento de inadequação que o tornaria afeito à sensibilidade atual. Entre as cerca de 60 obras expostas, há retratos, alguns dos mais notáveis do Renascimento, e originalíssimas composições sacras em telas, 11 polípticos e retábulos monumentais.
Apreciar tais obras em uma única oportunidade deve contribuir de maneira decisiva para a recondução de Lorenzo Lotto aos livros de história da arte. Contudo, a espetacular exibição não faz inteiramente jus à obra do pintor. Isso porque mostra no mesmo local os polípticos que requereriam peregrinação pela região das Marcas e da Lombardia para ser de todo apreciados. Conhecer Lorenzo Lotto de maneira integral significa viajar até as igrejas onde suas obras foram originalmente expostas. Dentro dessas construções, artisticamente inferiores às invenções do pintor, a obra do artista ganha sentido visionário.
É possível que o anseio de liberdade, a vontade de experimentar soluções novas e a necessidade de indagar sobre a existência humana, somados à incapacidade de transitar pelo poder, tivessem levado Lorenzo Lotto a abandonar a ribalta veneziana e a procurar fora dela outra classe de mecenas. Profissionais liberais, ricos comerciantes e a pequena aristocracia eram menos comprometidos com o gosto dominante na cidade cosmopolita. A escolha de Lotto favoreceu o não menos genial Ticiano, pintor da província, mas com talento para interpretar a vontade dos poderosos e as demandas dos venezianos. Lotto deixou-lhe o campo livre e foi trabalhar em arredores como Recanati e Loreto.
“Ninguém consegue colher o candor dos olhares e a verdade de um personagem como Lorenzo Lotto”, escreveu Bernard Berenson no ensaio de 1895 que redescobriu o pintor. O novo interesse ocorria dentro do horizonte da psicanálise, na vigília de um século mais sensível às razões do seu percurso biográfico, marcado pela inquietude e pelo nomadismo. Nas paróquias e cidades de uma região italiana, até hoje alheia ao turismo, o artista experimentou uma nova síntese entre passado e presente, misturou elementos da tradição bizantina e medieval e antecipou a teatralidade barroca.
Esse é o caso da Giuditta com a Cabeça de Holofernes, que, em razão de sua ousadia, havia sido atribuída a algum “seguidor de Caravaggio”. A crítica julgara que o quadro fora composto um século- depois de seu ano de realização, 1512, até que pesquisas recentes restituíram à obra as verdadeiras data e autoria. O mesmo ocorreu com Retábulo de San Bernardino, pertencente a uma igreja nos arredores de Bergamo e agora presente na exposição. Na obra, anjos em voo cobrem a cena sacra com um grande pano verde, trazendo-o na direção do espectador.
Lotto surpreende com obras novas para o período, como a Anunciação do museu de Recanati, na qual, ao susto da Virgem com a aparição do anjo, corresponde o pulo do gato que foge. Seus sentimentos são revelados ali de maneira inédita dentro de um dos gêneros mais codificados da pintura sacra. E o retrato das Virgens raramente corresponde à iconografia tradicional. De nariz forte, sobrancelha espessa, pescoço pouco aristocrático, sua figura angulosa é dissonante do gosto do período. O tema contido em Matrimônio Místico de Santa Catarina com Jesus (Sposalizio Místico di Santa Caterina) retornaria em diversos quadros. Colorista extraordinário, pintor de rara qualidade na representação das aparências da matéria, dos veludos às joias, das rugas às verrugas, Lotto nunca tornou suas imagens plácidas ou tranquilizantes. Pintor anticlássico, recusou a grandiosidade escultórica que o rodeava e retratou a humanidade cheia de tormentos.
REVISTA CARTA CAPITAL
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