sábado, 9 de fevereiro de 2013

Responda, se for capaz - FALTA UM LINCOLN AO BRASIL ?

VISÃO Daniel Day-Lewis como Abraham Lincoln. O presidente americano enxergava mais longe, e com mais nitidez, que seus conterrâneos (Foto: divulgação)Há apenas as sombras negras dos homens reunidos à mesa. Surgem as vozes, a discussão intensifica-se e, quando o 16º presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, ergue lentamente o braço direito, a câmera aproxima-se. Encontra-o imóvel. Suspenso à meia-luz. Pá! A pancada na mesa silencia a sala da Casa Branca, os assessores do presidente, o espectador – e o filme torna-se por completo Daniel Day-Lewis, o ator que interpreta de modo inesquecível Lincoln, no filme homônimo do diretor Steven Spielberg, cuja estreia ocorreu nesta sexta-feira (25). “Agora! Agora!”, diz Lincoln, em alto timbre, apontando os dedos para os assessores, tornando-os, com esse simples gesto, sócios na vitória ou na derrota da emenda número 13 à Constituição dos Estados Unidos, que, em 1865, viria a proibir a escravidão no país. O filme de Spielberg acompanha as semanas mais críticas da história dos Estados Unidos: o corajoso avanço de Lincoln para encerrar a escravidão que dividira o país e, o que parecia impossível para seus pares, dar fim à guerra que se iniciara precisamente pela ascensão de abolicionistas como Lincoln.
A guerra civil já durava quatro anos, e Lincoln, recém-reeleito para o segundo mandato pelo Partido Republicano, exigia que seus aliados dessem tudo para que a emenda fosse aprovada pela Câmara dos Deputados. Era o que ele classificava de “cura” para o país. “Agora! Agora!” E o peso da história cai sobre o espectador, ao sabor do braço e da oratória de Lincoln.

Menos de um ano antes, Lincoln havia apresentado a mesma emenda ao Congresso. Ela passara no Senado, mas fora derrubada na Câmara. Por que Lincoln resolvera insistir? Por que justo naquele momento, contra todas as expectativas e todos os conselhos? Essas perguntas acompanham, como um iceberg que apenas se insinua, a jornada de Spielberg pela alma de Lincoln naqueles dias tormentosos. As possibilidades de resposta são múltiplas, e algumas aparecem na narrativa de Spielberg, mas a principal delas, a que precede as demais, é esta: porque Lincoln resolvera liderar o país. É da interação entre as complexidades do mundo em que vivia Lincoln, e que dele exigiu o coração e, em seguida, a vida, que emerge a irresistível força do filme de Spielberg. E que, no momento em que vive o Brasil, pouco mais de duas décadas após o fim da ditadura e da volta do pleno exercício da política, um país ainda assombrado por mensalões, conduz à pergunta: nós precisamos de um Lincoln? Ou, reformulando, precisamos de um líder político que tenha a ambição de deixar um legado maior do que o próprio poder?

Lincoln, mesmo sendo um político visionário, recorreu a expedientes sujos. Teve seu pequeno mensalão. Afinal, como convencer os deputados que haviam votado contra a mesma emenda menos de um ano antes? Lincoln sugere, com palavras ambíguas, que seus operadores políticos fossem às compras. O presidente queria reapresentar a emenda em janeiro daquele ano, antes que se encerrassem os mandatos dos antigos deputados. “Temos 64 deputados democratas que não se reelegeram e que não precisam se preocupar com votos a partir de março”, diz Lincoln a William Seward, seu secretário de Estado, um homem de princípios inquebrantáveis. Seward reage: “Mas não podemos com-prar o voto da emenda! É algo muito importante”. Lincoln, àquela altura, conhecia bem o Congresso do qual dependia. Descobrira, no recém-encerrado primeiro mandato, que seus encantos retóricos eram para lá de insuficientes para persuadir parlamentares mais atentos ao bolso do que ao debate. Discursos e boas ideias ajudam, mas, mesmo nos tempos de Lincoln, não faziam maioria no Congresso – sobretudo uma maioria constitucional de dois terços.

A derrota da emenda meses antes ensinara a Lincoln que, para liquidar com a escravidão no país, era preciso recorrer, entre outras muitas ações políticas, a expedientes sujos. “Não falei em comprar nada”, diz Lincoln a seu confidente, Seward. “Precisamos de 20 votos. É o começo do meu novo governo, muitos cargos para preencher…” Na magnífica interpretação de Day-Lewis, Lincoln anuncia essas palavras com uma doce e paternal tranquilidade, limpando-as do sujo significado pela mera inflexão de voz. Queria aliviar a consciência moral de Seward e talvez açular dúvidas nela. Seward, mesmo contrariado, fez como quase todos que se viam diante dos feitiços de Lincoln: pôs-se a cumprir o que o presidente queria.


