Bonita cena, no final de Internacional 6, Vasco da Gama 0 (perdão Aldir), na última quarta-feira, em Porto Alegre. O goleiro do Vasco, Jordi, saía de campo cabisbaixo, com a cara indisfarçável de quem levou seis gols numa noite, e o goleiro Muriel, do Inter, foi abraçá-lo. Os dois deixaram o gramado lado a lado, com Muriel falando sempre, certamente tentando consolar o outro e diminuir sua mágoa.
Pode-se até
adivinhar o que Muriel dizia: “Futebol é assim mesmo, goleada é acidente, amanhã é outro dia, levanta a cabeça...” Mas, por trás das platitudes, havia um admirável gesto de solidariedade. Muriel era o goleiro titular do Inter, seu reserva era seu irmão Alisson. Este acabou sendo promovido a titular. E Muriel aceitou ser substituído pelo irmão, sem ressentimento ou aparente trauma na família.
Alisson foi convocado pelo Dunga para a seleção, Muriel ficou no seu lugar. Na quarta-feira não levou gol, mas sua melhor intervenção da noite foi o abraço humanitário no Jordi. (Informação tipo nada a ver: o terceiro goleiro do Inter, depois dos dois irmãos, é o interminável Dida).
Na quinta-feira, depois do jogo, os jornais publicaram aquelas terríveis fotos do menino sírio afogado numa praia da Turquia, vítima do naufrágio do barco em que viajava com uma família de imigrantes clandestinos tentando chegar à Europa, parte da leva de desesperados que invadem o território e a consciência do Primeiro Mundo. Não há nada que ligue a bonita cena da quarta-feira com as fotos divulgadas na quinta, seria até uma leviandade comparar um episódio como o do bom caráter do Muriel, que nos enche de admiração, além de orgulho colorado, com as imagens do menino morto, que nos despedaçam o coração.
Ou talvez a ligação seja essa: num mundo em que as pessoas morrem em naufrágios ou sufocadas dentro de caminhões aos milhares tentando fugir da miséria, da guerra e da desesperança, numa espécie de genocídio crônico, deve-se procurar provas de solidariedade humana onde for possível, até em pequenos gestos para um pequeno público, como o do Muriel na quarta-feira. Para não sucumbirmos, nós também, à desesperança.
A desigualdade que divide nações internamente também divide o mundo. Os refugiados que arriscam a vida para mudá-la querem fugir da fatalidade geográfica que os condenou a nascer no lado errado das fronteiras, por isso lutam para rompê-las. Mesmo tendo que deixar no caminho despojos de guerra, como um menino morto na praia.
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