sexta-feira, 27 de março de 2015

Te Contei, não ? - No Dia da Água, um sinal de alerta


GABRIEL SABÓIA
Rio - Diante da maior estiagem dos últimos 84 anos e em meio à maior crise de abastecimento da história, o Rio celebra o Dia Mundial da Água torcendo por momentos melhores. A pouco mais de 500 dias da abertura dos Jogos Olímpicos, especialistas explicam como o estado, conhecido pela abundância de água, chegou ao nível de alerta em relação ao desabastecimento, indicam alternativas de reaproveitamento hídrico e apontam medidas para atenuar impactos futuros.
“A situação vivida no Rio é diferente da de São Paulo, já que extraímos água do manancial do Paraíba do Sul, enquanto o estado vizinho aposta nos reservatórios, que permanecem baixos”, afirma o diretor de produção da Cedae, Edes Fernandes. De fato, não basta apelar para que São Pedro envie chuvas torrenciais. No Rio — estado que foge à regra nacional, onde mais de 60% do consumo é doméstico —, o uso responsável por cidadãos e indústrias é fundamental. 
Embora ainda não existam incentivos fiscais a empresas que utilizem água de reúso, é crescente a consciência corporativa. “A água tratada em estações de esgoto não é potável, mas deve ser utilizada na construção civil e indústrias, deixando o estado potável apenas para o consumo humano”, ressalta Edes, que cita o uso e larga escala no Simperj e na Reduc. 
Conter a poluição das lagoas da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá é um dos desafios apontados
Foto:  Alexandre Vieira / Agência O Dia
Já o coordenador do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) , Alex Souza Silva, ressalta o número de residências sem saneamento básico, o que acentua o assoreamento de rios e polui alguns dos palcos das competições da Olimpíada de 2016: “O despejo de matéria orgânica nas águas decorre dos processos de ocupação desordenada e favelização.” 
Apesar da garantia de expansão do serviço, o panorama da Cedae para a Baía de Guanabara não é dos melhores, já que ecobarreiras e ecobarcos devem proteger os atletas de detritos maiores. Disputado pelos estados do Sudeste, o potencial do Sistema Hidráulico do Paraíba do Sul passa por uma fase de otimização.
Segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, manobras feitas já garantiram o armazenamento de mais de 700 milhões de metros cúbicos de água desde maio de 2014, o que resguardaria o estado em futuros períodos de seca. A Cedae aposta na construção da estação Novo Guandu, que deve ser finalizada em até quatro anos. Com a elevatória, a produção de água tratada aumentaria em dez mil litros por segundo.
Reúso e dessalinação são saídas 
Tecnologia desenvolvida pela Coppe, centro de pesquisa em engenharia da UFRJ, pode ser a solução contra a pior crise hídrica enfrentada pelo estado. O sistema utiliza membranas, que funcionam como um superfiltro, para purificar águas poluídas e retirar sais da água do mar. O modelo que já é usado nos países do Oriente Médio poderá baixar em até 70% a conta da água. Hoje se gasta, em média, R$ 30 por metro cúbico de água, com o reúso, o valor cai para R$ 8 pelo mesmo volume. Estados Unidos e China já adotam o sistema.
Borges critica a importação de tecnologia disponível pela UFRJ
Foto:  Alexandre Brum / Agência O Dia
No Rio, a tecnologia da Coppe já despertou a atenção de indústrias para utilização nos sistemas de refrigeração. Responsável pelo Laboratório de Processos de Separação com Membranas do Programa de Engenharia Química, o professor Cristiano Borges espera que o governo do estado se interesse em usar o sistema disponível pela Coppe para atender à população fluminense, em vez de importar tecnologia de outros países. “Só há duas soluções para a escassez da água: o reúso que esbarra no preconceito e a dessalinização da água do mar”, diz Borges.
Há 50 anos, a Estação do Guandu 
Hugo de Mattos, coordenador das obras de criação da Estação de Tratamento do Guandu, há 50 anos, lembra da árdua tarefa que foi fazer com que o abastecimento chegasse a todas as regiões. “Na Zona Sul, o abastecimento não era pleno. Nas zonas Norte e Oeste, moradores ficavam semanas sem água. “A saída foi fazer um túnel subterrâneo de grandes dimensões que ligava Nova Iguaçu até o Jardim Botânico. De lá, outro subtrecho cortava a Zona Norte com água do Rio Paraíba do Sul”, recorda. 
Para ele, as atenções devem ser voltadas para bairros em pontas de linha, como Barra da Tijuca e Recreio. No entanto, ele descarta o tratamento da água de pequenos rios da região. “Seria caro e não daria vazão. A solução passa por expandir o sistema já existente”, conclui.
Hugo de Mattos coordenou a implantação da Estação do Guandu
Foto:  Fernando Souza / Agência O Dia
O desenvolvimento de novas formas de captação de energia em larga escala também devem ser postas em discussão, afirma Alex Souza e Silva. “Não podemos desconsiderar um momento de escassez máxima, em que o consumo e a energia ficariam prejudicados pela falta d’água”, ressalta. Para a conscientização do uso responsável da água, a Cedae recebe por ano mais de 14 mil crianças na estação de Tratamento do Rio Guandu, onde elas acompanham todas as etapas do processo de tratamento e aprendem a importância de preservar a água.