Estava posto ali o limite moral suportado por Lincoln, a sujeira aceitável dos meios considerados necessários para obter o fim perseguido por ele. Para homens como Lincoln, era uma mácula pesada. Por mais indispensável que ele a julgasse, contudo, Lincoln não se eximia da responsabilidade da decisão que tomara. Lincoln sabia o que estava fazendo – e o preço que sua biografia pagaria por isso. Eram decisões tomadas, no entanto, em tempos difíceis – tempos de guerra, hostis a ambiguidades morais. Os Estados Unidos sangravam vidas e dinheiro com a guerra civil entre os Estados do norte, abolicionistas e comandados por Lincoln, e os Estados do sul, escravocratas, que haviam se declarado independentes da União quatro anos antes. Fora uma secessão precipitada pela eleição de Lincoln à Presidência, em 1860. Lincoln, a exemplo de seus colegas no Partido Republicano, ascendera pela defesa apaixonada do fim da escravidão. Os Estados do sul percebiam nele, com razão, uma ameaça à cultura escravocrata do país. A secessão era previsível; a guerra, inevitável.
Lincoln foi reeleito, em larga medida, porque o norte, após duras derrotas nos primeiros anos da guerra, virara o jogo. Quando Lincoln se preparava para iniciar seu segundo mandato, a vitória definitiva do norte estava próxima. Lincoln já entrara para a história, já tinha seu legado. Era uma figura “semimítica”, como frisara Seward a ele, na esperança de demovê-lo, pela vaidade, da ideia de tentar uma vez mais aprovar a emenda antiescravidão no Congresso. O cálculo político de Seward e da maioria do gabinete de Lincoln era simples: a rendição do sul viria em pouco tempo, e decretar ilegal a escravidão antes disso tornaria impossível a paz – os perdedores jamais aceitariam abandonar a es-cravidão, o que prolongaria a guerra até que não sobrasse país a ser governado.
Lincoln não só enxergava mais longe, e com mais nitidez, como era um estrategista brilhante. Em termos políticos, ele compreendia que, se a paz fosse alcançada antes do fim da escravidão, os Estados do sul conseguiriam bloquear no Congresso qualquer legislação abolicionista. Em termos históricos, ele compreendia muito mais: a única maneira de salvar os Estados Unidos da fratura que clamara 620 mil almas era salvar a ideia que o país fazia de si mesmo. Era essa ideia que estava em risco na guerra. A ideia de uma nação de homens livres e iguais perante a lei. Uma ideia poderosa, que fundara os Estados Unidos, mas inconciliável com a abjeta existência da escravidão – escravidão tolerada pela Constituição e ratificada pela Suprema Corte do país. Seward subestimara a vaidade – e a ambição – de Lincoln. Ele não queria ser apenas uma “figura semimítica”. Ele queria ser um mito. E, para isso, precisava refundar o país. “Essa emenda”, disse Lincoln, “é uma cura para todos os males. Resolve tudo.”
Um pedaço de lei com tamanho peso, aliado às complexidades anexadas a ele, diminui a mácula dos métodos empregados por Lincoln para aprová-la? Trata-se de um caso difícil – de um caso extremo. Na metáfora do próprio Lincoln: “Nós somos como baleeiros que estão há muito numa caçada: conseguimos, finalmente, fincar o arpão no monstro, e agora precisamos manobrar com cuidado, caso contrário um brusco movimento de seu rabo vai nos lançar à eternidade”. Demagogos dariam respostas fáceis, especialmente olhando pelo retrovisor da história, sem conhecer de perto a baleia. As principais escolas éticas apresentariam respostas distintas. Pragmáticos e realistas tenderiam a aprovar as atitudes de Lincoln. (Não por acaso, os principais pragmáticos são do mundo anglo-saxão.) Kantianos e idealistas de diferentes espécies poderiam reprovar as mesmas atitudes. Uma das virtudes de Spielberg é não julgar as decisões de Lincoln nem reduzir as nuances dramáticas que elas revelam. A câmera de Spielberg e o roteiro de Tony Kushner – apesar de alguns incômodos momentos de excessiva grandiloquência e desnecessária sentimentalidade – exploram detidamente os conflitos, internos e externos, que fizeram de Lincoln um dos mais fascinantes líderes políticos da história.

São em momentos difíceis, como o enfrentado por Lincoln, que emerge o caráter do líder político. E são nesses momentos que, ao contrário do que se deu com Lincoln, os liderados costumam decepcionar-se. Alguns descobrem que o político em que confiaram não tem a astúcia necessária para enfrentar os problemas que deveriam resolver. Outros, que ele se preocupa tão somente com a manutenção do próprio poder – ou, pior, com a prosperidade do bolso. Há, ainda, os tipos que logo revelam reunir uma triste combinação de todos esses defeitos: são os políticos ordinários, que de líderes nada têm. Barack Oba-ma, que idolatra Lincoln, decepcionou muitos americanos, os quais julgaram que ele não apresentou tenacidade e inteligência suficientes para dobrar um Congresso hostil. A maioria deles, todavia, ainda deposita em Obama a esperança de que ele seja capaz de liderar o país num momento de crise social, política e econômica. É no segundo mandato, que ora se inicia, que Obama mostrará o tamanho que terá na história dos Estados Unidos. A Europa, que agoniza numa duradoura crise econômica, não encontrou seu Lincoln. 
No Brasil, como no resto da América Latina, abundam líderes que lideram para si mesmos. Ou que lideram seu povo em direção à ruína, guiando-se pela bússola torta da ideologia. Raros são os líderes que tentaram liderar pelas ideias que davam sentido ao país – que extraíram o melhor dele e deram substância política a isso. Sobram, em nossa história política, figuras como o venezuelano Hugo Chávez e a argentina Cristina Kirchner. No Brasil, a experiência dos últimos anos não é tão traumática. Mas nem por isso deixamos de permanecer órfãos de líderes que combinem virtudes como integridade, inteligência e astúcia. E que usem essas virtudes para articular uma visão de país que nos faça melhores. Na escala moral de homens como Lula e José Dirceu, nossos líderes políticos mais recentes, que nada sabiam e nada fizeram, as piores ações de Lincoln junto ao Congresso seriam uma manhã de trabalho. É difícil encontrar no país, hoje, políticos que se destaquem pela exuberância intelectual ou, sobretudo, pela honestidade de princípios. Vide os candidatos à presidência da Câmara e do Senado.
Lincoln ilumina o melhor – e o pior – que a política pode ser. Apesar das óbvias diferenças de circunstâncias, da distância de tempo e espaço, é o tipo de evento cultural que pode, quiçá, inspirar novas gerações de políticos (alguém ainda tem esperança para os antigos?) a enxergar decência e utilidade no exercício da política – algo mais sofisticado do que a mera administração eficiente do dinheiro dos impostos, algo mais elevado do que a ambição do poder pelo poder ou do poder pelo dinheiro. A democracia brasileira precisa desesperadamente de líderes assim. Nossa baleia continua à solta.

