quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Te Contei, não ? - Talentos desperdiçados

Cerca de 5% das crianças e dos adolescentes brasileiros são superdotados. Por que o País tem tanta dificuldade para identificar e desenvolver esses pequenos gênios, que acabam indo para o Exterior

Rachel Costa e Natália Martino

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MENINO PRODÍGIO 

Matheus Camacho conquistou o ouro na Olimpíada Internacional
e Ciencias, superando estudantes mais velhos, e chamou
a atencao do júri, ao conquistar a nota máxima
Matheus Camacho é brasileiro, estudante do nono ano e medalha de ouro na etapa experimental da Olimpíada Internacional de Ciências, uma das competições científicas estudantis mais difíceis do mundo. A sua conquista só foi revelada publicamente na semana passada. Do alto de seus 14 anos recém-completados, o tímido aluno que ainda nem terminou o ensino fundamental foi ao Irã no mês passado. Enfrentou adversários do mundo inteiro, a grande maioria garotos mais velhos do ensino médio, e voltou para casa com uma conquista inédita para o País: o primeiro lugar em uma das etapas mais difíceis da Olimpíada. Na competição que venceu, ele e seus dois companheiros tiveram de resolver problemas práticos de biologia, física e química, disciplinas que ele viu pela primeira vez no ano passado, em aulas especiais no contraturno, já que elas não constam na grade do ensino fundamental. Além do pódio, a equipe de Matheus conseguiu outro feito: tirou nota máxima na prova, chamando a atenção até mesmo do júri. Habituado a encontrar indianos, chineses e russos, mas não brasileiros, entre os primeiros lugares, o locutor não se conteve ao anunciar o título: “Olha, o Brasil não é bom só no futebol”, brincou. A surpresa se justifica. Apesar de querer ser grande, falta ao País uma política sólida para a valorização de talentos – coisa que outros emergentes como China e Índia, com seus tropeços e acertos, têm se empenhado mais em desenvolver. É certo que o grande desafio nacional dos últimos 15 anos foi universalizar a educação, esforço inegavelmente necessário, mas que teve como ônus desnecessário a negligência com os alunos com altas habilidades.
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Entre nossas crianças e nossos adolescentes, se usada a base de cálculo sugerida pelo americano Joseph Renzulli, uma sumidade nas pesquisas de superdotação, teríamos cerca de 3,15 milhões de brasileiros com altas habilidades. O número equivale a 5% da população infanto-juvenil. “Essa é a percentagem mais usada, embora haja outros sistemas de identificação possíveis que levam a outros percentuais”, afirma o pesquisador, diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Superdotados e Talentosos da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos. Mas, se pela régua de Renzulli estamos falando em milhões, nos dados do Ministério da Educação (MEC) o número de superdotados nas escolas não passa de 11 mil, de acordo com o Censo de 2011. Onde estariam, então, nossas crianças e nossos adolescentes com altas habilidades? “Na própria escola, mas não há quem as identifique”, diz Susana Barrera Pérez, presidente do Conselho Brasileiro para a Superdotação e uma das poucas referências sobre o tema no País. “Não há uma só linha de pesquisa sobre o assunto nas universidades brasileiras e o tema passa batido para os alunos de graduação, que serão os futuros educadores. Sem formação adequada, como eles vão saber identificar esses alunos?” No ensino superior, a única instituição a oferecer uma cadeira sobre superdotação a seus futuros educadores é a Universidade de Brasília (UnB) e, em todo o País, há apenas 13 doutores dedicados ao assunto, incluindo Susana. Nos Estados Unidos, país com maior número de prêmios Nobel, são 29 Estados com programas de mestrado e, em pelo menos 21 Estados há linhas de pesquisa no doutorado voltadas para a superdotação, segundo o último relatório da Associação Americana para Crianças Superdotadas.
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Sem conhecimento adequado, proliferam mitos e preconceitos sobre as crianças com altas habilidades dentro das escolas brasileiras. Um deles é o de que esses meninos e meninas são casos raríssimos de prodígios ou gênios com grande conhecimento acadêmico – o que não é necessariamente verdade (leia quadro à pag. 45). Nas quase duas décadas em que trabalha com o tema, Susana se acostumou a ouvir em suas palestras professores dizendo que não possuíam alunos com altas habilidades. “Trabalho na periferia, isso é coisa de escola particular”, costumam bradar os educadores. “Com duas horas de palestra, porém, eles já mudam de opinião e conseguem se lembrar de estudantes com altas habilidades.” Para tentar corrigir esse problema, o MEC iniciou em 2008 um tímido projeto de criação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades (NAAHs), que deveriam servir como centros para reunir e desenvolver nossos pequenos talentos. Cinco anos depois, porém, além de poucos (são apenas 27 centros, restritos às capitais), vários desses núcleos não estão nem em funcionamento, como atestou Susana ao fazer um estudo sobre os NAAHs. “E a dificuldade para capturar os talentos não é exclusiva à rede pública. Ocorre também na rede privada.” Para ser brilhante no Brasil, mais que ter altas habilidades, é preciso ter sorte.
Simone Camacho, mãe de Matheus, reconhece que se seu filho hoje está satisfeito com suas conquistas foi por uma feliz conjunção de fatores. Uma professora mais dedicada na infância, a sorte de encontrar uma psicóloga especializada em altas habilidades quando suspeitou que o menino estava deprimido, um vizinho que também tinha altas habilidades e um professor que passou a atuar como guia de Matheus nos estudos. Nem todos, porém, contam com essa sorte e por isso é preciso existir uma política pública nacional para encontrar esses jovens talentos. “Talvez, os alunos que estejam em situação mais desconfortável na escola hoje sejam os talentosos, em especial na rede pública”, diz Ricardo Madeira, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). “Sem estímulo, eles se sentem perdidos”, afirma Madeira, que no último ano divulgou um estudo mostrando que só de mudar esses pequenos talentos de escola – dando-lhes a oportunidade de estudar em instituições de melhor qualidade – o potencial de aprendizagem deslancha.
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O professor da USP comparou estudantes do sétimo ano da rede pública “fisgados” pelo Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (Ismart) com seus pares. Enquanto os primeiros foram para colégios melhores, os demais seguiram nas mesmas instituições. Após dois anos, a média daqueles que haviam mudado estava muito maior. Marco Antônio Pedroso, 21 anos, foi para o programa em 2005, após conquistar um ouro na Olimpíada Paulista de Matemática. A oportunidade representou uma guinada para o menino, que, em um colégio melhor, se sentiu desafiado. “Antes eu só tirava 10, mas estava acomodado”, afirma. A dose de ânimo fez Pedroso ganhar outros prêmios olímpicos e criar, ele próprio, com a ajuda do irmão mais novo, um projeto para formar outros medalhistas em sua cidade natal, Santa Isabel, a 60 quilômetros de São Paulo. “Queria que os alunos soubessem das olimpíadas para que elas os ajudassem da mesma forma como me ajudaram”, diz. Desde junho de 2010, Pedroso acompanha de longe o projeto que criou. Nos Estados Unidos o jovem agora dedica seu tempo às aulas do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
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“A educação inclusiva está falhando ao excluir esses alunos com altas habilidades”, diz Ângela Virgolim, referência brasileira quando o assunto é superdotação e professora do departamento de psicologia escolar e desenvolvimento da UnB. Do mesmo modo que as crianças com déficit, as altamente talentosas estão incluídas no capítulo da educação especial do sistema educativo brasileiro. A razão é porque nos dois extremos deve-se ter atenção extra para ajudar os estudantes a se desenvolver de forma saudável. O que ocorre na realidade das escolas, porém, passa longe do previsto. “Ao contrário da deficiência, na alta habilidade não existe uma marca física, o que torna mais difícil definir quem são esses estudantes”, diz Susana. Somem-se a isso os mitos que acompanham os alunos com altas habilidades. “O pior deles é aquele que diz que o superdotado não precisa de ajuda porque vai cumprir tudo por sua conta”, disse à ISTOÉ Ella Cosmovici, autora de “Nossas Crianças Superdotadas” (2011) e professora da Universidade de Stavanger, na Noruega. Abandonado pelo sistema, é comum esse aluno não saber que caminho percorrer, como aconteceu com Leonardo Florentino, 14 anos. “Eu não gostava da aula porque era tudo muito básico. Aí os professores me mandavam ir estudar sozinho na biblioteca”, diz. O conflito com a escola só terminou no terceiro ano, quando ele conseguiu uma bolsa em outra instituição, repleta de aulas extras na grade curricular, e começou a acumular troféus em campeonatos de conhecimento. Em casa, coleciona medalhas de matemática, física, química, astronomia, robótica e redação.
Em muitos casos, a reclamação da aula enfadonha poderia ser resolvida com uma atitude simples: avançar a criança para o ano seguinte. “No Brasil, porém, a aceleração ainda é um tema bastante polêmico, embora em outros países seja muito claro que a criança deve ser acelerada quando necessário”, afirma a professora Ângela, da UnB. A advogada Cláudia Hakim, 41 anos, conhece bem de perto esse drama. Seus dois filhos, uma menina de 11 anos e um menino de 8, têm superdotação e a sugestão para que fossem avançados de turma foi feita por um psicopedagogo que os avaliou após a coordenadora pedagógica do colégio perceber o desenvolvimento acelerado das crianças. A dificuldade, porém, veio de cima, da diretoria de ensino, órgão ligado à Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. No caso da menina, a batalha já está resolvida e a matrícula legalizada. Já o menino se mantém na turma avançada por uma liminar judicial. Os problemas consecutivos tornaram a mãe uma militante da causa. Só no último ano, Cláudia advogou para 15 famílias em situação semelhante. “É direito nosso e temos de lutar por ele”, diz. O nó quando se fala em aceleração não está na lei, mas sim no sistema educacional. “Nossas escolas não contam com a figura do psicológo educacional, que é o profissional que vai comparar o desempenho acadêmico com a maturidade emocional e dar o parecer sobre a possibilidade de a criança acompanhar as aulas com alunos mais velhos”, diz a professora Ângela.
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Negligenciar o desenvolvimento desses talentos não é prejudicial apenas para eles. Ao agir dessa forma, o País perde, no mínimo, boas oportunidades. “Crianças com altas habilidades são um precioso recurso nacional que precisa ser protegido, nutrido e desenvolvido”, disse à ISTOÉ Steven Pffeifer, professor da Universidade Estadual da Flórida e autor do “Manual para Superdotação em Crianças” (2009). Pffeifer é autor de um teste para identificar superdotados, bem popular entre colégios americanos. Sem investir em programas para altas habilidades, esse recurso se esvai. “Perdem-se líderes, invenções, profissionais com potencial para se tornar nomes de destaque em diversas áreas do conhecimento”, afirma o brasileiro Nielsen Pereira, docente da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, ele próprio um pesquisador que saiu do País para desenvolver suas pesquisas.