Crônicas do Dia - A arte de enganar - Frei Betto

Eufemismo é a arte de dizer uma coisa e acreditar que o público escuta ou lê outra. Jeitinho de escamotear significados

O DIA

Te Contei, não ? - O Teatro Grego

O teatro na Grécia antiga teve suas origens ligadas a Dionísio, divindade da vegetação, da fertilidade e do vinho, cujos rituais tinham um caráter orgiástico. Durante as celebrações, que duravam seis dias, em honra ao deus, em meio a procissões e com o auxílio de fantasias e máscaras, eram entoados cantos líricos, os ditirambos, que mais tarde evoluíram para a forma de representação plenamente cênica como a que hoje conhecemos através de peças consagradas.


Crônica do Dia - Jorge Mautner - Conexão Brasil - Índia

Aqui toda a grande mitologia da profunda cultura da negritude absorveu estes arquétipos indianos

Conotação


Te Contei, não ? - Helena - Outros Olhares

Hoje vamos falar sobre um dos livros mais famosos da literatura brasileira: Helena, romance escrito por Machado de Assis e publicado em 1876. A história é simples e fácil de ser assimilada. Trata-se do amor, dito "impossível", entre um rapaz e uma moça que, em princípio, são irmãos, mas que depois descobrem não existir grau de parentesco entre eles.

Te Contei, não ? - Helena - Outros Olhares

O romance "Helena"
de Machado de Assis é um romance urbano e faz parte de movimento artístico do século XVIII. O Romantismo busca explicar o nacionalismo e a valorização do passado, voltado ao amor medieval, que passa a ser o tema de grandes romances e poemas.

Te Contei, não ? - 1808 - a chegada da Família Real ao Brasil



Vale a pena consultar este site abaixo :

http://educarparacrescer.abril.com.br/1808/

Resenhando - José Eduardo Agualusa - Tradutor de mundos

RIO — Era uma rainha africana com um harém de 50 homens, aos quais ela se referia como “minhas mulheres” — e os vestia como tal. A Rainha Ginga, por sua vez, vestia-se de homem. Ajudou os holandeses, que já ocupavam o Nordeste do Brasil, a dominar Luanda. Lutou pela independência de seu povo. Guerreou e depois fez alianças com os portugueses. E, assim, virou figura central da história angolana no século XVII, de forma que crescer em Angola sem ouvir o nome dela seria como crescer no Brasil sem saber quem é Zumbi dos Palmares.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Te Contei, não ? - A vinda da família real

No século XIX, Napoleão Bonaparte  tornou-se soberano do império da França, seu objetivo era apoderar-se de toda a Europa. Para alcançar tal intento devassou o exército de diversos países, porém o mesmo não conseguiu com as forças militares e navais da Inglaterra. Para enfrentar-los, Napoleão decretou o Bloqueio Continental - determinação que vetava os países da Europa de negociar com a Inglaterra.


Neste momento da história, Portugal era governado pelo provável herdeiro da coroa, Dom João. Portugal e Inglaterra eram velhos cúmplices, o que deixou Dom João em uma posição delicadíssima. A situação dele não era nada fácil, o que fazer? ir contra Napoleão e correr o risco de uma invasão francesa ou esperar para ver a Inglaterra invadir o Brasil? Nem uma nem outra atitude era fácil para D. João.

A saída encontrada, em conluio com os ingleses, foi a mudança da comitiva portuguesa para o Brasil. Em novembro de 1807, sob proteção da força naval inglesa, D. João, sua linhagem e a nobreza que o rodeava mudaram-se para o Brasil. Aportaram em território brasileiro cerca de quatorze navios com 15 mil pessoas. Após a chegada da linhagem real, Dom João passou alguns dias em Salvador, quando tomou duas decisões que deram uma injeção de ânimo na economia brasileira: determinou a abertura dos portos aos países amistosos e a autorização para a instalação de indústrias, antes coibida por Portugal.

Surgiram várias fábricas e trabalhos manuais em tecido, mas que não foram adiante devido à confluência dos tecidos ingleses. Entre outros feitos importantes para a economia, pode-se citar a construção de estradas, melhorias nos portos e o ingresso do chá no país. A atividade agrícola voltou a crescer. No início do século XIX, o açúcar e o algodão subiram no ranking das exportações, ficando em segundo lugar, e o café subiu para o topo nas exportações brasileiras.

Após sair de Salvador, o rei foi para o Rio de Janeiro, lá chegando em 08 de março de 1808, transformando a cidade em residência fixa da corte portuguesa. A chegada da família real ao Brasil e sua instalação no Rio de Janeiro trouxeram para a colônia o status de Reino Unido de Algarves. Coube à D. João instituir alguns ministérios, entre eles o da Guerra, da Marinha, da Fazenda e do Interior. Estabeleceu órgãos fundamentais para o bom andamento do governo, como o Banco do Brasil, a Casa da Moeda, a Junta Geral do Comércio e o Supremo Tribunal. As melhorias não foram só econômicas, mas também culturais e educacionais. A Academia Real Militar, a Academia da Marinha, a Escola Real de Ciências, de Artes e Ofícios, a famosa Academia de Belas-Artes e dois colégios de Medicina e Cirurgia, no Rio de Janeiro e em Salvador, foram algumas das contribuições recebidas com a vinda da realeza para o Brasil. Entre outras benfeitorias, pode-se citar a criação do Museu Nacional, do Observatório Astronômico, a Biblioteca Real - combinação de diversos livros e documentos que vieram de Portugal -, a estréia do Real Teatro de São João e o surgimento do Jardim Botânico.