Votos por cargo, votos por dinheiro (Foto: Fotos: David James/TM, Diego Vara/Ag. RBS/Folhapres, Paulo Filgueiras/CB/D.A Press, AFP, Epitício Pessoa/Estadão Conteúdo )

Duas visões sobre a responsabilidade (Foto: AFP e Epitício Pessoa/Estadão Conteúdo )

Revista Época

Crônica do Dia - Uma criança = papai + mamãe

Esse era um dos cartazes, empunhados com orgulho hétero, na manifestação gigante de Paris no dia 13: Un enfant = un papa + une maman. Centenas de milhares de franceses saíram do armário para dizer “não” ao projeto de lei do governo socialista de François Hollande de “mariage pour tous” (casamento para todos). No país da “liberté, égalité et fraternité”, os homossexuais ainda não têm direito ao casamento civil – e avós, papais, mamães, jovens e criancinhas defenderam nas ruas uma versão idealizada e romântica da família contra “a ameaça gay”.

A crise econômica e o desemprego atingem seriamente a Europa, mas o que leva uma imensa multidão a marchar no inverno parisiense não é a exigência de “trabalho para todos” – eles só querem impedir que homossexuais casem nos cartórios. Segundo as autoridades, foram 340 mil manifestantes. Segundo os organizadores, de 800 mil a 1 milhão. A disparidade dos números é um indício da irracionalidade do debate. La France n’est pas un pays sérieux.

Por que esse pânico, que beira a histeria? O que muda realmente na vida de um casal heterossexual se outro casal, homossexual, decide transformar sua união estável em casamento? Qual o resultado pernicioso dessa lei? Que significado teria, além de celebrar a igualdade de direitos civis numa democracia republicana laica, e não numa teocracia?
O que está em jogo não é o ritual da cerimônia, nem os papéis assinados ou os direitos à pensão ou herança. O que apavora os homofóbicos costuma vir logo depois do casamento: os filhos, a família. Os héteros mais fanáticos surtam só de pensar que um casal gay, de homens ou mulheres, tenha direito à paternidade ou à maternidade. Aí é demais. Contraria a natureza. O que será desses meninos e meninas, meu Deus?

Como se tivéssemos produzido gerações de crianças e adultos “normais”, livres de neuroses e traumas. Como se a heterossexualidade de pai e mãe assegurasse um vínculo afetivo sadio, um ambiente familiar exemplar. O argumento de que gays, por gostarem de pessoas do mesmo sexo, criarão filhos infelizes ou desajustados é de uma prepotência difícil de engolir.

“É natural o receio de que essas crianças sofram alguma discriminação na escola”, afirma a psicanalista e terapeuta familiar Junia de Vilhena. “Atendo no consultório um casal de mães homossexuais que se preocupam com a filha de 10 anos na escola. Mas a menina está muito bem integrada num meio liberal. As amiguinhas não questionam. Normalmente, quando existe preconceito, vem dos pais dos alunos, mesmo nas escolas mais avançadas. Sou esperançosa. A sociedade aos poucos aceitará. Pior e mais cruel é o preconceito contra crianças gordas. Elas enfrentam barbaridades.”

Mesmo nos países com leis progressistas, como o Brasil, desconfio que a maioria silenciosa da população seja contra o direito de um casal gay de educar uma criança como seu filho. Não importa o método: adoção, inseminação, fertilização in vitro ou acordos domésticos com amigos ou amigas. Há uma turma que considera a criança mais bem assistida num orfanato do que na casa de pais ou mães homossexuais.

“Dificilmente, hoje, encontramos essa família idealizada de um filho, um papai e uma mamãe, uma visão ligada à ideia do amor romântico e eterno”, diz Junia. A família de núcleo patriarcal é hoje minoria. Crianças vivem só com a mãe solteira, separada e provedora. Ou com padrastos, madrastas e meio-irmãos. “A classe alta não está nem aí para as regras. A classe baixa está fora desse sistema – em vez de sonhar com o casamento ideal, foca na sobrevivência. Quantos pais nem sequer reconhecem seus filhos. Ou têm amantes. Essa família arrumadinha e feliz nunca existiu, mas ainda é uma aspiração da classe média. Muitos homens e mulheres ficam juntos e infelizes até morrer.”

Estranho pensar que muitas de nós lutaram pelo direito de não casar de papel passado nem na igreja. Tive dois filhos, de dois homens, jamais casei oficialmente por ser contra associar o amor a qualquer contrato ou rito perante um juiz ou um padre. Há 40 anos, num mundo ainda com utopias, era uma transgressão. Formei minha família com erros e acertos.
Ser pai ou mãe, mais que uma possibilidade biológica, é um aprendizado. “Podemos encarar a família como uma prisão ou um lugar de abrigo. Um espaço de trocas ou de isolamento coletivo. Um agente de mudanças ou um dispositivo de alienação. De qual família estamos falando?”, diz Junia.

Alguns heterossexuais convictos alegam que gays só formam um casal, e não uma família. Um homem e uma mulher sem filhos tampouco são uma família. Mas conviver com filhos biológicos ou adotados, exercer a paternidade e a maternidade, deveria ser, sim, um direito de todos. O mundo caminha nessa direção. É irreversível. Nenhuma “parada hétero” reverterá esse processo.