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O resultado é que seja no futebol, seja na academia ou nas artes, os brasileiros com altas habilidades geralmente têm o mesmo destino: o Exterior. Só na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o número de estudantes do País subiu 20% entre 2007 e 2011. Um deles é Gabriel Guimarães, 19 anos, recém-admitido pela instituição. A decisão de buscar formação fora foi tomada há quatro anos e veio depois de seguidas frustrações no sistema de ensino brasileiro. O primeiro contato com a universidade americana foi por meio de um de seus cursos online, no fim do ensino médio. Enquanto a maior parte dos alunos levou quatro meses para assistir a todas as aulas virtuais, Guimarães viu tudo em três semanas. Quando fez a aplicação para Harvard, não deu outra: foi selecionado. A aplicação é apenas uma das formas que essas instituições mantêm para conseguir as melhores cabeças. “Nas olimpíadas acadêmicas internacionais sempre há ‘olheiros’ das grandes universidades. Quando o aluno desce do pódio, eles já entregam o cartão convidando-o a conhecer a instituição”, diz o professor de física Ronaldo Fogo, responsável pelas turmas olímpicas de física do Colégio Objetivo de São Paulo. Fogo foi quem ajudou Matheus Camacho a se encontrar no universo das ciências. Acostumado a lidar com alunos olímpicos, o professor sabe que o futuro que espera Matheus, assim como tantos outros de seus alunos, está nas universidades internacionais. “O Brasil está perdendo o bonde da história por essa dificuldade de identificar, desenvolver e reter nossos talentos.”  


Revista Isto É

Te Contei, não ? - Santa princesa Isabel ?

Historiadores e movimento negro questionam projeto para beatificar a responsável por assinar a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no País

João Loes
ISABEL-ABRE-IE.jpgFIEL
Além de ter assinado a Lei Áurea, a princesa Isabel, segundo
entusiastas e críticos da sua beatificação, era muito religiosa
Na mesa do arcebispo do Rio de Janeiro, d. Orani João Tempesta, repousa uma indigesta questão que ele está sendo pressionado a resolver. Desde que o pedido de abertura do processo de beatificação da princesa Isabel foi oficialmente apresentado ao religioso, autoridade máxima da Igreja do Rio de Janeiro e única figura com investidura legal para dar início à causa, o arcebispo se encontra em delicada situação, acuado entre grupos de católicos. De um lado estão os que defendem com fervor a santificação da princesa, filha de d. Pedro II e signatária da Lei Áurea, liderados pelo escritor e professor curitibano Hermes Rodrigues Nery, um estudioso da família real brasileira. De outro, estão historiadores e parte do movimento negro, que questionam o papel de protagonista de d. Isabel na abolição dos escravos e não querem vê-la num altar de jeito nenhum. Diante de uma causa de beatificação envolta em polêmica, d. Orani retarda uma resposta sobre o início – ou não – do processo. Alheio às questões políticas, Nery, postulador que pesquisou durante meses documentos em lugares como os arquivos do Museu Imperial de Petrópolis e bibliotecas do Brasil, para levantar detalhes da vida da princesa e preparar sua biografia, pede uma definição. Segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ, a causa pela beatificação da princesa até tem força para caminhar, mas uma avalanche de complicadores certamente surgirão durante o processo. Afinal, d. Isabel está longe de ser uma unanimidade.
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Exilada na França desde 1889, ao lado do marido, o conde D'Eu
Há uma representativa corrente de historiadores, por exemplo, que relativizam a atuação da princesa na abolição, tida como um dos principais argumentos de quem defende sua beatificação. “Canonizar d. Isabel a partir do episódio da assinatura da lei de 13 de maio é uma tentativa de reiterar uma memória que silencia sobre o papel do negro na sua própria história”, diz Wlamyra Albuquerque, historiadora, professora-adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autora do livro “O Jogo da Dissimulação” (Cia. das Letras, 2009). Com o avanço da causa pela santificação, a importância dos levantes de negros cativos e das lideranças abolicionistas poderia acabar em segundo plano, o que seria, no mínimo, injusto. “A emancipação foi resultado da luta desesperada dos cativos, de suas rebeliões e do ódio aos seus senhores”, afirma a historiadora Mary de Priore, que lança em abril o livro sobre Isabel e seu marido, o conde D’Eu, intitulado “O castelo de papel” (Ed. Rocco, 2013). “Mas na pintura da princesa emancipacionista, tudo era cor-de-rosa como seu palácio em Petrópolis.”
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Para os críticos, esse esforço da monarquia em pintar a princesa e suas ações como fundamentais para o fim da escravidão tinha razão óbvia e pouco nobre. Em 1888, a realeza vivia seus últimos momentos em um Brasil já dominado pelos republicanos. Associar-se a uma causa tão popular quanto o abolicionismo era uma das últimas esperanças de dar sobrevida ao regime. Não seria fácil, porém, convencer o povo de que os motivos da coroa para tanto entusiasmo com a abolição eram nobres e legítimos. Afinal, desde 1850, quando a Inglaterra proibiu o tráfico internacional de escravos, a abolição virou assunto corriqueiro no País. Com leis como a do Ventre Livre, de 1871, e dos Sexagenários, de 1885, a causa ganhou ainda mais visibilidade. “Quando chegou 1888, era evidente que insistir na manutenção do regime escravocrata não fazia mais sentido”, afirma Roderick Barman, professor da University of British Columbia (UBC) e autor do livro “Princesa Isabel do Brasil: Gênero e Poder no Século XIX” (Unesp, 2005).
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Quando a abolição oficial finalmente veio, ela não era nova nem inesperada. Era quase protocolar. Nesse sentido, era mais fácil o povo suspeitar da demora da realeza em acabar com esse anacronismo – e o Brasil foi o último País no mundo a extingui-lo – do que aceitar que o fim veio graças a uma figura política de pouca ou nenhuma relevância. Até houve celebrações da d. Isabel e homenagens a ela como redentora dos negros, muitas das quais patrocinadas pela casa imperial, que organizou festas, regatas, corridas de cavalo e eventos religiosos para incensar sua figura. Mas quando ela foi exilada, logo foi esquecida, assim como toda sua família.
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Para Nery, críticas impiedosas como essas têm origem conhecida. Segundo ele, quem escreveu a história da abolição e do papel da princesa Isabel nesse processo foram historiadores republicanos, pouco interessados em registrar que, no Brasil, o fim da escravidão veio pelas mãos de uma princesa. “E mais, ela não só acabou com o regime escravocrata como negociou para viabilizar uma solução católica para a abolição”, afirma o postulante da causa. “Em vez de ruptura, como se viu nos Estados Unidos ou no Haiti, onde houve violência e derramamento de sangue, ela buscou o reformismo pela via institucional – e conseguiu”, diz. Prova disso seria a Rosa de Ouro que ela recebeu do papa Leão XIII, como reconhecimento pela boa condução dada à questão.
Um prêmio de tamanha importância, jamais concedido a outro brasileiro, certamente terá peso se a causa pela beatificação da princesa chegar ao Vaticano. Aliada aos detalhes da vida particular de d. Isabel, tida como inquestionavelmente devota tanto por seus admiradores quanto por seus críticos, ela fortalece em muito a candidatura à beatitude. “O que importa é o compromisso do candidato a beato com a missão que Deus deu a ele na Terra”, afirma a irmã Célia Cadorin, responsável pelas causas que resultaram na canonização de São Frei Galvão e da Santa Madre Paulina, os dois únicos santos brasileiros. Na avaliação da religiosa, o retrato biográfico produzido por Nery tem grande potencial de deslanchar. “Mesmo com as críticas dos historiadores e do movimento negro, que devem ser incluídas porque fazem parte da história dela, essa é uma história muito forte e bonita.” O debate está aberto. 