O Brasil, enquanto colônia, não possuía nenhum meio de comunicação, até então proibido oficialmente, contudo a vinda de D. João mudou essa realidade. Em 10 de setembro de 1808, imprimiu-se o primeiro jornal do país, a Gazeta do Rio de Janeiro. Porém, nem tudo foi glória, os cariocas tiveram que arcar com o alto custo de tudo, além de serem coagidos a doar alimentos e tecidos para manter a mordomia da Corte, que não se importava em esbanjar. A imagem que D. João passa logo que chega não é bem vista por muitos moradores, que se vêem obrigados a ceder seus imóveis privados para que a coroa abrigue todos os que vieram consigo, os que aqui chegaram tiveram carta branca para escolher a residência que melhor lhes conviesse. Feita a escolha, estas casas eram marcadas com as letras P.R, que queriam dizer Príncipe Regente, e a partir daí estipulavam um tempo determinado para que seus moradores as desocupassem.

Foi com o intuito de empregar essas pessoas que D. João criou os órgãos acima citados. O Rio de Janeiro passou por uma grande transformação, expandiu-se, ganhou chafarizes, para que houvesse fornecimento de água, pontes e calçadas, assim a realeza poderia caminhar despreocupadamente. Construíram-se ruas e estradas, e a iluminação pública foi instalada.

Enquanto o Brasil se vangloriava por ter deixado de ser colônia e o Rio de Janeiro se transformava na sede do reino, em Portugal a situação não era das melhores, o povo encontrava-se depauperado em conseqüência da guerra contra Napoleão e o comércio estava em decadência devido à abertura dos portos brasileiros.

Revoltados, os portugueses exigiram, em 1820, a volta de D. João, com a eclosão, ao norte de Portugal, da Revolução do Porto. Pediam também que fossem banidos os administradores estrangeiros e o comércio brasileiro fosse realizado somente pelos mercantes de Portugal. D. João resolveu que a melhor solução para esses problemas era sua volta para Portugal, a qual deu-se em 26 de abril de 1821, porém aqui ficou seu filho, D. Pedro, no papel de governante do Brasil, satisfazendo desta forma não só os portugueses, mas também os brasileiros. O embarque de D. João foi bastante conturbado, pois este decidiu levar consigo o dinheiro e o ouro do Banco do Brasil. Foi necessário D. Pedro determinar que as tropas dessem um fim ao burburinho, evitando desta forma que o navio atracado fosse invadido e revistado. Desta forma, D. João foi-se embora, assim como nosso dinheiro esvaiu direto para os cofres de Portugal.

Te Contei, não ? - O Paço imperial

O Paço Imperial

é um edifício colonial localizado na atual Praça XV, no centro histórico do Rio de Janeiro, Brasil.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Te Contei,não ? - Down, com muito orgulho

No mês dedicado à Síndrome de Down, várias ações buscam conscientização

Segundo levantamento, para 83% dos entrevistados a presença dos que têm a síndrome melhora a empresa e deixa o chefe mais capacitado para resolver problemas

BEATRIZ SALOMÃO

Artigo de Opinião - Protesto da Casa Grande - João Batista Damasceno

“As manifestações de 2015 não se relacionam com as jornadas de 2013. Aquelas tinham pauta, embora difusa, que incluía melhoria no transporte público. Mas jovens foram presos, o movimento social, criminalizado, policiais da Força Nacional atuaram — à margem da lei — como infiltrados, e seus depoimentos se prestam ao liberticídio. O acolhimento das demandas das jornadas de 2013 poderia ter produzido fortes defensores da democracia e não se precisaria pagar a manifestante para apoiar as instituições, ameaçadas pelo golpismo. "Sem o povo não adiantam as fortalezas", escreveu Maquiavel em 1513, pois em tempo de crise elas se voltam contra o príncipe”.

Te Contei, não ? - Ressurreição - Outros olhares

"Ressurreição" é o primeiro romance do mestre Machado de Assis. Publicado no ano de 1972, está incluído entre a obra romântica do autor.


Te Contei, não ? - Pedras no Caminho



CECILIA RITTO

Pouca gente conhece tão a fundo o fosso que separa o Brasil dos melhores países em sala de aula quanto Ruben Klein, 68 anos, doutor em matemática pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ex-elaborador de provas como Enem e Saeb e hoje analista dos resultados dos exames do MEC baseado na Fundação Cesgranrio. Há três décadas imerso na numeralha que mostra o ensino brasileiro marchando a passos lentos, ele listou a VEJA os gargalos que precisam ser vencidos para que se pavimente de uma vez por todas o caminho da excelência.

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Te Contei, não ? - Libertadores de escravos

Libertadores de escravos
Quem são e como agem os profissionais cuja missão é percorrer o País para resgatar trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão


Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)

Resenhando - O dia em que tentaram matar Tancredo


Biografia recém-lançada joga luz sobre a trajetória política e pessoal de um dos maiores estadistas da história do País, com episódios desconhecidos de sua vida como a tentativa de assassinato durante a campanha presidencial de 1984



Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br)

Te Contei, não ? - A casa onde Jesus passou a infância


Arqueólogos descobrem sob as ruínas de um convento em Nazaré o local onde Cristo teria vivido seus primeiros anos e concluem, pela estrutura do imóvel e os objetos encontrados, que a sagrada família seria de classe média



Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br)

terça-feira, 24 de março de 2015

O Demônio familiar - Novos Olhares

A peça de José de Alencar reúne alguns dos ingredientes românticos mais convencionais. Todo o enredo é montado sobre tensões, maledicências, fofocas, mal-entendidos, que lhe dão o ritmo rocambolesco e complicado das narrativas folhetinescas do Romantismo. Estão presentes, ainda, os inescapáveis obstáculos para a realização amorosa do par central, como o projetado casamento da heroína com Azevedo e as atitudes de Pedro, que fazem com que o herói não se sinta amado por Henriqueta. 

