quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Te Contei, não ? - Raridades de Drummond

Rio - Um recente achado histórico deixou o mundo da literatura agitado e pode despertar novos estudos sobre outro estilo de Carlos Drummond de Andrade, que morreu em 1987, no Rio, e é tido por muitos como o mais influente poeta brasileiro do século 20. Três poemas desconhecidos dele, não publicados em livros, foram achados, por acaso, por Mayra de Souza Fontebasso, de 25 anos, aluna do penúltimo ano do curso de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior paulista.


A estudante descobriu os textos do mineiro nascido em Itabira (1902) durante pesquisa de iniciação científica sobre escritos literários na revista Raça (1927-1934). “Levei um susto quando li os poemas, de certa forma ingênuos, assinados sem Andrade no final, e com versos longos, carregados de divagações, bem diferente do seu jeito, de poucas, mas certeiras palavras”, diz Mayra, apaixonada por Drummond desde os 12 anos, ainda assustada com a “fama repentina”, e revelando que houve incredulidade no “tesouro” encontrado.

Com a ajuda do orientador e professor Wilton Marques, que este ano também descobriu um poema inédito de Machado de Assis, e nove textos, até então desconhecidos, de José de Alencar, ela constatou que os poemas não haviam sido catalogados e não constam na Bibliografia Comentada de Drummond, de Fernando Py, e nem no Inventário Drummoniano da Casa Rui Barbosa. O poeta e crítico Antônio Carlos Secchin, da Academia de Letras, que organizou a publicação do livro “Os 25 poemas da triste alegria, do próprio Drummond”, confirmou o ineditismo.

De acordo com especialistas, os três poemas, “carregados de devaneios sobre a condição humana em um mundo desajustado”, foram escritos por Drummond, quando ele tinha entre 19 e 21 anos. “Estamos orgulhosos. Prova a importância de um arquivo público”, diz a historiadora Leila Massarão, chefe da Divisão de Pesquisas da Fundação Pró-Memória de São Carlos, onde Mayra fez a pesquisa.

O poema das mãos soluçantes, que se erguem num desejo e numa súplica

Como são belas as tuas mãos, como são belas as tuas mãos pálidas como uma canção em surdina...
As tuas mãos dançam a dança incerta do desejo, e afagam, e beijam e apertam...
As tuas mãos procuram no alto a lâmpada 
invisível, a lâmpada que nunca será tocada...
As tuas mãos procuram no alto a flor silenciosa, 
a flor que nunca será colhida...
Como é bela a volúpia inútil de teus dedos...

O poema das mãos que não terão outras mãos numa tarde fria de Junho

Pobres das mãos viúvas, mãos compridas e desoladas, que procuram em vão, desejam em vão...
Há em torno a elas a tristeza infinita
de qualquer coisa que se perdeu 
para sempre...
E as mãos viúvas se encarquilham, trêmulas, cheias de rugas, vazias de outras mãos...
E as mãos viúvas tateiam, insones, - as friorentas mãos viúvas...

O poema dos olhos que adormeceram vendo a beleza da terra

Tudo eles viram, viram as águas quietas e suaves, as águas inquietas e sombrias...
E viram a alma das paisagens sob o outono, o voo dos pássaros vadios, e os crepúsculos sanguejantes...
E viram toda a beleza da terra, esparsa nas flores e nas nuvens, nos recantos de sombra e no dorso voluptuoso das colinas...
E a beleza da terra se fechou sobre eles e adormeceram vendo a beleza da terra...

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