CORREÇÃO: Dom Orani João Tempesta não é cardeal, como dizia a versão impressa da matéria "Santa princesa Isabel?", publicada na edição 2152 de ISTOÉ

Te Contei, não ? - Estudo australiano aponta para cura potencial da Aids

AIDS.jpgUm cientista australiano anunciou esta quarta-feira ter descoberto como fazer o vírus da Aids se voltar contra si próprio para evitar o progresso da Aids e descreveu seu feito como um grande avanço na descoberta da cura para a doença.

David Harrich, do Instituto de Pesquisa Médica de Queensland, disse ter conseguido modificar uma proteína no HIV que o vírus precisava replicar e, ao contrário, fez inibir "potencialmente" seu crescimento.

"Eu nunca vi nada igual. A proteína modificada funciona sempre", comemorou Harrich. "Se este estudo se mantiver firme em seu caminho, tendo em mente de que há muitos obstáculos a superar, estamos olhando para a cura da Aids", emendou.

Harrich explicou que a proteína modificada, que ele batizou de Nullbasic, demonstrou ter uma habilidade "notável" para conter o crescimento do HIV em laboratório e pode ter implicações animadoras tanto em conter a Aids quanto em tratar os infectados com HIV.
O estudioso descreveu a técnica como "combater fogo com fogo".

"O vírus poderia infectar uma célula, mas não se disseminaria", disse Harrich a respeito deste estudo, publicado na última edição do periódico Human Gene Therapy. "O indivíduo ainda estaria infectado com HIV - não se trata de uma cura para o vírus -, mas o vírus permaneceria latente, não despertaria, portanto o paciente não desenvolveria a Aids", acrescentou. "Com um tratamento como este, seria possível manter saudável o sistema imunológico."

Uma pessoa com HIV desenvolve a Aids quando sua contagem de células imunológicas CD4 cai abaixo de 200 por microlitro de sangue ou desenvolve algumas das chamadas doenças definidoras da Aids, quaisquer uma das 22 infecções oportunistas ou cânceres vinculados ao HIV.

Sem tratamento, a maioria das pessoas infectadas pode não desenvolver a Aids por 10 a 15 anos ou até mais, segundo a ONU. Mas o uso de medicamentos antirretrovirais pode prolongar sua vida ainda mais. Se for comprovada, a terapia genética Nullbasic pode causar uma interrupção indefinida da escalada do HIV para Aids, pondo um fim à letalidade da doença.

Além disso, segundo Harrich, o potencial de uma única proteína ser tão eficaz para combater a doença representaria o fim de onerosas terapias com múltiplos medicamentos, o que significaria uma qualidade de vida melhor e custos menores para as pessoas e os governos.

Testes da proteína em animais estão previstos para começar este ano, mas ainda deve levar alguns anos para que se desenvolva um tratamento a partir dela.

Segundo os números mais recentes das Nações Unidas, o número de pessoas infectadas com HIV em todo o mundo subiu de 33,5 milhões em 2010 para 34 milhões em 2011. A maioria dos infectados, 23,5 milhões de pessoas, vive na África subsaariana e outros 4,2 milhões no sul e no sudeste asiáticos.

Revista Isto É

Artigo de Opinião - Sucesso e fracasso - Zeca Baleiro

Nas viradas de ano costuma-se fazer muitos votos. De felicidade, saúde, amor, harmonia e paz. Costuma-se fazer votos de sucesso também. A propósito, o sucesso nunca esteve tão na moda quanto hoje. Nossos dicionários dizem que a palavra vem do latim successus e significa “aquilo que sucede, acontecimento, fato, ocorrência; qualquer resultado de um negócio; entrada, abertura; aproximação, chegada; bom êxito, triunfo, bom resultado; pessoa ou coisa vitoriosa de grande prestígio e/ou popularidade (livro, filme, peça teatral, autor, artista, etc.)”.
Na nossa era, porém, “sucesso” tem sentido mais banal e comezinho. Ainda significa êxito e triunfo, mas nem sempre com mérito. O sujeito pode fazer uma música ordinária e ser um “artista de sucesso”; o anônimo pode vencer um game ridículo e patético na tevê e ser um “homem de sucesso”; a moça bonita pode ter feito uma única coisa na vida: mostrou tripas e útero na revista masculina, e isso basta para que ela seja imediatamente alçada à condição de “mulher de sucesso”; o jogador mediano, longe de ser um gênio, teve um dia inspirado (ou um empresário de gênio) e se tornou assim, em minutos, um “atleta de sucesso”...
O sucesso tornou-se um valor em si, não a consequência de um empreendimento, necessariamente, e hoje está quase que inevitavelmente associado à fama. Andam de braços dados. Se tem fama, tem sucesso. Ledo engano. Conheço famosos que vivem a pão e água – logo, sem “triunfo” –, e outros que fazem uma ginástica danada para manter o circo de aparências.
Mas o que me interessa agora é falar sobre o “fracasso”, primo-irmão do “sucesso”. Na canção “Velho Bode”, letra do genial poeta Sergio Natureza, um e outro são postos lado a lado:“Você foi um sucesso / na minha vida o meu lado do avesso... / você é um fracasso / do meu lado esquerdo do peito...” A música, parceria com o compositor Sérgio Sampaio, não foi um grande sucesso popular, mas tornou-se um hit cult, “maldito”, como quase toda a obra de Sampaio, ele próprio dono de uma biografia intrigante, uma história clássica de ascensão e declínio. Em 1973, o artista capixaba emplacou o mega-hit “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, cujo compacto (para os com menos de 30 anos, “pequeno single de vinil”) vendeu 500 mil cópias, cifra astronômica para a época. A marcha-rancho lírica e de refrão poderoso tornou-se um hino contra a repressão política e social daqueles tempos de domínio militar.
Depois desse grande sucesso pontual, Sergio gravaria três álbuns antológicos que passaram despercebidos pelo grande público, o que o fez amargar um ostracismo cruel que o levaria à morte prematura em 1994, vitimado por uma pancreatite. Hoje, começa a ser descoberto e gravado por novos artistas e bandas e a ter o seu tamanho artístico justamente avaliado.
O baiano Tom Zé, um dos fundadores do tropicalismo e hoje uma lenda viva da música brasileira, já disse ao que veio na chegada, quando se apresentou nos anos 60 no programa de calouros “Escada para o Sucesso” cantando a sátira explícita “Rampa para o Fracasso”. Contam que, no final dos anos 80,Tom Zé estaria desiludido com a carreira por conta dos “fracassos” de seus discos e sem o espaço devido na mídia e nos palcos. Estava de malas prontas para voltar à sua natal Irará, onde iria administrar o posto de gasolina de um parente, quando recebeu o telefonema de David Byrne, bandleader da icônica banda Talking Heads e caçador de pérolas musicais. Byrne teria descoberto seu disco “Estudando o Samba” num sebo e desejava lançá-lo pelo LuakaBop, selo de sua propriedade e destinado a lançar suas descobertas mundo afora. Daí por diante a história com final feliz é conhecida de quase todos.
“Mantenha-se forte diante do fracasso e livre diante do sucesso”, diz frase atribuída ao gênio francês Jean Cocteau. Pode soar como um disparate esta outra frase do mesmo autor que transcrevo a seguir, mas a meu ver ela trata do mesmo assunto: “Deus não teria alcançado o grande público sem a ajuda do diabo.” 