Mas Alencar conduz as confusões da narrativa até o nível das contradições, que fazem com que a peça atinja um nível superior, ao expor ao espectador diferentes perspectivas a respeito dos conceitos em jogo. Assim, o amor romântico aparece em duas formas distintas: de um lado, o amor contido e conformado de Henriqueta, que se submete às vontades do destino; de outro, o amor decidido e ativo de Carlotinha, que luta por seu amor, não se rendendo às circunstâncias que conduziam à inevitável separação. A peça vai ainda além: há, de um lado, o amor ornamental defendido por Azevedo; de outro, o amor que é pura sinceridade proposto por Alfredo. Os dois rapazes personificam ainda duas posições contrárias a respeito da arte brasileira: o afrancesado Azevedo vê nela apenas imitação de modelos europeus, enquanto Alfredo – nesse sentido, porta-voz do autor – destaca seus traços de originalidade e nacionalismo. 
A peça consegue ainda registrar os novos costumes de uma sociedade que se urbaniza com rapidez. A novidade capitalista atinge as relações sociais, colocando em foco a chamada question d’argent (problemas financeiros), um dos temas mais frequentes do nascente Realismo francês. Ressalve-se que essa questão é focalizada de uma perspectiva romântica, na medida em que desvia os homens de sentimentos verdadeiros. Além disso, há uma cena em que se relata o interesse que as vitrines coloridas despertam em Pedro – sugestão de que aqueles novos hábitos teriam contribuição decisiva nos desvios morais do menino. 
A moral da peça é justamente esta: os efeitos do progresso sobre as relações sociais, principalmente para quem – como Pedro – não tem consciência plenamente formada pela educação. Esse argumento caminha no sentido da defesa da escravidão, como forma de tutela sobre o negro que, de outra maneira, estaria submetido aos desvios morais fornecidos pela liberdade plena. Na transmissão dessa moralidade tão peculiar, destaca-se a imagem do herói, Eduardo, moço equilibrado e honrado, cuja nobreza de caráter contrasta com os maus princípios defendidos por Azevedo, com manias europeizadas. 
O livro está disponível para download, confira.
No plano da linguagem, é louvável o esforço de Alencar no sentido de mostrar as potencialidades da língua brasileira, que serve tanto ao coloquialismo desregrado de Pedro quanto à retórica mais educada de Eduardo.


Fernando Marcílio
Mestre em Teoria Literária pela Unicamp
AUTOR





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Crônicas do Dia - Ainda me espanto - Walcyr Carrasco

Confesso: fico assustado cada vez que leio qualquer reportagem sobre o petrolão ou outros escândalos de corrupção no país. Posso ser ingênuo, ter nascido pobre e continuar pensando como um. Mas não consigo imaginar o que é R$ 1 bilhão. Quando leio sobre o desvio de tantos e tantos bilhões de reais de uma única empresa, tento mensurar a quantia. Se empilhasse o bilhão de reais em cédulas de 100, chegaria até a Lua? Talvez.

Personalidade - François Dossa: “Que país é este? Não é sério”

Em 6 de outubro de 2011, a Nissan, sexta maior montadora do mundo, anunciou o plano de investir o equivalente a R$ 2,6 bilhões para construir uma fábrica de carros e motores em Resende, no Rio de Janeiro. Naquele dia, o dólar valia R$ 1,56. Na semana passada, ultrapassou os R$ 3. A desvalorização do real nesse período, de 48%, diminui a recompensa de quem apostou no Brasil. Não é só. O mercado de automóveis encolheu e o número de competidores aumentou. O Inovar-Auto, programa do governo de incentivos fiscais às montadoras, é questionado na Organização Mundial do Comércio. Falhas na oferta de água e energia elétrica, na Região Sudeste, obrigam a fábrica a fazer reformas menos de um ano após a inauguração. Presidente da Nissan no Brasil desde 2013, o economista francês naturalizado brasileiro François Dossa diz por que, apesar das surpresas desagradáveis, mantém a aposta no país.

Te Contei, não ? - A Democracia Inconclusa

O político e jornalista Aristides Lobo escreveu que o povo assistira “bestializado, atônito, surpreso” aos acontecimentos da Proclamação da República, em 1889. Não foi o caso da transição para a democracia, em meados dos anos 1980. Na linguagem da época, a transição se deu “pelo alto”, ainda que hoje nos reste a imagem dos milhões de pessoas nas ruas, ao embalo do canto emocionado de Fafá de Belém.

Crônicas do Dia - Por que sair às ruas

Um bom motivo para participar de manifestações – a favor ou contra Dilma Rousseff – chega a ser pueril. Podemos sair às ruas porque ainda é possível protestar pacificamente no país sem ser preso. O Brasil ainda não virou uma Venezuela; o regime democrático ainda não caiu de “maduro” e algumas instituições não estão podres. Melhor aproveitar e exercer o direito à livre expressão – ou será que não?

Um bom motivo para ficar em casa é não acreditar em nenhuma grande bandeira das manifestações pró e contra. Os grupos se confundem. Se existe algo que não identifica a grande massa de manifestantes e não manifestantes, é a ideologia. A maior burrice é rotular de “direita” ou “esquerda” quem vai numa ou na outra manifestação. Ou quem decide não sair às ruas. Quem são os fascistas? Em qual categoria ideológica se situam os que querem detonar, “com botas e chuteiras”, a política econômica atual de Dilma? Leia-se aí o MST de Stédile.