REvista Época

Te Contei, não ? - O Punk

per-128-movimento-punkFoi um estilo musical criado na década de 70 e a cultura ao redor dele. Surgiu em Nova York a partir de 1974, quando os frequentadores da casa de shows CBGB e da cena underground local (usuários de drogas, poetas de rua, transsexuais e outros) formaram e apoiaram bandas que se opunham ao pomposo rock progressivo de bandas como Yes, que faziam muito sucesso na época. No ReinoUnido, especialmente em Londres, o movimento ganhou versão própria, com bandas icônicas como Sex Pistols e The Clash. Por lá, o surgimento do punk coincidiu com um momento político delicado, o que contribuiu para que muitas bandas criticassem o governo em suas músicas. No começo dos anos 80, o gênero deu lugar à new wave e ao pós-punk como estilos predominantes de rock.
REBELDES COM CAUSA
Em oposição ao movimento hippie, o punk apoiava a individualidade e a independência
Passarela Irada
O grupo britânico Sex Pistols nasceu em uma loja de roupas, a Sex, e seu visual foi criado pela estilista Vivienne Westwood, que trouxe de Nova York as peças rasgadas, os rebites, os alfinentes e os toques eróticos. Essas tendências e o incentivo à individualidade estimularam os punks a bolar visuais únicos. Até os cabelos curtos eram um manifesto: opunham-se às longas madeixas dos hippies.
Juntando os gêneros
O punk abriu a cabeça dos roqueiros para outros estilos. O grupo The Clash, por exemplo, pegou elementos do reggae. Já o Television bebeu na fonte do jazz e o Blondie, da disco. Na mesma época se destacou o ska, fusão de rock e reggae. E a vibe comunitária favoreceu subgêneros influentes, como o hardcore e o psychobilly.
Enfrentando o sistema
O punk era influenciado, principalmente na Inglaterra, pelo movimento Situacionista e por ideaisanarquistas e socialistas. A maioria das bandas era formada por gente pobre, que não via futuro com as ações do governo. Superpolitizado, o The Clash apoiava os rebeldes do movimento Sandinista, da Nicarágua.
Presença feminina
Com sua política acolhedora, o estilo abriu espaço para as mulheres. Elas passaram a integrar e até liderar bandas – entre os nomes importantes estavam Patti Smith, Debbie Harry e as The Slits. Mas nem todos os adeptos eram tão inclusivose nem todas as bandas com meninas tinham discurso feminista.
Se quiser bem feito...
A política DIY ("do it yourself", ou "faça você mesmo") pregava que músicos e fãs não dependiam de grandes corporações.Dessa ideologia, surgiram as gravadoras independentes e os fanzines, que ganharam popularidade e respeito. O DIY se expandiu para a moda e para o design – eram comuns pôsteres, flyers e roupas feitos à mão.
Filho da anarquia
Os estilos que tomaram o lugar do punk derivavam dele. Mesmo alguns que surgiram muito depois, como o grunge (Kurt Cobain afirmava que sua banda, Nirvana, era punk). Ele também foi a base dos movimentos riot- grrrl e queercore, defensoras da inclusãode mulheres e gays na música. Hoje, ainda sobrevive como gênero musical e ideologia, embora com menos proeminência.
MÚSICAS ESSENCIAIS
The Clash - London Calling
Faixa-título de um disco histórico, London Calling tinha letra que punha o dedo na ferida dos britânicos
Sex Pistols – God Save The Queen
Reza a lenda que a própria Elizabeth II proibiu que essa música chegasse ao primeiro lugar da parada britânica
Ramones –Blitzkrieg Bop
Os Ramones foram a primeira banda propriamente punk e lançaram vários hinos como esse, do primeiro álbum
O gênero também influenciou a literatura e o cinema, ajudando a lançar artistas independentes, como o diretor Derek Jarman
Inspirado no visual de índios norte-americanos, o moicano começou a ser usado no final dos anos 70 e se tornou um símbolo da causa
- "Punk” era uma palavra que descrevia garotos de programa. Ela se consolidou como gênero musical com o fanzine Punk, lançado em 1976
- O movimento foi o berço das rodas de moshing, em que os membros do público se jogam uns contra os outros. Nos anos 80, surgiu a versão só com meninas.
NO BRASIL
No final dos anos 70, em plena ditadura, nosso país também criou sua cena punk, que começou em São Paulo e Brasília e depois se alastrou para outros estados. Como os discos estrangeiros eram difíceis de encontrar, os fãs gravavam fitas K7 e compartilhavam. Grupos como Cólera, Olho Seco e Aborto Elétrico seguiam o estilo e a sonoridade das bandas estrangeiras.

FONTES Livros The Encyclopedia of Punk, de Brian Cogan, e England’s Dreaming, de Jon Savage, e documentário Botinada – A História do Punk no Brasil, de Gastão Moreira

Te Contei, não ? - O samba

O samba nasceu na Bahia, no século 19, da mistura de ritmos africanos. Mas foi no Rio de Janeiro que ele criou raízes e se desenvolveu, mesmo sendo perseguido. Durante a década de 1920, por exemplo, quem fosse pego dançando ou cantando samba corria um grande risco de ir batucar atrás das grades. Isso porque o samba era ligado à cultura negra, que era malvista na época. Só mais tarde é que ele passou a ser encarado como um símbolo nacional, principalmente no início dos anos 40, durante o governo de Getúlio Vargas. Nessa música brasileiríssima, a harmonia é feita pelos instrumentos de corda, como o cavaquinho e o violão. Já o ritmo é dado, por exemplo, pelo surdo ou pelo pandeiro. Com o passar do tempo, outros instrumentos, como flauta, piano e saxofone, também foram incorporados, dando origem a novos estilos de samba. "À medida que o samba evoluiu, ele ganhou novos sotaques, novos modos de ser tocado e cantado. É isso que faz dele um dos ritmos mais ricos do mundo", afirma o músico Eduardo Gudin. : - )
como-surgiu-o-samba

