RIO - Em seu gabinete, a chefe de Estado do Brasil negocia com os partidos aliados a aprovação de projetos apresentados ao Parlamento e as pautas-bomba que não a deixam dormir. Ávidos por cargos e títulos que dão projeção política na Câmara e no Senado, parlamentares condicionam o apoio a favores. Enquanto isso, pelos corredores do palácio do governo, o fogo amigo ameaça: figuras próximas a ela cobiçam sua cadeira e tramam contra o poder. Nas ruas, a oposição se articula, quer que a chefe de Estado deixe o comando do país. A descrição do cenário de crise política serve para o governo da presidente Dilma Rousseff, mas foi feita em cartas, há quase 130 anos, pela primeira mulher a governar o Brasil, a princesa Isabel. O acervo, de posse do Museu Imperial de Petrópolis, Região Serrana do Rio, mostra o jeito brasileiro de fazer política — que pouco mudou ao longo dos séculos — e uma princesa de pulso firme e detentora de um humor ácido.
São cerca de três mil escritos de Isabel, endereçados ao pai, o imperador Pedro II; à mãe, imperatriz Teresa Cristina; à irmã, princesa Leopoldina; e à sua amiga e confidente condessa de Barral, que descrevem a sociedade da época. Sem o carisma de Pedro II, Isabel esteve à frente do país por três vezes ao substituir o pai durante suas viagens. A primeira regência (1871) durou oito meses e as outras (1876 e 1888), pouco mais de um ano cada.
Assim como Dilma, Isabel manteve-se fiel ao estilo brasileiro de governar. Teve nos cargos e nos favores uma moeda de troca para sustentar a base parlamentar de seu governo e ainda distribuiu títulos de nobreza, que conferiam status. Antes de concedê-los, escrevia ao pai para aprová-los. Em troca, era cobrado apoio às suas decisões. Alguns títulos chegaram a ser contestados, como o concedido a um fazendeiro que virou barão por ter alforriado apenas um escravo.
Em suas três regências Isabel enfrentou oposição por ser mulher. Era chamada pelos adversários de carola, sem carisma e submissa ao pai e ao marido, o conde francês d’Eu. Seus aliados a acusavam de não gostar de fazer política. Por ter sido mãe tarde, deu munição aos republicanos e aos monarquistas, que cobravam um herdeiro para o trono.
— A imagem que foi construída de Isabel é a da princesa que aboliu a escravatura, avessa à politica e submissa ao pai e ao marido. E que se Isabel substituísse o imperador Pedro II, o país seria governado pelo marido francês. Mas não era bem assim. A princesa foi quem pegou as maiores pautas-bomba do Império: a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea — explica o diretor do Museu Imperial, Maurício Vicente Ferreira Júnior. — Meses antes da abolição, a princesa promoveu um desfile de carros com distribuição de camélias, flor que simbolizava os abolicionistas, e entregou cartas de alforria, maneiras de demonstrar que apoiava os abolicionistas.
Se a presidente Dilma trava hoje uma luta contra a balança — fez dieta, exercícios e a anda de bicicleta por Brasília —, Isabel também não deixou de brigar com o peso enquanto governou o Brasil. Recorreu a dietas, cavalgava e fazia caminhadas. Mas o vilão do peso, relatado nas cartas, mostrava-se mais difícil de vencer do que o desafio da articulação política. Gulosa, não resistia ao feijão preto. Ao informar ao marido — que estava em combate na guerra do Paraguai —, sobre como andava a dieta, Isabel fazia mea culpa e dizia que, por várias vezes, não conseguia abandonar a geleia de laranja, deixar de lado os doces de ovos, evitar o pão com manteiga e, principalmente, não desfrutar de bolos e pães de ló.
Pesquisadora do Museu Imperial, a historiadora Fátima Argon, que há 30 anos estuda a vida da princesa, diz que, antes de ir para a guerra, conde d’Eu recomendou à mulher que cuidasse das gorduras a mais e “pensasse em Banting”:
— Ela falava sobre os pecados contra Banting. Nas primeiras leituras não sabíamos o que significava. Mas depois descobrimos que tratava-se de William Banting, um homem que pesava cem quilos e, após uma dieta, perdeu 40. Quando o conde d’Eu lembrava de Banting nas cartas, ele usava uma forma sutil de dizer que Isabel precisava emagrecer — conta Fátima, ao lembrar que numa das correspondências conde d’Eu afirmou aos familiares que sua mulher não era bonita, mas que tinha outros atributos que o conquistaram.
Isabel não se importava com as indiretas do marido, continuava amando-o. Romântica, ela assinava as cartas para o conde de forma sensual: “de sua cocote” — na época, a palavra era usada como sinônimo de meretriz; mulher elegante, mas mundana; de vida fácil. Nas cartas ao conde, volta e meia retornava ao assunto alimentação e falava de sua paixão por morangos e vinhos: “Chegou uma enorme provisão de vinho e contamos de esquecer os tormentos da solidão entregando-nos às delícias de Baco”, escreveu Isabel, ensinando a fórmula para conviver com a falta do marido e a solidão nas noites frias de Petrópolis.
Isabel deixava transparecer sua vaidade feminina. Porém, condenava exageros. Na troca de correspondência com a irmã e a condessa de Barral, comentava que havia repetido roupas em solenidades e festas — prática difundida pela presidente Dilma —, e que não tinha tantos vestidos quanto a maioria das damas da Corte. Ela não costumava elogiar outras mulheres do império: “Esqueci de dizer que vimos a Vicentina. Não é bonita, mas achei agradável”, pontuou em uma das correspondências.
De humor ácido, Isabel chegou a brincar numa das cartas com seus cabelos curtos e ralos, que caíram por causa de uma febre tifoide, ao discutir um projeto de abastecimento de água. No mesmo texto, de fevereiro de 1868 endereçado ao pai, ainda demonstrou sua personalidade autoritária — as vezes explosiva, como aparenta Dilma — e defensora da prática do engavetamento de projetos, usada até hoje:
“No mesmo dia veio também o Bulhões que contou-nos que segundo um projeto dele, o Rio devia ficar com muita água, mas isto à custa de dois terços da água da cascata grande da Tijuca, ficando esta só com um tercinho. Não pude impedir-me de dizer-lhe que era um barbarismo, um vandalismo. Pois não se achará outro meio de abastecer o Rio de água? Parece que para consolar-me disse-me que estava arranjando um caminho novo muito bom, menos íngreme para ir das Paineiras ao Corcovado; mas quando podia ter ambas as coisas a ideia da possibilidade do primeiro projeto, me faz arrepiar os cabelos, e agora que os tenho bem curto isto é ainda mais fácil. Parece que os papéis sobre a supressão da cascata estão no conselho de estado, onde desejarei que fiquem para sempre”.
Isabel era firme ao impor sua vontade. Ao abolir a escravatura, mesmo contra a vontade de parte do governo, ouviu do Barão de Cotegipe que a libertação significaria a perda do trono. “Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos do Brasil”, disse, ignorando recomendações. Durante a terceira regência, Isabel conviveu com o fogo amigo do sobrinho, Pedro Augusto, que conspirava contra a tia de olho no trono. No ano seguinte à abolição, os republicanos, que buscaram o apoio das ruas, chegaram ao poder e Isabel foi para o exílio na França.
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