Pergunte se são de esquerda ou de direita os garis em greve contra o reajuste anual
ridículo de 3%, os caminhoneiros que bloqueiam as estradas, os favelados sem-
casa-esgoto-creche-hospital, os policiais, os professores, os médicos, os comerciantes, os estudantes em fila por senha para estudar. Pergunte se são de esquerda ou de direita os desempregados pela incompetência oficial, ou todos nós que pagamos contas de luz e gasolina estratosféricas pela má gestão do governo.

A resposta será: ah, vem para a vida real, sem esse papo de direita ou esquerda, somos a maioria sem voz, queremos um país que funcione, um governo que não assalte os cofres públicos, uma economia que favoreça o emprego e os empreendedores, sem descontrole da inflação, uma educação de qualidade para todos, uma saúde digna, uma aplicação honesta dos altos impostos que pagamos, uma infraestrutura que nos tire do Terceiro Mundo, uma política de segurança que não deixe as famílias à mercê de criminosos. Queremos bons exemplos de cima e fim da corrupção institucionalizada. É pedir muito?

Se você é a favor da Petrobras e contra o roubo sistemático do PT à Petrobras, a qual manifestação deve aderir? Se você abomina o cinismo dos últimos pronunciamentos de Dilma Rousseff mas é contra o impeachment, deve sair às ruas em protesto ou ir à praia e ao futebol? Se você é contra Eduardo Cunha e Renan Calheiros – e, consequentemente, contra o domínio do pior PMDB –, qual manifestação deve escolher? Ou vai ficar no sofá, um direito seu?

Se você acredita na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se você continua estarrecido com o depoimento frio do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, relatando a distribuição sistemática de propinas milionárias ao PT desde a era Lula até a campanha de Dilma em 2010, como deve se comportar? Sai ou não sai às ruas? Leva suas panelas para o fogo ou para a janela?

Se você se preocupa com a desigualdade social, deve se aliar ao MST e ir contra o ajuste fiscal de Dilma e Joaquim Levy? Mas aí você estará conspirando contra a presidente. Como ela disse na quinta-feira no Rio de Janeiro, o Brasil “esgotou todos os recursos para combater a crise”. Se empresários e sindicalistas se unem em São Paulo contra o ajuste, quem é burguês, quem é coxinha, mãozinha, perninha?

Você acredita que o Brasil está nesse buraco por causa da “crise internacional” e porque Dilma fez tudo pelos pobres – na educação e na saúde? Você acredita na presidente quando ela diz que o governo do PT cortou gastos da máquina? Está faltando pau de selfie no Planalto – a presidente precisa se enxergar sem distorções de foco. Sobra cara de pau. Até o ex-tesoureiro da campanha presidencial de Dilma fez mea-culpa, disse que o PT errou. Quando Dilma assumirá alguma responsabilidade e pedirá desculpas à nação? A presidente nos pede “paciência”. A população deveria pedir à presidente “sinceridade”. Mas é pedir muito.

Quem quer derrubar Dilma no grito esqueceu o que é uma ditadura, não respeita o voto democrático, não pensa no país nem no povo e ainda por cima é ingênuo. Está claro que manifestações por impeachment não são oportunas e não darão em nada.

Quem apoia incondicionalmente uma presidente que fez desandar a economia e as alianças políticas, que resistiu durante meses a afastar a presidente da Petrobras e que mentiu e continua a mentir sobre índices e análises de seu desempenho com uma desfaçatez nunca antes vista não pensa no país nem no povo e ainda por cima é ingênuo.

Pedir impeachment de Dilma não é golpismo, é tolice de desmemoriados. Acreditar em Dilma não é idealismo, é tolice de desmemoriados. Vamos tentar o caminho do meio. Saindo às ruas ou ficando em casa.

Te Contei, não ? - O demônio familiar - comédia de costumes no Teatro Alencariano


Vera Moraes

Algumas vezes mal interpretado por ousar demais, quanto ao tema e seus desdobramentos, José de Alencar intercalou sucessos e fracassos em sua carreira teatral. Passou pelo desgosto de ver algumas de suas peças retiradas sumariamente de cartaz, sob alegação de escancarar faces da corrupção do mundo social e politico diante de famílias presentes ao espetáculo teatral - fato que feria convenções impostas por instituições e pela sociedade da 2ª metade do século XIX:

D e pois de se projetar no meio intelectual do Rio de Janeiro como cronista e romancista, José de Alencar tornou-se um dramaturgo igualmente respeitado pelos seus contemporâneos. Entre 1857 e 1865, ele escreveu seis comédias e dois dramas, nos quais dialogou com o Romantismo e o Realismo, abordando principalmente assuntos que lhe possibilitavam debater os costumes e a vida social de seu tempo. (FARIA: 2005)


O teatro tinha muita importância na vida cultural e social do Rio de Janeiro e havia grande rivalidade entre as duas principais agremiações teatrais daquele tempo: o Teatro São Pedro de Alcântara e o Teatro Ginásio Dramático- esse último procurava oferecer ao público fluminense novidades da cena francesa. As comédias tinham a intenção de divertir o espectador e, na estréia da peça O Demônio Familiar, em 5 de novembro de 1857, a boa receptividade do público e da crítica provocou, de imediato, grande ressonância nos meios culturais da Corte.

Alencar cultivou a comédia realista de temas contemporâneos, tendo sempre, como objetivo principal, a denúncia das desordens da sociedade de seu tempo, no sentido de reafirmar a moral e os bons costumes que deveriam imperar na família brasileira.