DA RODA AO PAGODE
Por volta dos anos 30, diferentes estilos de samba surgiram no Rio de Janeiro
SAMBA-DE-RODA
Muito parecido com a roda de capoeira, é a raiz do samba brasileiro e está registrado na Unesco como patrimônio da humanidade. Surgiu entre os escravos na Bahia por volta de 1860 e logo desembarcou também no Rio de Janeiro. O samba-de-roda, como a dança, começa devagar e se torna cada vez mais forte e cadenciado - sempre acompanhado por um coro para repetir o refrão. Várias canções do estilo têm versos sobre o mar e as tradições africanas.
"AVÔ" DO RECO-RECO
Além de batuques na palma das mãos, os escravos batiam um garfo num prato, obtendo um som semelhante ao do reco-reco - instrumento que dá força ao samba.
SAMBA DE BREQUE
Um dos primeiros estilos nascidos no Rio, foi criado no final dos anos 20 em botecos da cidade. No meio do samba rolavam "paradinhas" onde o cantor falava uma frase ou contava uma história. Um dos mestres foi Moreira da Silva. O ritmo é mais picadinho - ou "sincopado", como dizem os músicos -, mas a marca registrada é mesmo a parada repentina. Daí o nome "samba de breque". Quase sempre conta uma história engraçada, de um tiroteio entre malandros à história de um gago que se apaixonou...
FLAUTA
O samba de breque foi o primeiro estilo a incorporar a flauta como instrumento de samba. Ela ajuda a deixar o ritmo mais orquestrado.
PARTIDO-ALTO
Na década de 1930, o partido-alto se popularizou nos morros cariocas. Entre um refrão e outro, os músicos criavam versos na hora, quase como repentistas. As antigas festas de partido-alto chegavam a durar dias! A partir dos anos 70, Martinho da Vila virou um músico marcante do estilo. A principal característica é a improvisação. O partido-alto se mantém, principalmente, pelo jogo de palavras encaixadas no momento certo. O estilo trata de temas do cotidiano, e sempre com o maior bom humor.
SURDO
O surdo entrou de vez na roda com o partido-alto. Tocado com a mão ou com a baqueta, ele define a pulsação da música. É o "coração do samba".
SAMBA-ENREDO
Na década de 1930, quando surgiram os primeiros desfiles de escolas de samba no Carnaval do Rio, nasceu o samba-enredo. No início, os músicos improvisavam dois sambas diferentes: um para a ida e outro para a volta na avenida onde as escolas desfilavam. Com o passar dos anos, o samba-enredo ganhou uma batida mais acelerada que outros sambas - o que ajuda as escolas a desfilarem no tempo previsto. A partir dos anos 80 a coisa mudou, mas, até então, samba-enredo só abordava a história oficial do Brasil.
CUÍCA
Com o som de uma "voz grunhindo", foi uma das novidades das baterias das escolas. A função da cuíca é mais complementar, dando um tempero extra ao samba.
SAMBA-CANÇÃO
Outra cria dos botecos cariocas, o samba-canção apareceu na virada dos anos 30 para os 40. Logo ficou famoso como "samba de fossa", perfeito para ouvir após um pé na bunda... Cartola e Noel Rosa fizeram grandes músicas do estilo. A batida mais lenta e cadenciada do samba-canção lembra bastante o bolero, outro ritmo musical que fazia sucesso nos anos 40. Em geral, as canções falam de desilusão amorosa - de amores não correspondidos às piores traições!
PANDEIRO
Desde a origem do samba o pandeiro estava presente, mas no samba-canção ele ganhou mais importância, marcando o ritmo da música no lugar do surdo.
BOSSA NOVA
Cansados da fossa do samba-canção, alguns compositores decidiram fazer músicas sobre temas mais leves no final dos anos 50. Nascia a bossa nova. Mestres como Tom Jobim e João Gilberto faziam um samba bem diferente, com grande influência do jazz. Com construções musicais mais "complexas", a bossa nova tem o chamado "violão gago", tocado num ritmo diferente do da voz e dos outros instrumentos. O assunto preferido eram as belezas da vida, da praia às mulheres, é claro!
VIOLÃO
O símbolo da bossa nova foi mesmo o violão -além do banquinho... Usado em quase todos os estilos de samba, é um dos responsáveis pela melodia e harmonia da música.
PAGODE
O pagode que hoje faz sucesso pintou como estilo de samba na década de 1980, no Rio, com cantores como Jorge Aragão e Zeca Pagodinho. Nos anos 90, em São Paulo, ficou mais "comercial" - com direito até a coreografia dos músicos - e explodiu nas rádios. O pagode dos anos 80 era muito influenciado pelo partido-alto. Já na década seguinte passou a ter uma pegada mais lenta e romântica. Nos anos 80, o principal era a vida na comunidade; nos 90, as letras românticas.
TECLADO
Nos hits mais modernos, entraram na dança instrumentos eletrônicos, como teclados e sintetizadores - para desgosto dos sambistas mais tradicionais...
COMPLETANDO A BATERIA
Conheça outros instrumentos importantes para um bom batuque
TANTÃ
Mais fino que o surdo, também marca o ritmo. Em geral, é tocado com a palma das mãos, sem que os dedos encostem na membrana.
TAMBORIM
Tocado com uma vareta de bambu, não marca necessariamente o ritmo do samba, mas traz um som agudo para o batuque.
CAVAQUINHO
Tem papel semelhante ao do tamborim: deixa o som mais agudo. Mas faz isso na melodia do samba, e não na batida rítmica.

Revista Mundo Estranho

Te contei, não ? - Quem são o Pierrô, o Arlequim e a Colombina?

