Cartas, manuscritos, desenhos e originais do autor de "O Tempo e o Vento" serão mostrados na íntegra, em memorial que reunirá o arquivo físico e digital mantido em acervos particulares
Ana Weiss
Olhar de perto os mapas esquemáticos que Erico Verissimo desenhou para visualizar o enredo de “Incidente em Antares” e “O Senhor Embaixador”, leva a crer que se trata do trabalho de um escritor metódico, antecipando cada movimento dos personagens antes de começar a escrever seus romances. Mas não era bem assim. Esses mapas, assim como centenas de páginas de originais, esboços e primeiras edições de Verissimo, por pouco não se perderam ou foram parar na lata de lixo logo depois de serem paridos, dando lugar a outros novos, com outras ideias e possibilidades. “Ele era bastante caótico, não valorizava os originais ou os desenhos, que praticamente escondia, quando não jogava fora ou dava às pessoas mais próximas”, conta o crítico Flavio Loureiro Chaves, amigo que guardou os originais saídos da máquina de escrever de Verissimo, croquis, cartas e mais de 1,2 mil volumes sobre o autor, publicados a partir de sua morte, em 1975. “Verissimo nem considerava as cinco primeiras redações”, diz o também escritor, responsável pela organização póstuma da autobiografia “Solo de Clarineta”.
Todo esse material preservado por Loureiro, incluindo as ideias iniciais datilografadas e manuscritas para o primeiro e último livros do autor – “Fantoches” e “Solo de Clarineta” –, poderá ser olhado de perto por qualquer pessoa, a partir do final de setembro, com a inauguração do Memorial Erico Verissimo, em Porto Alegre, onde ele viveu boa parte de sua vida. “Nunca antes esses dois documentos foram mostrados na íntegra”, garante Loureiro, que, antes do memorial, recebera outras duas propostas de depósito de seu acervo pessoal, uma delas de uma biblioteca americana. “Esperei uma oportunidade em que tive certeza de que o legado de Erico ficaria à disposição do leitor brasileiro.”
Espaço multimídia projetado em um edifício dos anos 1920, o centro cultural também vai disponibilizar o acervo do bibliófilo Mario de Almeida Lima e terá um andar dedicado à pesquisa, com disponibilidade de consultas virtuais.
PAI ZELOSO
Erico Verissimo com os filhos, Clarissa e Luis Fernando.
Em texto escrito para o Instituto Moreira Salles, a filha contou
que só pôde ler muitos dos livros do pai depois dos 18 anos
Erico Verissimo com os filhos, Clarissa e Luis Fernando.
Em texto escrito para o Instituto Moreira Salles, a filha contou
que só pôde ler muitos dos livros do pai depois dos 18 anos
A exposição de originais com notas de próprio punho do escritor tem o mérito de mostrar por que caminhos percorriam seu pensamento durante o processo criativo. E mostra uma faceta bem-humorada do autor, conhecida só dosmais próximos.
Verissimo datilografou as primeiras letras em papel de embrulho de cebola e alho, nos intervalos da atividade de vendedor, aos 17 anos, quando teve de deixar os estudos para se tornar arrimo de família, em Cruz Alta (Rio Grande do Sul). Obstinado e trabalhador, só começou de fato a ganhar dinheiro com sua literatura com o lançamento de “Olhai os Lírios do Campo”, em 1938 – então já casado e pai de Clarissa e Luis Fernando. A história do casal de médicos infelizes vendeu, no lançamento, 62 mil exemplares. Um feito para o período e ainda para hoje.
A sua intensa dedicação ao trabalho foi, em algumas biografias, associada à personalidade sisuda e crítica, sobretudo em relação ao que ele mesmo escrevia. Já com a carreira reconhecida internacionalmente, Verissimo dizia que, “dos 30 livros que escrevera, talvez três ou quatro possuíssem alguma importância”. Ainda de acordo com sua avaliação, apenas um deles, “O Continente” (último livro de “O Tempo e O Vento”), sobreviveria. Passados 80 anos de sua estreia, o autor continua sendo a maior referência do romance histórico brasileiro, dentro
e fora do País.
e fora do País.
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