Zeca Baleiro - Revista Isto É

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Artigo de Opinião - MPB nas escolas - Ricardo Cravo Albin

Nada mais estimulante que a história da música popular do Brasil para definir as várias qualificações da alma do povo miscigênico que nós somos. Tanto as letras das músicas quanto a diversidade inebriante de seus ritmos permitem a qualquer pessoa um mergulho em profundidade na alma poliforme e descontraída, alegre ou romântica, cafusa ou mulata, simples ou por vezes mais sofisticada desta nossa quase “civilização tão própria e original” que representa a nação.
De mais a mais, e insisto, as letras (sobretudo elas) inferem toda uma conexão muito conveniente da literatura e da história do país, de modo muito direto e muito simples. E nossos ritmos — o cadinho mágico dos gêneros musicais — exibem opulentamente a magnética magia da ginga, da dança, da sensualidade, e até da ingenuidade de um povo argamassado quer pela mistura dos três raças formadoras (a índia, a branca e a negra), quer pela capacidade de surpreender ao absorver e amalgamar os estrangeirismos que nos chegam além das fronteiras, deglutindo-os com uma sofreguidão criativa inebriante e quase sempre surpreendente.
Por tudo isso, clamo de há muito que não há nada mais eficaz do que ensinar-se nas escolas municipais do país esta história. Mas, vejam bem, a saga da MPB, a sua história, essa linda e maturada trajetória que nos povoa há séculos (sendo que o último, o século 20, foi consolidador e definidor) e que resume como poucas outras a grandeza descontraída da civilização brasileira.
É verdade que aqui e acolá a gente vê e sabe de notícias esparsas de tentativas de introduzir-se a música nas escolas do primeiro grau. Não bastam aulinhas de violão ou de coral. Mas atentem para detalhe importante: é fundamental que se estabeleçam os parâmetros verdadeiros dessa riquíssima história, a de seus míticos personagens e a dos seus principais gêneros musicais, que rolam pelo espaço de dezenas de décadas a fio.
Até porque, para que as crianças do primeiro grau possam por ela se interessar, é necessário — eu diria obrigatório — que a verdade do que existe hoje em MPB possa ser exemplarmente qualificada. Se agora nós temos o que temos é porque tivemos origem e fôlego para chegar até aqui. Bem ou mal. A meu ver muito bem.
Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cultural Cravo Albin

Te Contei, não ? - O Censo do Império


Formulário usado no censo de 1872, o primeiro feito no Brasil
Foto: DivulgaçãoNum Brasil imperial de dimensões continentais e grandes desafios logísticos, o primeiro levantamento populacional foi realizado com sucesso em 1872, como parte das políticas inovadoras de D. Pedro II. O recenseamento é considerado, mesmo para os padrões atuais, bastante completo: traz o único registro oficial da população escrava nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e faz ainda um inventário inédito dos grupos indígenas.
Agora, pela primeira vez, ele teve as contas (originalmente feitas a mão) corrigidas e está disponível na internet, facilitando o cruzamento de dados do passado e do presente, revelando as intensas modificações pelas quais o país passou nesses 141 anos.
A análise dos números mostra um país essencialmente rural, de população predominantemente negra e mestiça, com uma parcela ainda significativa de escravos (15%). Revela também o início da política de “embranquecimento” do povo, com a entrada dos primeiros grupos de imigrantes europeus. Da população total de 1872 (9.930.478), 1.510.806 ainda eram escravos a despeito do fim do tráfico.
No fim do século XIX, aponta o levantamento, 58% dos residentes no país se declaravam “pardos ou pretos”, contra 38% que se diziam brancos. No censo de 2010, os percentuais são de 50,7% e 47,7%. Os índios perfaziam 4% do total, contra apenas 0,4% nas últimas contagens. Curiosamente, os indígenas ficaram durante 101 anos sem aparecer como categoria separada nos levantamentos populacionais, só retornando em 1991.
— A solução para o que era visto como um problema, a população negra e indígena, é o projeto de embranquecimento. Há um crescimento da população branca devido à intensa migração europeia — explica o pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) José Luis Petruccelli. — Em 350 anos de tráfico negreiro, entraram no país cerca de 4 milhões de africanos; entre 1870 e 1930 vieram morar aqui praticamente 4 milhões de imigrantes europeus.
O censo de 1872 aponta o total da população de estrangeiros no Brasil: 382.132. Separa os brancos por origem. São 125.876 portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre várias outras nacionalidades citadas. Mas, no caso dos negros, coloca-os todos no mesmo grupo: africanos. São 176.057 africanos vivendo no país naquele momento, segundo o levantamento. Mas a única divisão que eles mereceram foi entre escravos (138.358) e alforriados (37.699).
— Era um país que já tinha adotado várias medidas para acabar com a escravidão e que estava num processo muito racista de branqueamento da população — afirma o demógrafo Mario Rodart, coordenador do Núcleo de Pesquisa Histórica Econômica e Demográfica da UFMG, responsável pela digitalização do censo junto com Clotilde Paiva e Marcelo Godoy . — Por conta disso, o foco das políticas públicas era todo nesse sentido. Mapear quem estava vindo da Europa fazia todo o sentido.
A realização de um ambicioso levantamento populacional num país de dimensões continentais e dificuldades de transporte foi uma empreitada e tanto para a época, conta Rodart. Questionários foram enviados para 1.440 paróquias de todo o país. Em cada uma delas foi criada uma comissão censitária, responsável por levar uma cópia do questionário a cada casa.
Cabia ao chefe da família preencher o formulário e entregá-lo de volta à comissão. Quem não respondesse era multado. As informações eram bastante amplas: sexo, raça, estado civil, religião, alfabetização, condição (escravo ou livre), nacionalidade, profissão. Os dados eram, então, enviados de volta à capital, onde foram somados manualmente.
Os motivos que levaram o governo imperial a se empenhar em tão complexa tarefa são, até hoje, razão de debate entre especialistas.
— A visão mais clássica é de que, no Império, havia a necessidade de saber mais sobre a população para conhecer sua base tributável e também com fins militares, para pegar os jovens para o serviço militar — sustenta Rodart. — Há um outro grupo, no entanto, que acredita que já havia uma ideia de um governo mais técnico, que precisava se balizar em números para instituir políticas públicas. Os números eram necessários para organização do sistema eleitoral, e também do sistema educacional. Já se difundia, por exemplo, a ideia da obrigatoriedade das primeiras letras e os números ajudaram a organizar a oferta de escolas.
A digitalização e correção dos dados (erros de soma e agregação) começaram há 30 anos por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG) e só agora foram concluídos. Os dados estão disponíveis em www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop72. Com o programa, é possível pela primeira vez utilizar o censo de 1872 na forma de base de dados, gerando tabelas das mais diversas, cruzando-se dados, segundo as variáveis escolhidas