São personagens de um estilo teatral conhecido como Commedia dell’Arte, nascido na Itália do século XVI. Integrantes de uma trama cheia de sátira social, os três papéis representam serviçais envolvidos em um triângulo amoroso: Pierrô ama Colombina, que ama Arlequim, que, por sua vez, também deseja Colombina. O estilo surgiu como alternativa à chamada Commedia Erudita, de inspiração literária, que apresentava atores falando em latim, naquela época uma língua já inacessível à maioria das pessoas. Assim, a história do trio enamorado sempre foi um autêntico entretenimento popular, de origem influenciada pelas brincadeiras de Carnaval. Apresentadas nas ruas e praças das cidades italianas, as histórias encenadas ironizavam a vida e os costumes dos poderosos de então. Para isso, entravam em cena muitos outros personagens, além dos três mais famosos.
Do lado dos patrões, por exemplo, havia um comerciante extremamente avarento (chamado Pantaleão), um intelectual pomposo (o Doutor) e um oficial covarde, mas metido a valentão (o Capitão). Outros personagens típicos eram o casal Isabella e Orácio (em geral, filhos de patrões) e outros serviçais. Apesar de obedecerem a um enredo predefinido, as peças tinham a improvisação como ingrediente principal, exigindo grande disciplina e talento cômico dos atores, que precisavam responder rapidamente às novas piadas e situações criadas pelo colegas.
"Até hoje, a Commedia dell’Arte é um método de grande riqueza para o aprendizado e o treinamento do ator", afirma a atriz Tiche Vianna, formada pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Commedia dell’Arte pela Universidade de Bolonha e Florença, na Itália. Um detalhe interessante é que sempre havia, no meio do espetáculo, um intervalo chamado lazzo, que podia ter mais comédia, apresentar acrobacias ou sátiras políticas sem qualquer relação com o enredo. Terminado o lazzo, a história continuava do ponto em que havia sido interrompida. Com esse estilo único, a Commedia dell’Arte influenciou a arte dramática de toda a Europa.
Entre tapas e beijos Intriga amorosa e sátira social eram os pratos principais da antiga comédia italiana
Pierrô
Seu nome original era Pedrolino, mas foi batizado, na França do século XIX, como Pierrot e assim ganhou o mundo. O mais pobre dos personagens serviçais, vestia roupas feitas de sacos de farinha, tinha o rosto pintado de branco e não usava máscara. Vivia sofrendo e suspirando de amor pela Colombina. Por isso, era a vítima preferida das piadas em cena. Não foi à toa que sua atitude, sua vestimenta e sua maquiagem influenciaram todos os palhaços de circo
Pantaleão
O mais conhecido dos personagens patrões, que representavam a elite da sociedade italiana nas histórias da Commedia dell’Arte, Pantaleão (também chamado de "O Velho") era um "mercador de Veneza" (expressão que deu título a uma peça de Shakespeare). Tirano avarento e galanteador desajeitado, era alvo constante das gozações dos servos e de outros personagens da trama
Arlequim
Também servo de Pantaleão, Arlequim era um espertalhão preguiçoso e insolente, que tentava convencer a todos da sua ingenuidade e estupidez. Depois de entrar em cena saltitando, deslocava-se pelo palco com passos de dança e um grande repertório de movimentos acrobáticos. Debochado, adorava pregar peças nos outros personagens e depois usava sua agilidade para escapar das confusões criadas. Outra de suas marcas-registradas era a roupa de losangos
Colombina
Criada de uma filha do patrão Pantaleão, mas tão bela e refinada quanto sua ama, Colombina era também o pivô de um triângulo amoroso que ficaria famoso no mundo todo - de um lado, o apaixonado Pierrô; do outro, o malandro Arlequim. Para despertar o amor desse último, a romântica serviçal cantava e dançava graciosamente nos espetáculos

Revista Mundo Estranho

Crônica do Dia - Ditos

Dos ditos populares, o mais irônico — pra não dizer cínico — é “Pra baixo todo santo ajuda”. O dito não discute a existência de santos e sua influência em nossas vidas, mas os divide em duas categorias, os poucos que nos ajudam nos momentos difíceis, de grande esforço, como subir uma ladeira, e a maioria que só se apresenta na hora da descida, quando nem precisaríamos de ajuda. Seriam os santos oportunistas, atrás de uma glória que não merecem.
Outro dito sábio e irônico, que está sendo muito citado depois da tragédia em Santa Maria, é “Porta arrombada, tranca de ferro”. Este trata das reincidentes providências tomadas para que um fato não aconteça, depois do fato acontecido. Foi preciso que quase 250 pessoas morressem para que coisas como revestimento inflamável, alvarás vencidos, falta de saídas de emergência e sinalização interna, etc. passassem a fazer parte das nossas conversas cotidianas, numa súbita descoberta do mundo de riscos iminentes e desconhecidos habitado por boa parte da população, principalmente a população jovem.
O Ivan Lessa disse que de quinze em quinze anos o Brasil esquece a sua história. Ou mais ou menos isso. Lessa foi otimista. A memória brasileira é bem mais curta. Não faz quinze anos que o Renan Calheiros teve que renunciar ao seu mandato para não ser expulso do Congresso. Hoje é candidato à presidência do Senado (estou escrevendo antes da eleição, mas Calheiros era tido como barbada).
Na época da sua renúncia houve grande indignação, mas a indignação brasileira — como a memória — dura pouco. É fácil indignar-se. Para nos indignarmos não falta a ajuda de todos os santos. Para que a indignação dure e tenha consequência precisamos de um empurrãozinho dos santos mais constantes. Que andam muito relapsos.
No caso dos crimes em Santa Maria, só nos resta esperar que a indignação dure o bastante para ter consequência. Que as providências que evitarão outra tragédia parecida sejam tomadas antes que a indignação seja engolida pela memória curta e desapareça.
E “quem esquece a história está condenado a repeti-la”. Disse não me lembro quem.


Luis Fernando Veríssimo - O Globo

Te Contei, não ? - Chico no Teatro

Ópera do Malandro
26/ 7/ 1978 - Rio de Janeiro/RJ
Teatro Ginástico



Histórico

Musical de Chico Buarque produzido pelo Teatro dos Quatro, dirigido por Luís Antônio Martinez Corrêa, envolve uma equipe de cinqüenta profissionais entre elenco, músicos e técnicos.

Chico Buarque cria uma trama dramatúrgica que leva para o bairro da Lapa no Rio de Janeiro da década de 1940, já na fase final do Estado Novo. O enredo desenvolvido por John Gay, em A Ópera do Mendigo, de 1728, e por Bertolt Brecht, em colaboração com Elisabeth Hauptmann, com música de Kurt Weill, em A Ópera dos Três Vinténs, de 1928, um dos maiores sucessos da Berlim dos anos 1920. "O nosso trabalho tem a estrutura da peça de Gay, o enfoque crítico de Brecht, mas é essencialmente brasileiro"1 explica Chico Buarque. Se Gay escreve sobre a Boca do Lixo de Londres, e sobre a sociedade vitoriana inglesa do século XVIII, na versão brasileira, o que se vê em cena é a Lapa, "os bordéis, os agiotas, os contrabandistas, os policiais corruptos, os empresários inescrupulosos". A peça enfoca a rivalidade entre o comerciante, dono de bordéis, Fernandes de Duran e o contrabandista Max Overseas. O embate entre os dois inimigos ganha intensidade quando a filha de Duran, Teresinha de Jesus, casa-se, em segredo, com Overseas.