Achando que deveria também mostrar a parte corrupta da população, Alencar pagou caro por sua ousadia ao retratar a prostituição, com As asas de um anjo, inspirada no romance francês A Dama das Camélias. Para surpresa do escritor, a peça foi retirada de cartaz depois da terceira apresentação, por ser considerada constrangedora à sociedade fluminense. Em sua defesa, José de Alencar escreveu um longo artigo explicando que "mostrava o vício para melhor castigá-lo".
A Literatura Clássica considerava de mau gosto apresentar cenas que viessem a causar constrangimentos ao público. Na Epístola aos Pisões, Horácio declarava que acontecimentos muito trágicos ou grotescos deveriam chegar à platéia através de uma carta, de um mensageiro, de um comentário, etc, mas, de forma alguma, a cena deveria ser exposta, de forma crua, aos olhares da platéia.

Também Aristóteles argumentava, em sua Arte Poética, que o pathos da tragédia de\·eria causar uma comoção específica - definida por ele como "terror" e "piedade" - ao espectador aturdido por fatos horrendos encadeados pela ação dramática. Mas esses fatos não deveriam ser representados ao vivo - a notícia chegaria na voz de alguém que presenciara a cena e que correria a espalhar a notí­cia, seguindo-se, em cascata, ações igualmente trágicas, precipitando o efeito catártico do desfecho. Sob essa perspectiva tradicional, o teatro inovador de José de Alencar parecia deslocado, aos olhos daquela sociedade, por ser demasiadamente ousado, distanciando-se dos padrões de comportamento ,vigentes.

Para João Roberto Faria, O Demônio familiar fez a crítica da escravidão doméstica num quadro de costumes em que se discutiam também as relações entre o amor, o casamento e o dinheiro. Ora, a escravidão
doméstica, no Brasil, revelou-se singular, no sentido em que escravos, sinhazinhas, rapazes da família e mesmo a senhora/ sinhá conviviam
de forma (quase) natural e pacifica com essa situação, a ponto de, no dizer de Gilberto Freire, ser o escravo considerado, muitas vezes, um agregado querido e necessário à família. Em vista desse quadro, muitos escravos abusavam da situação peculiar, procurando tirar vantagens, de todas as formas possíveis, das regalias que gozavam no ambiente doméstico.

Na peça O Demônio Familiar, Eduardo, apaixonado por Henriqueta, encontra-se separado da moça, em conseqüência de astúcias articuladas pelo moleque Pedro, escravo doméstico de confiança da família, que se infiltra em todos os ambientes da casa, tecendo uma rede de mal-entendidos e de intrigas. Nada lhe escapa, uma vez que é inteligente, sagaz, muito esperto e engendra planos mirabolantes que jogam com a vida das personagens. Pedro parece ser o embrião do "malandro", nome firmado por Antonio Candido em relação à personagem Leonardo Pataca, do romance Memórias de um Sargento de milícias. No ensaio A dia/ética da malandragem, Candido enfoca toda a desordem provocada pelo protagonista que, continuamente, desacata a ordem estabelecida pela sociedade daquela época, ironizando valores moralistas e cívicos arraigados em algumas personagens do romance.

Vejamos como se delineia o caráter do moleque Pedro, em algumas passagens da peça. No diálogo estabelecido entre Henriqueta e sua grande amiga Carlotinha, irmã de Eduardo, percebemos que tarefas domésticas não constituem exatamente o ponto forte daquele escravo.

CARLOTINHA - Anda lá! ... Oh! Meu deus! Que desordem! Aquele moleque não arranja o quarto do senhor,· depois mano vem e fica maçado.
HENRIQUETA - Vamos nós arranjá-lo?
CARLOTINHA - Está dito; ele nunca teve criadas desta ordem.
HENRIQUETA- (a meia voz) - Porque não quis!
CARLOTINHA - Que dizes? ... Cá está uma gravata.
HENRIQUETA - Um par de luvas.
CARLOTINHA -As botinas em cima da cadeira.
HENRIQUETA- Os livros no chão.
Como vemos, a desordem é grande! Não cumprindo a contento suas tarefas e estando sempre afastado do local de trabalho, somos levados a constatar que não existe punição para a desobediência do moleque, que é sempre tratado com carinho e condescendência por todos. Em outra passagem, mais uma vez verificamos que o malandrinho Pedro tem certa autonomia e não se preocupa com os horários da família e a disciplina da casa: 

CARLOTINHA (entrando) - O que quer, mano? Pedro saiu.
EDUARDO- Onde foi?
CARLOTINHA -Não sei.
EDUARDO - Por que o deixaste sair?
CARLOTINHA - Oral Há quem possa com aquele seu moleque? É um azougue,· nem à mamãe tem respeito.
EDUARDO - Realmente é insuportável; já não o posso aturar. Pedro articula namoros, assina bilhetes, não lhe escapa um mínimo detalhe importante, é persuasivo e, além de tudo, ganha uns bons trocados por informações preciosas que repassa aos pretendentes enamorados:

CARLOTINHA - Moleque, se tu me falares mais em semelhante coisa, conto a teu senhor. Olha lá!
PEDRO - Está bom, nhanhã; não precisa se zangar. Eu digo ao moço que nhanhà não gosta dele, que ele tem uma cara de frasquinho de cheiro ...
CARLOTINHA - Dize o que tu quiseres, contanto que não me contes  mais histórias.
PEDRO - Mas agora como há de ser! ... Ele me deu dez mil-réis.
CARLOTINHA - Para quê?
PEDRO - Para entregar bilhete a nhanhã. (Tira o bilhete). Bilhetinho
cheiroso;pape! todo bordado!
E o moleque Pedro termina confessando sua verdadeira inten­ção em tramar o casamento de Carlotinha com o moço rico Alfredo: ele quer ser promovido a cocheiro de sinhá D. Carlotinha:

PEDRO- Isto é um instante! Mas nhanhã precisa casar! Com um moço rico como Sr. Alfredo, que ponha nhanhã mesmo no tom,fazendo figuração.
Nhanhã há de ter uma casa grande, grande, com jardim na frente, moleque de gesso no telhado; quatro carros na cocheira; duas parelhas, e Pedro cocheiro de nhanhã.
CARLOTINHA - Mas tu não és meu, és do mano Eduardo.
PEDRO - Não Jaz mal,· nhanhã fica rica, compra Pedro; manda fazer para ele sobrecasaca preta à inglesa: bota de canhão até aqui (marca o  joelho); chapéu de castor,· tope de sinhá, tope azul no ombro. E Pedro só, trás, zaz zaz! E moleque da rua dizendo "Eh! Cocheiro de sinhá D. Carlotinha!"

Segundo seu projeto de uma dramaturgia de cunho realista, José de Alencar criou três tipos de comédia: a "comédia de rua", com a peça O Rio de janeiro, Verso e Reverso; a "comédia do interior da casa" com O Demônio Familiar e também a "comédia de sala" com O Crédito. O público, a família e a sociedade estão desenhados nessa trilogia.

Em outra peça teatral, Alencar voltou ao tema da escravidão, dessa vez no drama Mãe, que recebeu a seguinte apreciação de Machado de Assis: "melhor de todos os dramas nacionais até hoje representados - uma obra verdadeiramente dramática, profundamente humana, bem concebida, bem executada, bem concluída". E finaliza: "Para quem estava acostumado a ver no Sr. José de Alencar o chefe da nossa literatura dramática, a nova peça resgatava todas as divergências anteriores". Segundo Afrânio Coutinho, no livro A polêmica AlencarNabuco, a comédia realista O Demônio Familiar e o drama Mãe são peças irmãs, não só porque abordam problemas da escravidão, mas porque combinam esse elemento com aspirações nobres da pureza da família e da regeneração da sociedade.

José de Alencar dedicou a peça O Demônio Familiar à Imperatriz D. Teresa Cristina, pedindo-lhe permissão para tornar pública a reverência. O fato de Alencar dar o nome de Pedro - o mesmo do Imperador - ao moleque endiabrado da comédia, motivou uma série de insinuações maldosas entre seus desafetos, especialmente por parte do crítico Paula Brito, em longo artigo publicado no jornal A Marmota.
O dramaturgo Artur Azevedo também acolheu essa idéia, afirmando que D. Pedro II teria ficado seriamente ofendido com a coincidência de nomes, fato que teria provocado a animosidade que o Imperador sempre demonstrou em relação a José de Alencar. Segundo Flávio Aguiar (1984), essas insinuações calaram fundo em Alencar, pois O Demônio Familiar fora dedicada à Imperatriz, nos termos mais sublimes: "Ela vos pertence, pois, Senhora, e por dois títulos: - porque sois a mãe da grande família brasileira, e porque vossa vida é um exemplo sublime de virtudes domésticas".

As reações polêmicas foram, entretanto, isoladas, pois, ao término do espetáculo, a peça e seu autor foram aplaudidos com entusiasmo pela platéia. O público afirmava que O Demônio Familiar era diferente de tudo quanto a dramaturgia brasileira havia produzido até então e seus propósitos renovador e nacionalista não passaram despercebidos da crítica teatral.

Entretanto, José de Alencar, incomodado com as acusações do crítico Paula Brito, publicou, no Diário do Rio de Janeiro, um ensaio intitulado A Comédia Brasileira, em que se defendia polidamente das ofensas recebidas, ao mesmo tempo em que justificava o tema abordado: com essa peça, deixava de lado o gênero ligeiro de Verso e Reverso e introduzia, na dramaturgia brasileira, a comédia realista, cujas características fundamentais eram a moralidade e a naturalidade.
Machado de Assis, também em comentários vinculados na imprensa, anotou semelhanças entre as personagens Pedro e Fígaro de O Barbeiro de Sevilha. Essa ideia passou a circular, aumentando o ma lestar causado pela coincidência de nomes, uma vez que, tanto Fígaro quanto Pedro, articularam-se sempre em torno da calúnia. No caso de Pedro, ao usar essa arma, ele aproxima e afasta pessoas, ameaçando, no final, o equilibrio da família que o acolhe. Seria apenas ingenuidade da personagem a construção de uma série de intrigas que sustentam e perpassam a ação de O Demônio Familiar? Não parece ser, a exemplo
da passagem em que o moleque afasta Eduardo de Henriqueta, moça pobre, para aproximá-lo de uma viúva rica. Suas mentiras vão, assim, desatando nós e formando novos equívocos.