Crônica do Dia - Caro Rubem Braga - Arnaldo Jabor

Caro Rubem Braga,


Escrevo-lhe estas mal traçadas linhas para comemorar seu aniversário de 100 anos. Sei que me condenaria por este começo de artigo, pois você lutava contra os lugares-comuns da imprensa. Uma vez me disse que demitiria qualquer redator que começasse um texto com “Natal, Natal, bimbalham os sinos” ou então “Tirante, é obvio...” ou ainda “O comboio ficou reduzido a um montão de ferros retorcidos”. Sei que, odiando lugares-comuns, você estaria rindo das homenagens que lhe prestam — velhinho com 100 anos sendo tratado como um ser especial, logo você que sempre quis ser um homem comum, sem lugar claro na vida. Você não tinha nada de “especial”, nenhum brilho ostensivo; você não falava muito e tinha a melancolia que lhe dava o posto de observação privilegiado para ver a vida correndo a sua volta “aos borbotões, a vida ávida e passageira” (perdoe-me de novo...).
A primeira vez que nos vimos foi por volta de 1975, quando lhe pedi autorização para usar “Ai de ti, Copacabana” como título de meu filme “Tudo bem”, que acabei não usando; mas, bem antes disso, eu tinha visto você de longe no Antonio’s, nosso bar mitológico, brigando com o Di Cavalcanti (“para de pintar mulatas que você não come!”), e tinha lido crônicas geniais como “Um pé de milho” — você observando um grão virar pendão em seu jardim, você, um feliz fazendeiro da Rua Júlio de Castilhos.
Vi você vendo o outono chegar em Botafogo dentro de um bonde, vi você vendo as estações do ano voando sobre Ipanema (desculpe as aliterações...), vi que você via a cidade por baixo das casas e edifícios, a praia dos tatuís hoje sumidos, o vento terral soprando nas praças, senti que você tinha uma saudade não sei de quê, uma nostalgia repassava suas crônicas, como em Tom Jobim, em Vinicius, numa época em que a literatura era importante, em que o Rio tinha a placidez baldia de uma paisagem vista de dentro; lembro-me de você espinafrando a destruição de Ipanema pelos bombardeios criminosos de Sergio Dourado e Gomes de Almeida Fernandes, os dois malfeitores que exterminaram a Zona Sul em poucos anos. “Eu sou do tempo em que as geladeiras eram brancas e os telefones pretos” — você batia na mesa — “e eles destruíram tudo!”.
Suas frases ecoam na minha cabeça, não por alguma profundidade ambiciosa, mas justamente por uma “superficialidade” buscada, como uma conversa de amigos íntimos. Não vou citar nada, mas estou no Rio, em frente ao “velho oceano” (ah! cuidado com o “rocambole”!...), são seis da tarde e vejo ao longe as Ilhas Cagarras envolvidas numa névoa roxa, naquela hora em que a linha do horizonte se une ao céu, com o mar imóvel, sólido e cinzento.
A segunda vez que o vi foi em sua casa, numa festa pequena para amigos onde eu entrei sem ar (quem me levou?). Ali na varanda em frente a Ipanema estavam homens que eu temia — ídolos de minha juventude angustiada. Ali estavam tomando uísque o Vinicius de Moraes, você, Fernando Sabino e minha paixão literária máxima: João Cabral de Melo Neto, o gênio da poesia. Danuza Leão também estava. Todo mundo meio de porre, principalmente o João Cabral, que bebia mal e implicava com o Vinicius numa agridoce provocação, criticando-o por ter abandonado a poesia pela música popular. João Cabral odiava música, que lhe doía na cabeça como um barulho, estragando seu pensamento obsessivo, piorando suas horrendas dores de cabeça. João Cabral sacaneava o poeta: “que negócio de ‘garota de Ipanema’, Vina, você é poeta!” O Vinicius ficava puto, mas respondia conciliatório: “Para com isso, Joãozinho; deixa isso pra lá!” O Cabral insistia: “que tonga da mironga do kabuletê” que nada...”, a ponto de Danuza ralhar com ele: “Deixa de ser chato, João Cabral!” Lembra disso, Rubem? Imagine minha emoção de jovem tiete ao assistir àquela briguinha íntima e mixa entre minhas estrelas. A honraria me sufocava. Você ria dos dois ali no seu jardim suspenso, como um operário de outra construção — crônicas sem ambição e por isso mesmo muito além de teorias.
Lembro que, em dada hora, o João Cabral me segredou (Oh, suprema alegria!...): “O mal que Fernando Pessoa fez à poesia foi imenso.” Tremi aliviado, pois secretamente sempre achei a mesma coisa — aqueles delírios portugueses lamentosos e subfilosóficos sempre me encheram.. (Por favor: cartas me esculachando para a redação).
Que pena que não os conheci mais intimamente, pois tinha medo de vocês — não me achava digno. Naquela época (início dos 1970) havia tempo e energia para se discutir literatura. Hoje, neste tempo digital e veloz, ou temos o derrame de besteiras nas redes sociais ou porcarias de autoajuda nas listas de best-sellers.
Só. Naquela época havia o consolo de um sentido, mesmo sob a ditadura, que até enfurecia nossa fome de verdade.
Tenho saudades das polêmicas sobre “forma”, sobre “mensagens” até caretas, tenho saudades “das velhas perguntas e das velhas respostas” — como escreveu Beckett.
A última vez que nos vimos, Rubem, foi numa noite chuvosa em que saímos do Antonio’s meio de porre e eu lhe dei uma carona até a Rua Barão da Torre. No carro, você me contou, rindo com a voz pastosa, que aparecera uma garota de uns 18 anos em sua casa que resolveu se apaixonar por você e que ia ao seu jardim para “dar ao mestre”. “Não sei o que ela vê em mim, mas vou comendo...” Adorei a confidencia, mas vi que você estava mais velho e cansado, mais bêbado do que eu. Ajudei você a sair do carro até a portaria de sua pirâmide, onde deixei você, meio grato e meio irritado pela ajuda.
Depois, você morreu. Soube emocionado que você contratou a própria cremação — foi a São Paulo e o funcionário perguntou: “Pra quem é?” “Para mim mesmo”, respondeu você, poeta macho. Por isso, quando vejo esse papo todo de “fazendeiro do ar”, de “poeta do cotidiano”, imagino que você diria: “Não me encham o saco. Sou apenas um pobre homem de Cachoeiro de Itapemirim...”
Grande abraço e parabéns pelos 100 anos.


Arnaldo Jabor

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Te Contei, não ? - O século do Velho Braga


No Marrocos, país onde foi embaixador nos anos 1960, o escritor (de cartola) armou uma rede entre duas árvores
Foto: ReproduçãoO homem capaz de seguir uma borboleta amarela pelas ruas do Centro do Rio — lírico passeio que transformaria numa trinca de crônicas de antologia — era o mesmo que, como correspondente na Segunda Guerra Mundial, preferiu sempre a companhia dos soldados da tropa, homens simples que, como ele, tinham o pé no interior do país e apreciavam cigarros Yolanda sem filtro; aquele que, depois de entrevistar Pablo Picasso em Cap d’Antibes, descobre que só conversaram sobre brinquedos infantis, incêndios, o mar; o embaixador que, em seus tempos de serviço no Marrocos, privado da visão dos brotos de Ipanema, armou uma rede cearense entre duas árvores e se contentou, chupando uvas e figos, com as idas e vindas de fenícios e cartagineses, romanos e vândalos, bizantinos e visigodos, cruzados e árabes, a poucos quilômetros do penhasco de Gibraltar.