O enredo serve de pretexto, no entanto, para que se discuta o poder do dinheiro, a corrupção e a entrada das multinacionais no país. O diretor Luís Antônio Martinez Corrêa comenta, na época da estreia: "Localizamos a peça no fim do Estado Novo, porque sentimos muita afinidade entre aquele processo e o período que estamos vivendo. (...) Na Ópera do Malandro se discute a decadência de um sistema econômico, social e político e as alternativas criadas por ele, com roupagem nova, para se manter no poder. A base, a estrutura desse sistema é a mesma, só que mais moderna, mais sofisticada. Assistimos ao fim do capitalismo liberal e à entrada no país do capital internacional, através das multinacionais".2 Se Brecht dramatiza as relações econômicas que configuram o capitalismo moderno, na versão brasileira da ópera também é o dinheiro o seu personagem principal. Nela, segundo Chico Buarque, "não há heróis, todos os personagens vivem em torno do capital. Na luta pela sobrevivência que não permite veleidades éticas eles estão em dois níveis: o dos que lutam para sobreviver e o dos que lutam para acumular".3

No palco do Teatro Ginástico, o cenário de Maurício Sette exibe, na abertura do espetáculo, no palco do Ginástico, uma gigantesca nota antiga de 38 cruzeiros com o retrato de Getúlio Vargas no centro. As notas vão variando a cada mudança de cenário, formando sempre o pano de fundo dos ambientes. O próprio cenógrafo esmiúça aspectos significativos da ambientação cênica: "Durante o desenrolar de dois atos a ação se passa em cinco cenários além da boca de cena da abertura. Procuramos recriar a estética do Estado Novo misturada ao clima dos programas de auditório. Os músicos aparecem, se levantam nos solos, os atores cantam na frente do palco sobre uma passarela destacada do cenário. Nos números musicais deixa de ser teatro e passa a ser um show, um programa de auditório, com os microfones que lembram os da Rádio Nacional".4

Essa opção de exibir os músicos, fazer com que os atores venham até a frente do palco e cantem sobre uma passarela, dirigindo-se diretamente ao público, cria uma separação propositada entre a "ação dramática" e a "ação musical" que remete ao uso brechtiano das canções para interromper e comentar a trama. Nas palavras de Martinez Corrêa, esse é um caminho para seguir "Brecht mais de perto".5

Chico Buarque compôs quatorze canções inéditas para a peça depois gravadas em disco, e muitas delas se tornam grandes sucessos, como Folhetim, que, depois, foi gravada por Gal Costa; O Meu Amor, dueto interpretado por Marieta Severo e Elba Ramalho; e Geni e o Zepelin.

Nos principais papéis destacam-se Marieta Severo, como Teresinha, Elba Ramalho, que estreia nos palcos cariocas, como Lúcia, a amante de Max Overseas: Otávio Augusto, como Max Overseas; e Ary Fontoura como Duran. A atriz Maria Alice Vergueiro faz o papel de Vitória, esposa de Duran, mas pouco depois é substituída por Thelma Reston, que fica até o fim da temporada. É marcante também a interpretação de Emiliano Queirós para a personagem Geni. O elenco conta ainda com a participação do sambista Nadinho da Ilha que, na pele do personagem João Alegre, abre e encerra o espetáculo.

Sobre a montagem, fruto de um trabalho de pesquisa de um ano e de quatro meses de ensaios, comenta o crítico Macksen Luiz: "A montagem de Luiz Antônio acerta quando se fixa numa chave de chanchada e de deboche que infelizmente não é levada às últimas conseqüências. A cena do casamento é uma grata lembrança de O Casamento do Pequeno burguês (...). Na Ópera o rigor formal de várias marcas - o uso dos microfones de pé no proscênio e o desenho frio do personagem Max em contrapartida ao calor de Duran - soterra uma maior comunicabilidade (...). Por outro lado, Ópera do Malandro reuniu um elenco no qual a maioria dos atores canta muito bem, demonstrando um criterioso trabalho de pesquisa corporal".6

Obtém grande sucesso de público, permanecendo em cartaz por quase um ano, lotando o Teatro Ginástico de terça a domingo.





Notas
1. Chico Buarque em entrevista para a revista IstoÉ, matéria de Maria Amélia Mello, "Chico Buarque e sua opera que revive a Lapa dos anos 40 canta a Malandragem". 2 de ago. 1978.
2. Luiz Antonio Martinez Corrêa. Entrevista para o Jornal do Brasil. Revista de Domingo. Matéria "250 anos de corrupção pelo dinheiro" por Emilia Silveira - Ano 3 - No117. P.23.
3. Chico Buarque. Entrevista para o Jornal do Brasil. Revista de Domingo. Matéria "250 anos de corrupção pelo dinheiro" por Emilia Silveira - Ano 3 - No117. P.23.
4. Mauricio Sette. Entrevista para o Jornal do Brasil. Revista de Domingo. Matéria "250 anos de corrupção pelo dinheiro" Emilia Silveira - Ano 3 - No117. P.23.
5. Luiz Antonio Martinez Corrêa. Entrevista para a revista IstoÉ, matéria de Maria Amélia Mello, "Chico Buarque e sua opera que revive a Lapa dos anos 40 Canta a Malandragem". 2 de agosto de 1978.
6. LUIZ, Macksen. Ao compasso (e descompasso) do Malandro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 de jul. 1978.