JORGE- Deixa ver! Bravo! ... Que belo! (Tirando um papel). Que é isto?
PEDRO - Um verso! ... Oh! Pedro vai levar à viúva!
JORGE -Que viúva?
PEDRO - Essa que mora aqui adiante!
JORGE- Para que?
PEDRO- Nhonhô não sabe? Ela tem paixão forte por Sr. moço Eduardo; quando vê ele passar. coração faz tuco, tuco, tuco! Quer casar com doutor.
JORGE - E mano vai casar com ela? 
PEDRO - Pois então! Mas não vá agora contar a todo o mundo.
JORGE -E ele gosta daquela mulher tão feia? Antes fosse com D. Henriqueta.
PEDRO - Menino não entende disto! Sinhá Henriqueta é moça bonita mas é pobre! A viúva é rica, duzentos contos! Sr. Moço casa com ela e fica capitalista, com dinheiro grosso! Compra carro e faz Pedro cocheiro! ... Leia o verso, nhonhô.
Comentando o episódio sobre o nome do escravo, Flávio Aguiar afirma que esse incidente pareceu a José de Alencar intriga bem articulada e intencional de seus desafetos, motivando a redação de uma carta intitulada A Comédia Brasileira, publicada no Diário do Rio de Janeiro, a 14 de novembro de 1857, em que Alencar qualifica o fato de "crítica de esquina". Anteriormente, o escritor Francisco Otaviano, em crítica publicada no dia 7 do mesmo mês, no Correio Mercantil, assim expressou sua opinião:
Os caracteres que ele descreve são nobres; as paixões de seus protagonistas são confessáveis: nenhum sentimento mau lhe desbota as faces.
Somente há ali dous tipos necessários para o enredo, que mostram que não há belo sem senão; que a sociedade fluminense tem no meio de suas galas algumas misérias bem feias. Um desses tipos é apenas ridículo; o outro é perverso, e o que é mais, perverso sem o saber,
sem o querer, como por instinto, como por desejo de fazer o bem!
A peça O Demônio Familiar, como já foi dito anteriormente, absorve características do teatro realista francês que havia lançado a moda do raisonne11r- uma personagem cuja função seria acompanhar
o desenvolvimento da intriga, formulando exemplos de ordem moral,
construindo chaves de ouro, sabedorias do cotidiano, etc. O raisonner atuaria ora como um alter ego do autor, ora como porta-voz da opinião pública e da moral social. Na peça analisada, essa função caberia ao protagonista Eduardo, que assume, dessa forma, duplo papel. O herói, nessa concepção de teatro, apresenta-se como um dos catalisadores da ascensão da sociedade brasileira ao mundo da civilização e da cultura.
No desfecho, a alforria de Pedro levanta mais uma vez a questão sobre atitudes de José de Alencar em relação ao tema da escravidão.
Depois de tantas trapalhadas de Pedro, Eduardo alforriou o escravo para que ele fosse livre, sendo, assim, premiado pelas contravenções? (e aí teríamos a confirmação de uma atitude abolicionista de Alencar).
Ou, segundo outra interpretação, o afastamento de Pedro seria uma punição por suas levianas mentiras, fazendo com que ele perdesse as regalias domésticas e o protecionismo de toda a família? Esse modo de ver faz jus ao comentário final de Eduardo:

EDUARDO- E agora, meus amigos, façamos votos para que o demônio familiar das nossas casas desapareça um dia, deixando o nosso lar doméstico protegido por Deus e por esses anjos tutelares que, sob as formas de mães, de esposas e de irmãs, velarão sobre a felicidade de nossos filhos! ...
Alencar também faz a apologia do "amor romântico", quando devolve, a uma personagem da peça, o Sr. Azevedo, pretendente rico de Henriqueta, a quantia em dinheiro que seu pai tomara emprestado a esse
senhor. Em conseqüência da ação, Henriqueta tornara-se devedora de Azevedo, não podendo, dessa forma, desfazer a promessa de casamento.
O final moralista evidencia as intenções de José de Alencar, que afasta o caluniador, repondo o equilibrio no meio doméstico, condenando transações sentimentais enredadas ao poder do dinheiro e ao prestígio econômico:

EDUARDO- Sim, meu amigo. Eu amo Henriqueta e para mim esse casamento (referindo-se ao compromisso da moça dom o Sr. Azevedo) sena
uma desgraça; para o senhor era uma pequena questão de gosto e para seu pai um compromisso de honra. Hoje mesmo pretendia solver essa obrigação.
Aqui está uma ordem sobre o Souto; o Sr. Vasconcelos nada lhe deve.
VASCONCELOS - Como? Fico então seu devedor?
EDUARDO- Essa divida é o dote de sua filha.
HENRIQUETA - Oh! Que nobre coração!
EDUARDO-Quem mo deu?
HENRIQUETA- Sou eu que sinto orgulho em lhe pertencer, Eduardo.
D. MARIA - Mas, meu filho, dispões assim da tua pequena fortuna. O que te resta?
EDUARDO - Minha mãe, uma esposa e uma irmã. A pobreza, o trabalho e a felicidade.

Na visão de Flávio Aguiar, essa peça é abolicionista, mas de modo conservador: olha a escravidão enquanto "mal social", embora esse olhar se aproxime mais do senhor branco e sua pureza familiar que dos inconvenientes para o negro escravo. O movimento da peça aponta para uma melhor forma de organização social, tida como mais civilizada e libertadora frente à prisão moral da escravidão, porque além de o escravo ascender ao mundo do trabalho livre, o senhor também ficaria livre daquele escravo e dos inconvenientes causados por suas intrigas.
O Demônio Familiar também aponta para cenas do cotidiano brasileiro, de acordo com o programa de nacionalização de nossa cultura e
de nossa arte proposto por José-de Alencar. O autor consegue, assim, estabelecer um equilibrio entre o propósito renovador da arte dramá­tica do século XIX e a formação de uma Nação autêntica, com identidade própria, idéias veiculadas e legitimadas pela trama dessa bem
sucedida comédia.






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