 
O velho Braga, como ele mesmo se chamava desde jovem, era o mais bicho do mato dos escritores cosmopolitas do Brasil. Estando em Paris, sonhava com Marataízes, no litoral do Espírito Santo, e fazia questão de aparar os cabelos a cada 15 dias, para não se parecer com um turco. Bem relacionado, frequentava os mesmos cafés onde circulavam personalidades da literatura e das artes plásticas que viviam na cidade no início dos anos 1950: gente como André Breton, Jacques Prévert, Marc Chagall, Georges Braque, Jean-Paul Sartre. Pedia o pernod sem cerimônia, como se acabasse de chegar ao Vermelhinho, na Cinelândia.
Aproveitou para entrevistar a turma. Fazendo frilas para o “Correio da Manhã”, mandou matérias escritas na primeira pessoa. Quando esta é Rubem Braga, vamos combinar, isso faz toda a diferença. Os comentários são diretos, honestos, íntimos. Para conseguir o encontro com Pablo Picasso, telefonou e disse a senha: “Sou amigo de Cícero Dias”. Praticamente nada perguntou nem anotou. Na longa matéria enviada ao jornal, saiu-se com a seguinte desculpa: “Fiz mal, com certeza. Quando me apresentei na casa de Picasso, não disse que era jornalista. Não menti, nem mesmo por omissão. Ser jornalista é, sobretudo, fazer perguntas e, na verdade, eu não tinha nenhuma pergunta que lhe pudesse fazer. Estava com os olhos cheios de um desenho fino e exemplar de um homem, mulher e cabrito; via ainda um torso de mulher num vaso verde, um novilho deitado, centauros, caras redondas, formas de vasos, cores de quadros...”.
O Urso, apelido que ganhou dos amigos, sentia-se ainda mais casmurro e carrancudo, as grossas sobrancelhas ainda mais fechadas, em Paris. Em carta, confessou que andava escrevendo pouco e mal, e que sua vontade era retornar, para viver três meses na roça. Talvez lhe doesse a recordação de outra temporada parisiense, três anos antes, quando teve início seu caso amoroso com Tônia Carrero: “Tenho muita amizade pelo seu joelho esquerdo”, mimava-a Rubem. Ela estava casada (com o artista plástico Carlos Thiré); ele também (com Zora Seljan, mãe de Roberto, seu único filho).
Rubem e Tônia se encontravam em bistrôs discretos e passavam horas conversando. Quando o lance esquentava, iam a um hotelzinho de grandes quartos e com banheira, um luxo e tanto para Paris. Antes de pegar o navio de volta, ela avisou que não queria mais ficar com ele se não fosse como antes, apenas dois amigos que curtiam as boas coisas da vida. Rubem sofreu.
Foi um homem de muitas paixões: a cronista Maluh de Ouro Preto, Danuza Leão (platonicamente), Bluma Wainer, que para viver com ele chegou a se separar do marido, o jornalista Samuel Wainer. Bluma teria sido o grande amor de sua vida. A própria Tônia Carrero afirmou isso ao jornalista Marco Antonio de Carvalho, autor da mais completa biografia de Rubem Braga, “Um cigano fazendeiro do ar”, lançada em 2007 pela editora Globo.
Ao contrário de “Na cobertura de Rubem Braga”, de José Castello, “uma biografia minimalista”, na definição de seu autor, o livro de Marco Antonio de Carvalho arriscou grandes voos de rigor documental. A investigação incluiu 267 entrevistas — realizadas em Cachoeiro de Itapemirim (terra natal do biografado), Vitória, Rio, São Paulo, Roma, Paris e outras cidades —, a descoberta de cartas e textos inéditos, fotos que vão do início do século XX até a morte do cronista em 1990 (de câncer na laringe), uma bibliografia de mais de 400 livros e a leitura de dezenas de coleções de jornais e revistas. Para tanto, consumiu mais de dez anos de trabalho, que o autor praticamente bancou do próprio bolso.
O resultado — se não possui o charme da linguagem de um Ruy Castro ou o ritmo cinematográfico de um Fernando Morais — é um monumento, não apenas sobre a crônica, gênero tão brasileiro, como também sobre um rico período da vida intelectual e política do país. Pena que o autor não pôde ver o livro pronto: morreu meses antes de ele chegar às livrarias, em 25 de junho de 2007, aos 57 anos, vítima de enfarte. “Virei um obsessivo. É muito difícil para o biógrafo abandonar o biografado”, costumava dizer Marco Antonio de Carvalho, que, em comum com sua personagem, tinha apenas o fato de ter nascido em Cachoeiro. Sequer o conheceu em vida.
“Um cigano fazendeiro do ar” abre com um episódio de abril de 1945: as tropas brasileiras enviadas à Itália durante a Segunda Guerra conseguem vencer os alemães, alguns dias antes da vitória final dos aliados. A bordo de um jipe, está o único repórter brasileiro que testemunhou a rendição. “Nenhum correspondente de guerra brasileiro aproximou-se tanto das batalhas como Rubem”, afirma Carvalho no livro.
‘Aqui vive um solteiro feliz’
Braga tinha experiência: com apenas 19 anos, cobrira a Revolução Constitucionalista de 1932 na fronteira de Minas Gerais e São Paulo, chegando a ser preso como espião. Estava nos cueiros de uma longa e tumultuada carreira na imprensa. Ao longo de 62 anos, nunca foi de esquentar lugar ou se acomodar, sendo um dos jornalistas brasileiros que mais colaboraram em jornais e revistas. Nesse tempo, produziu cerca de 15 mil crônicas, plasmando um estilo de prosa que era uma ciência quase exata de tão simples e bem posta, a falar de armadilhas de passarinho, pés de milho, bacias de jabuticabas, aulas de inglês, ais de Copacabana, mulheres lindas e elegantes. Ficou conhecido como “Príncipe da Crônica” ou “Sabiá da Crônica” (epítetos que detestava).
Largava o trabalho por questões políticas, financeiras, sentimentais, éticas — ou por não gostar de ouvir desaforo calado. Durante anos foi cronista da revista “Manchete”, até o dia em que o patrão Adolpho Bloch ofereceu uma festa a Juscelino Kubitschek no então bar da moda, o Antonio’s. À sua entrada, Adolpho exclamou: “Olha, presidente, chegou o maior cronista do Brasil!”. Rubem respondeu de bate-pronto: “Maior cronista do Brasil, né? Agora conta quanto você me paga”. Foi despedido.
Refugiou-se na cobertura da Rua Barão da Torre, em Ipanema, onde mandou afixar um aviso na entrada: “Aqui vive um solteiro feliz”. Nela plantou palmeira, um pomar com mangueira e goiabeira, um jardim em cujo centro fincou a estátua de Bluma Wainer esculpida por Alfredo Ceschiatti. Nela recebeu os grandes amigos, em sacerdócio: Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, Millôr Fernandes, Joel Silveira. E passou a ser confidente de jovens inteligentes e talentosas (entre elas, a futura presidente da Academia Brasileira de Letras Ana Maria Machado).
Sempre quis voltar à infância, entre formigas, rapaduras e passarinhos (sobre os quais sabia tudo e alguma coisa); criou frases de gênio (“Fazer política é namorar homem”, “Crônica é viver em voz alta”, “Ultimamente têm passado muitos anos”); era sonâmbulo e, em crise, retirava todos os livros da estante; gostava e entendia de artes plásticas, embora comprasse quadros de olho em futuras crises de grana; bebeu uísque, e bem; quem quisesse fazê-lo feliz, bastava pô-lo num barco a passear nas Cagarras; poucos escreveram em língua portuguesa como ele e raros como ele souberam usar o ponto e vírgula — os daí de cima todos são uma canhestra homenagem aos seus 100 anos de nascimento.

Crônica do Dia - A rasteira de GracilianoRamos no futebol

A edição de janeiro da “WorldSoccer”, revista inglesa especializada em futebol, traz bela reportagem de seu correspondente no Brasil, Tim Vickery, que cita uma frase do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953), que afirmou, na década de 1920, que o futebol era “fogo de palha”, moda passageira, importada, sem futuro. Os ingleses, inventores do futebol, citam o suposto malogro no Brasil da profecia de Graciliano com indisfarçável prazer.

Futebol e literatura serão tema de várias mesas de debates que o jornalista João Máximo está organizando para a próxima Bienal do Livro, que ocorrerá a partir de 29 de agosto no Riocentro. Companheiro de O GLOBO e vizinho de mesa na redação, João Máximo, antes mesmo de a “WorldSoccer” chegar às bancas, já havia antecipado que uma das mesas da Bienal discutirá a polêmica frase de Graciliano. Foi isso mesmo que ele quis dizer?

Em 1921, Palmeira dos Índios, cidade no agreste alagoano, a 200 quilômetros de Maceió, sofria com a pobreza de sua gente. Um dos editoriais daquele período do jornal “O Índio”, intitulado “Nosso povo”, começava assim: “O estado em que se encontram as nossas populações sertanejas — não nos iludamos — é a mais profunda barbaria. (...) Parece incrível que é possível viver como vivem, pobre diabos, meio selvagens, quase bichos, sem nenhum conforto. As casas em que moram são as habitações do homem primitivo, não mais cômodas talvez que as cavernas dos trogloditas.”

Graciliano seria prefeito de Palmeira dos Índios dez anos mais tarde, com os famosos e irônicos relatórios de sua administração, nos quais dizia, por exemplo, que se a cidade podia ser chamada de “princesa do sertão”, era “uma princesa muito nua, muito madraça, muito suja e muito escavada”. Estava ainda longe da carreira que o consagraria como escritor, era um crítico mordaz da sociedade em que vivia e usava o jornalismo como arma de combate.

Graças à Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, não é difícil ter acesso ao texto original do jornal “O Índio”, que circulava em Palmeira dos Índios (AL). Fazia cerca de 30 anos que o futebol acabara de ser importado para o Brasil. Era um esporte da elite. Com o pseudônimo J. Calisto, Graciliano assinava uma coluna intitulada “Traços a esmo”, em que fazia comentários ácidos em geral.

No domingo de 10 de abril de 1921, começou assim: “Pensa-se em introduzir o futebol, nesta terra. É uma lembrança que, certamente, será bem recebida pelo público, que, de ordinário, adora as novidades. Vai ser, por algum tempo, a mania, a maluqueira, a ideia fixa de muita gente. Com exceção talvez de um ou outro tísico, completamente impossibilitado de aplicar o mais insignificante pontapé a uma bola de borracha, vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha capaz de durar bem um mês.”

Argumentava que a cultura física estava inteiramente descurada entre nós.

“Temos esportes, alguns propriamente nossos, batizados patrioticamente com bons nomes em língua de preto, de cunho regional, mas por desgraça abandonados pela débil mocidade de hoje. Além da inócua brincadeira de jogar sapatadas e de alguns cascudos e safanões sem valor que, de boa vontade, permutamos uns com os outros, quando somos crianças, não temos nenhum exercício. Somos, em geral, franzinos, mirrados, fraquinhos, de uma pobreza de músculos lastimável.”

Afirmava claramente não ser contra o futebol só por ter sido importado.

“Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis ou não. No caso afirmativo, seja muito bem-vinda a instituição alheia, fecundemo-la, arranjemos nela um filho híbrido que possa viver cá em casa. De outro modo, resignemo-nos às broncas tradições dos sertanejos e dos matutos.”

A grande dúvida é que Graciliano ora parece claro que se dirigia especificamente à sua gente do sertão, aos leitores do jornal de sua pequena Palmeira dos Índios, ora parece falar para o Brasil como um todo, sendo que neste caso o jornal “O Índio” decerto não era o melhor palanque, e talvez fosse audácia demais para um talento de então apenas 29 anos.

A contraposição sertão/grandes cidades aparece no texto com frequência reforçando a ideia de que fala mais para sua gente do que para todo o país: “As grandes cidades estão no litoral; isto aqui é diferente, é sertão. As cidades regurgitam de gente de outras raças ou que pretende ser de outras raças; nós somos mais ou menos botocudos, com laivos de sangue cabinda ou galego. Nas cidades os viciados elegantes absorvem o ópio, a cocaína, a morfina; por aqui há pessoas que ainda fumam liamba. Nas cidades assiste-se, cochilando, à representação de peças que poucos entendem, mas que todos aplaudem, ao sinal da claque; entre nós há criaturas que nunca viram um gringo”, comentava.


Rasteira, “esporte nacional por excelência”

Sugeria para a mocidade exercitar-se em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, como o murro, o cacete, a faca de ponta.

“Estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho. O futebol, o boxe, o turfe, nada pega. Desenvolvam os músculos, rapazes, ganhem força, desempenem a coluna vertebral. Mas não é necessário ir longe, em procura de esquisitices que têm nomes que vocês nem sabem pronunciar. Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que tudo, o cambapé, a rasteira.”

A conclusão de Graciliano, irônica e política, é tão brilhante que deveria ser suficiente para sepultar a polêmica sobre suas intenções a respeito da profecia futebolística.

“A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência! Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro — e a rasteira nos salva. Na vida prática, é claro que aumenta a natural tendência que possuímos para nos utilizarmos eficientemente da canela. No comércio, na indústria, nas letras e nas artes, no jornalismo, no teatro, nas cavações, a rasteira triunfa.

Cultivem a rasteira, amigos!

E se algum de vocês tiver vocação para a política, então sim, é a certeza plena de vencer com auxílio dela. É aí que ela culmina. Não há político que a não pratique.”


Artigo publicado no vespertino para tablet O Globo a Mais

Artigo de Opinião - E mais uma edição .... Marcus Tavares

O formato do reality show ‘Big Brother’ já foi abandonado em vários países, mas aqui no Brasil ele parece seguir confiante: o programa do gênero mais antigo da TV aberta, o ‘BBB’ estreou esta semana a 13ª temporada. São 12 anos, praticamente uma geração. Do BBB1 ao atual, a base da atração é a mesma: uma casa e participantes, estereótipos da sociedade do consumo e da imagem, de diferentes extratos e contextos confinados. Na prática, pouca coisa mudou da primeira edição. Mas será que podemos dizer o mesmo da audiência?
Os números revelam que ela vem caindo, e muito. A estreia desta semana marcou 24,6 pontos. A do ano passado registrou 32,8. O BBB1 registrou 48,7 pontos no Ibope. É certo que a novidade passou, que a internet e as redes sociais se popularizaram desde então, ocupando mais o tempo livre das pessoas, que a TV por assinatura cresceu (pouco, mas cresceu) e que a sociedade, penso eu, se cansou. É lógico que sexo e briga elevam a audiência. Não é sem razão que a produção de qualquer reality show procura sempre apostar nestes dois itens. Mas creio que, além de estas histórias serem repetitivas, o gosto do público parece estar mais exigente.
Quando vemos o sucesso que a novela ‘Avenida Brasil’ conseguiu — por meio de uma boa trama, encantou o público, prendendo a atenção de crianças, jovens e adultos —, fica claro que o que a audiência quer é uma história que surpreenda, sem apelação. Acho que o público de hoje, mais participativo e interativo, não se convence e se satisfaz com qualquer coisa. E mais do que isso: aos poucos percebe que há limites e que é ele quem tem o poder para definir quais são.
O telespectador continuará a dar ‘aquela espiadinha’, às vezes por simples falta de opção, mas certamente será fisgado por outra produção que instigue a sua atenção, que o surpreenda, o alimente, o teste. É isso que ele quer. Não mais do mesmo. O canal que apostar nisso vai sair na frente. Está na hora de a TV brasileira inventar novos formatos. E ouvir a audiência.


Professor e jornalista especializado em Educação e Mídia

sábado, 12 de janeiro de 2013

Vale a pena assistir - Chico Buarque


Você já assistiu ? - Chico e Nara relembram Festivais


Você precisa assistir - O depoimento da babá do Chico Buarque


Vale a pena assistir - Chico Buarque - Globo News


Você já assistiu ? - Vidas Secas - O Filme


Você sabia ? - Mais um pouco do Machadão


Te Contei, não ? - Realismo

Você conhece ? - Graciliano Ramos

Te Contei, não ? - O Mulato & O Cortiço

"O Mulato" E "O Cortiço"
 
 
 
 
 
 
 
 
Aluísio de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão em 1857, morreu em 1913 em Buenos Aires. Era caricaturista de jornais num ambiente sócio-cultural em mudança.

A partir da segunda metade do século XIX, viveu no Rio de Janeiro porque não fazia os jogos de cartas marcadas da política de sua terra natal. A burguesia política, social, econômica, industrial e mecânica, isto é, ideológica, se imbuiu de um conjunto de idéias pré-formadas, ao autodefinir-se enquanto classe (apelidando-se de "elite").

"Elite" por autodenominação. Esses liberais, do capitalismo cromagnon, se apossaram do conceito grego de democracia, e se assentaram nele como se fossem os cavaleiros da Távola Redonda das oligarquias regionais. Paradoxalmente, os liberais eram a vanguarda pensante da sociedade. Qualquer leitor de atualidade mediana poderia ser um eficiente escritor da escola do realismo-naturalismo. Nela estavam presentes, o desenvolvimento ufanista das ciências naturais, com novos métodos de experimentação e observação da realidade, a exemplo do darwinismo social.

A idéia darwinista da evolução, em voga em todo o ambiente científico "globalizado", da época (a seleção natural pela busca da sobrevivência do mais apto; o estudo e a interpretação da vida humana em sociedade), serviu de motivação literária para o autor de "O Cortiço". Aluísio de Azevedo afirmou-se enquanto um escritor crítico dos costumes sociais da época. A sociedade no estrato da pequena-burguesia, não possuía nenhuma orientação ideológica de classe, que pudesse salvá-la do comando, comunicação e controle (domínio maquiavélico) de seus tutores burgueses.

A tutela da sociedade estava em mãos dos banqueiros da propaganda política do capitalismo cromagnon em expansão. No romance mencionado, datado de 1890, a história do Cortiço não difere da de seu proprietário, o português João Romão, que explorava os sem teto da época, e os fazia devedores infindáveis do dinheiro das mercadorias que compravam em seu armazém.

João Romão comprou a escrava Bertoleza, uma beleza, que comercializava peixes fritos para seu patrão. João era um fundamentalista fanático do liberalismo (que originou uma coisa política, econômica e jurídica covarde, fraudulenta e impune, que se chamaria, algum tempo depois, de neoliberalismo). Como todo bom corrupto precursor dos neoliberais, João Romão fez dela amante, e, a pretexto de, como todo bom patrão, cuidar bem do dinheiro dela, depositou-o inteiro em suas contas, entregando-lhe, como compensação, uma falsa carta de alforria. Próspero, ele torna-se proprietário de uma pedreira na parte dos fundos do Cortiço.

Cheio da grana, que é tudo que a sociedade pequeno-burguesa precisa para se curvar reverentemente diante da ideologia fascista de qualquer bucaneiro, João Romão não tarda a encontrar sua "princesa", filha de um vizinho. Do vizinho interessado em por as mãos em parte do dinheiro do dono da mercearia, do Cortiço e da pedreira. A filha, possivelmente, para ele não valia nem a metade do preço dessas mercadorias.

Ela, a filha, era sua mercadoria disponível para começar as negociações matrimoniais dos interesses de ambos os burgueses. A cerimônia de casamento poderia realizar-se se ele se livrasse da escrava. Ao denunciar Bertoleza, que "se dizia" supostamente alforriada. Seus antigos patrões vieram buscá-la. Ela, acuada, se suicida. Há também a história de outro português, Jerônimo, um dos muitos moradores do Cortiço e administrador da pedreira. Casado, com uma vida domesticada pela rotina, ele é pego pelo "calcanhar de Aquiles" de todo português que almeja realizar lubricamente seus delírios de domínio sexual.

Rita Baiana chegou outra vez, com a inspiração de sua música de "guetho", dançou e cantou num boteco, ponto de animação do cortiço. O Jerônimo não se segurou. E lá se foi a felicidade do casal que, até então, eram "felizes para sempre". Depois de ver o gingado da baiana se encrespar para seu lado, ele não resistiu: a paixão falou mais alto. A pulsão mencionada por "tio" Freud jogou para o alto tudo que ele havia conseguido até o momento de vê-la dançar. A sereia canta mas o Ulisses caboclo não está amarrado ao mastro do navio mercante.

O vulcão fundamentalista da paixão ganha dos demais impulsos envolvidos. Firmo, o namorado de Rita, o esfaqueou numa briga. Posteriormente Jerônimo matou seu rival e fugiu com Ritinha Baiana. A delinqüência mental, patológica, das personagens pequeno-burguesas do romance naturalista de Aluísio Azevedo, indica a decadência geral dos valores éticos e morais, supostamente criados pela civilização dos velhacos teóricos de todos os matizes: os descendentes da civilização cromagnon da pré-história, vestidos de suposta civilidade.

A civilização ocidental, mãe do fundamentalismo jurídico da atualidade, estava a serviço dos banqueiros do colarinho branco da época do naturalismo literário. As influências históricas criavam as possibilidades criativas da essência pulsional das personagens naturalistas. O Naturalismo era uma corrente cientificista do Realismo. Sua exposição literária afirmava alguns aspectos de consideração particularizada. Ele resistia à criação das personagens idealizadas da escola romântica.