Crônica do Dia - Não choro mais



Não chorei quando soube da tragédia de Santa Maria, e até agora não houve pranto. Meu choque foi um choque mudo, frio, escaldado, choque maior até por constatar que o incêndio no Sul é apenas o mais recente horror de uma fileira que remonta à infância, desde que me entendo por gente, quando ouvia Gil cantar “Aquele abraço” no rádio Transglobe de meu pai.
Com ele, o pai, passei, de carro, sob o viaduto Paulo de Frontin horas antes de sua queda, em 1971. Fiquei dias e noites, menino de 6 anos, tentando reconstituir o momento da queda, não havia infográficos, era só a mente mesmo a criar o horror e a imaginar-se nele: eu e meu pai, se estivéssemos lá, como seria nossa morte? Choraria, décadas depois, com a tarde que caía como um viaduto na letra de Aldir Blanc.
Pelo rádio de meu pai não ouvia nada sobre o brutal regime que assolava o país e que fazia tantas vítimas pelas quais também se chorava, e pelas quais o Gil choraria, em retrospecto, paradoxalmente pedindo que o pranto cessasse. Foi quando pensei: “Então pronto: não choro mais.”
Mas chorei, chorei quando Lennon foi baleado, olhando pela janela de esquadrias de alumínio da casa de minha avó, em Copacabana, e mirando além do Atlântico para algum lugar, lá, onde John não estava mais.
Chorei com os rostos esmagados no alambrado de um estádio na Inglaterra, impressionado com as fotos que mostravam as fisionomias moldadas pelo gradeado, em processo de serem quebradas e ainda vivas. Chorei eu mesmo quase massacrado num Flamengo e Atlético-MG no Maracanã em 1980, próximo às bilheterias, entre ferrolhos, já estava no chão e um amigo me puxou de volta para a multidão.
Chorei com o descaso no Bateau Mouche, em 1988, e chorei, de novo, tempos atrás, inflamado, quando vi que a justiça, 20 anos depois, não se fez, e os larápios estão em algum tipo de paz, a paz do psicopata, ou a paz espreitada pela culpa, que é o pior dos infernos, e nesse caso alguma justiça, sempre, se faz.
Chorei com o massacre em Eldorado dos Carajás. Chorei com o índio incendiado em Brasília. E choro quando vejo o quanto se despreza e se desrespeita os índios no Brasil. Chorei ao ver como os franceses desrespeitam seus velhos. Chorei quando, após capotar com meu carro, vi, mais de perto, como se tratam os velhos doentes num hospital público, após ter sido espreitado por câmeras de televisão antes de os bombeiros me resgatarem.
Chorei quando vi como se tratam os presos, inclusive os inocentes, no meu país, alimentando o ódio que se voltará, no futuro, contra os homens de bem. Chorei quando vi o Brasil fazendo salamaleques a Collor, em ver como somos cegos, mesmo quando esclarecidos.
Chorei ao ver as primeiras fotos da queda do avião da TAM em 1996, chegarem à sucursal de São Paulo de O GLOBO, onde eu trabalhava. Os fatos daqueles 30 segundos não cabiam naquelas imagens. E chorei de raiva dos passageiros que não embarcaram e que se declararam escolhidos por Deus para serem poupados, como se, para seu Deus, tivesse mesmo chegado a hora das crianças carbonizadas no voo da morte.
Mas não choro mais. De tanto que chorei ao constatar o cinismo das autoridades do Rio diante do que aconteceu com o bondinho de Santa Teresa, que deixaram apodrecer e matou e feriu em 2011. E, se não estivesse sem lágrimas neste momento, choraria com a reportagem de Luiz Felipe Reis, publicada esta semana, e com as caras de santo que as autoridades fizeram diante do próprio descaso com os espaços culturais do Rio, um mea culpa disfarçado de contrição. Choraria, mas não consigo, pelos que se sentem elevados a santos e purificados de todos os seus pecados por prestarem solidariedade, usando a tragédia para fins de expurgo e exibindo suas benfeitorias como troféus, fazendo barulho, sem o mínimo respeito.
Tenho vontade, mas não consigo, de chorar ao tentar calcular quantas outras vidas, sem que saibamos por ser impossível tudo ver, estãos se perdendo enquanto o Brasil chora Santa Maria: como disse-me o Pedro Bial em entrevista que sai amanhã, há 300 Santas Marias por dia, espalhadas pelo país, mas não podemos saber, não podemos chorar todas, embora saibamos dos crimes que se cometem hora a hora por ganância ou por falta de apreço oficial pela coisa pública.
Por isso não choro mais, até segunda ordem. Até que me mandem chorar. Até que a crosta de lágrimas se desfaça em sangue e o pranto represado se esvaia, enfim.


E-mail: arnaldo@oglobo.com.br

Arnaldo Bloch - O Globo

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Artigo de Opinião - Como envenenar crianças

 ‘Muito além do peso’, documentário de Estela Renner, é obrigatório ser visto em escolas e por famílias. Jamais assisti a um filme tão pedagógico sobre alimentação infantil. Nossas crianças estão sendo silenciosamente envenenadas por ingerir bebidas e comidas nocivas. Todas anunciadas na TV e na Internet, de modo a criar hábitos de consumo.
Embora a legislação de muitos países já proíba publicidade de alimentos prejudiciais à saúde das crianças, o governo brasileiro teima em ficar submisso à pressão das empresas produtoras.
No Brasil, 30% das crianças apresentam sobrepeso, e 15% delas já são obesas. Cresce de modo alarmante a incidência de obesidade infantil, colesterol alto, distúrbios glandulares, diabetes tipo 2 e cânceres, sem que se consiga dar um basta à indústria do envenenamento saboroso.
Estes dados falam por si: embalagem de 300 gramas de sucrilhos contém 120 g de açúcar. Ou seja, 40% do produto é puro açúcar. Pacote de 200 g de batatas fritas contém 77 g de gordura. Ou seja, 38,5% do produto são pura gordura. Um tubo de biscoito recheado contém 30 g de gordura e 50 g de açúcar, o que equivale ao consumo de oito pãezinhos franceses.
Nas embalagens quase nunca aparece a palavra “açúcar”. É substituída por “carboidrato”. A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou dois importantes projetos de lei: proibir a venda de lanches associados à oferta de brindes ou brinquedos, e a publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis (pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio) em TVs e rádios das 6h às 21h, e em qualquer horário nas escolas públicas e particulares. Espera-se a sanção do governador Geraldo Alckmin.


Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Maria Stella Libanio Christo, de ‘Saborosa viagem pelo Brasil’