Os realistas e naturalistas criaram uma literatura de maior verossimilhança com a realidade. Não utilizavam a ingenuidade, por vezes fantasiosa, característica do estilo anterior. Valiam-se, os naturalistas, da aplicação dos princípios deterministas de Taine.

Para os naturalistas, assim como para o determinismo, os fenômenos pessoais e sociais se encontram associados por uma cadeia de fenômenos condicionados por outros que os precederam. Fenômenos esses que condicionavam, com a mesma vitalidade, a repetição da história pessoal, familiar, profissional e social, dos acontecimentos que, por sua vez, vão lhes suceder.

Aluísio de Azevedo, leitor contumaz de Eça de Queiroz, cria um intertexto tropicalizado da literatura deste, excluindo as influências da primeira fase do realismo incipiente, mascarado com as peripécias literárias da herança da escola do romantismo. O Cortiço está mais para o estilo da segunda fase literária do escritor português de "Os Maias": O discernimento social crítico da cultura de costumes da vida portuguesa. A ironia com que desmascara a hipocrisia e a crueldade ociosa da sociedade portuguesa.

Há alguns elementos, na literatura de Aluísio de Azevedo, da terceira fase literária de Eça: eles mostraram um escritor que dissertava sobre a criação de suas personagens de maneira veemente, lírica, sem que se incluísse na rigidez das etiquetas, das regras impostas pelos cânones da literatura realista e da literatura naturalista da escola européia.

Em "O Cortiço", o autor maranhense mexe com a vaidade dantesca dos "marimbondos de fogo" da sociedade maranhense, sinônimo de intriga caluniosa, mexericos e fofocas. A chamada "elite" social maranhense sentiu-se atingida pela leitura intertextual do autor: em sua terra natal nada mais era do que um "outsider". Os escitores que merecem este nome são, por vezes, os excluídos de seu tempo, porque em suas criações literárias, expõem, frente ao espelho da conduta social, a careta ávida de lucro, contraída pela ansiedade voraz, antropofágica, por ter (ter sempre mais), dos burgueses. Principalmente da burguesia praticante da "dança primata do avestruz":

A pantomima indigna das idéias e costumes da classe "A", que os fazia escravos de interesses extremamente particulares, que não possuíam nenhum resquício de democráticos. A aparente oposição que existia entre Miranda e João Romão, era, simultaneamente, a exteriorização dramatizada de uma profunda identidade de interesses comerciais (tipo levar vantagem em tudo, todo tempo), e outros, de natureza social incestuosa, entre eles. Eram, Miranda e João Romão, ambos portugueses em busca, no Brasil, da terra prometida do comércio pirata de mercadorias e de mulatas. Outros códigos literários (doutrinas científico-filosóficas), influenciavam a literatura naturalista. A exemplo da Dialética do Processo Racional.

Segundo Hegel, qualquer raciocínio pode ser lógico, desde que estruturado na trilogia seqüencial tese, antítese e síntese. O Positivismo de Augusto Comte, apregoava a superioridade da ciência para a sociedade. Comte garantia que a Teologia e a Metafísica poderiam ser excluídas da "teoria do conhecimento", uma vez que a "realidade" é uma realidade concreta, sólida, maquiavélica, implacável. Proudhon teorizou sobre as bases do pensamento socialista a partir das idéias de Comte.

O pessimismo da filosofia de Schopenhauer, outra influência da literatura naturalista, afirmava que o ser humano da espécie sapiens sapiens, está vocacionado para a dor e o sofrimento, desde que a felicidade vulgarizada pela escola romântica, não passava de um delírio persecutório: uma ilusão. Essas influências contribuíram para uma crítica da sociedade burguesa vigente na época. A maneira burguesa, liberal, a partir da qual João Romão enriquece, ao roubar seus fregueses no preço e, ao mesmo tempo, pervertendo e deformando a prática das relações sociais em benefício próprio, configura a crueldade de algumas personagens literárias que caracterizaram o Naturalismo.

A vida cotidiana da sociedade burguesa, está presente na natureza da linguagem descritiva que dispensa os eufemismos românticos. Há a presença da solidariedade no exercício da iniciativa estética na literatura realista e na criação literária do realismo.

A literatura realista cria a possibilidade de conceituar de maneira, por vezes "expressionista", a aderência incestuosa, simultânea, das influências do realismo literário, somadas à realidade burlesca da sociedade: O sentimento de harmonia na narração das emoções de prevalência social do mundo burguês decadente e cerimonioso, ao mesmo tempo real e horrível. Os naturalistas consideravam-se, na época, os únicos a criar metáforas literárias para explicar racionalmente o universo limitado pelos cinco sentidos dos interesses fundamentalistas burgueses do liberalismo.

Em Portugal, essas idéias criaram a polêmica conhecida como "Questão Coimbrã", quando Antero de Quental contestou as críticas dos românticos, através do texto conhecido por "Bom Senso e Bom Gosto". Em suas "Odes Modernas", nas poesias que representavam a fase realista do autor, há a presença das idéias de justiça social, igualdade e dignidade, precursoras das atuais idéias de cidadania. Futuramente (nas literaturas fantástica e de ficção científica), essas criações, de maneira gradual, foram integradas ao discurso literário científico da ficção (realista e científica), formas culturalmente elaboradas para que sejam mostradas, de maneira mais eficaz e intensa, o futuro das relações sociais nas quais prevalecem as diferenças, os preconceitos e a exclusão social.

Em outras palavras: os interesses da burguesia cromagnon, que autodenomina-se "elite". Elite é o que há de melhor num grupo social. Na realidade, a burguesia é uma minoria dominante, constituída de indivíduos que visam apenas o lucro. Do ponto de vista intelectual, espiritual, histórico, político e econômico, há muito a burguesia é uma escória. Veja o leitor no documentário do cineasta Michael Moore, "Fahrenheit 11 de Setembro", que o presidente dos Estados Unidos, o famigerado "Bush de Blair", se reporta à "elite" americana como sendo, para ele, uma "massa de manobra" para os interesses pessoais e os de sua "família".

A "elite" é a escória. Abastada. "Elite" nos Estados Unidos autodenomina-se de pele branca, do olho azul, rica e protestante. Essa "elite" costuma fazer guerras e usar as pessoas negras e "os mulatos", porincipalmente os de origem latino-americana, morando em "cortiços", para ir morrer por eles, onde quer que seus interesses estejam sendo defendidos.

Atualmente, a principal guerra que fomentam é no Iraque. É a "família" do "Jedy" Bush em grandes negociatas com a "família" americanófila de sauditas. O presidente dos EUA atacando "Satâ" Darth Wader (Hussein), que nunca matou sequer uma barata americana. "Bush de Blair" está a garantir parte do petróleo do oriente médio para as contas correntes de sua turma de delinquentes milionários: a "elite" americana do partido Republicano. Depois que eles mataram os irmãos Kennedy (o presidente John e o senador Ted), parece que não há nada que os faça parar com o despotismo político. Burguês.

A corrupção e a impunidade dessas importantes autoridades da política do complexo industrial militar, faz com que eles tomem não "mão grande", até eleições ganhas pelo partido Democrata. O terror e o medo que essas "autoridades" estão implantando nos Estados Unidos, se confirma na atual baixa auto-estima do povo americano, que deles vêm aceitando tudo, até a quase extinção dos direitos individuais em nome de uma suposta proteção dos americanos na luta contra o terrorismo. Ora, os terroristas são aqueles que matam um presidente e um senador de seu próprio país para poder fabricar armas, helicópteros, e bombas à vontade. Invadir países, fabricar guerras, E ficaram impunes, até hoje.

Para a desgraça e a vergonha de uma nação que se apelida de "democrática". A "elite" burguesa fede, através dos corpos dos americanos mortos nas guerras que o complexo industrial-militar promove. Como afirmou, com propriedade, a poesia daquele cantor popular. Quem vai parar a burguesia? Ou o planeta acaba com a burguesia, ou a "elite" dessa burguesia acabará com o mundo, Ao "defendê-lo" apenas para seus interesses.

Se alguém fizer um exame de DNA, ou equivalente para saber o quanto há de sangue branco nessa "elite", verá que a progênie da grande maioria deles é mais negra do que eles mesmos possam pensar. Que diferença se a pele deles é negra ou branca? Na realidade "a burgusia
fede e quer ficar rica". Mais rica. Sempre. Sem que a ética e a moral sejam levadas em consideração. Só isso, A isso eles chamam de cultura, de civilização e de "democracia".

Os "mulatos" e os habitantes latinos dos "cortiços" são os que vão morrer em mais essa "guerra suja". E o pilantra do "tio" Sam, representado pelo golfista à "black-tie", o "Bush de Blair", continua com aquele sorriso de hiena. De ave de rapina. Mentindo para o mundo globalizado pela impunidade e a corrupção? Até quando?
 
 
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