sábado, 9 de novembro de 2013

Te Contei, nao ? - Flecha ligeira

 

Na Amazônia, um grupo de jovens índios alimenta suas famílias e também o sonho de fazer parte da equipe olímpica de arco e flecha nos Jogos do Rio-2016

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Índios campebas antes do treino que poderá levar alguns deles para a equipe olímpica brasileira de arco e flecha 

 
Virgílio Viana é um desse brasileiros arretados que insistem em valorizar nossa gente e o que temos de melhor. Pegou tudo o que tinha, incluindo um título de Ph.D. em biologia da evolução na segunda mais importante instituição de ensino do mundo, a Universidade de Harvard, e mergulhou inteiro na Amazônia, tornando-se um conhecedor profundo da região.

Hoje à frente da FAS, Fundação Amazônia Sustentável, é um ativista que desenvolve e cria importantes pontes entre comunidades de nativos e entidades sintonizadas no pensamento contemporâneo. Num dia entre um mergulho no rio e uma reunião de trabalho, enquanto pensava na oportunidade de visibilidade descomunal que a Olimpíada no Brasil representará, ficou imaginando de que forma comunidades indígenas poderiam se integrar e participar dos jogos em seu país. No futebol, nossos nativos, por mais esforçados que sejam, ficariam devendo. Nas lutas, apesar das artes marciais ancestrais próprias, dificilmente conseguiriam atingir a tempo níveis tão altos quanto os exigidos nas competições internacionais. Numa dada manhã, observando o dia a dia dos índios indo atrás de suas refeições na base do arco e flecha, veio o clarão: estava ali uma modalidade na qual os índios tinham séculos e séculos de memória esportiva e conhecimento técnico. Bastava acreditar. Por coincidência ou não, havia um profissional respeitado na modalidade em atividade na própria região. Virgílio foi atrás de Roberval dos Santos, técnico da seleção amazonense de tiro com arco e um dos melhores arqueiros do País. Contou sobre sua ideia e deu de cara com um muro de ceticismo e incredulidade. O experimentado professor respondeu que seriam necessárias décadas de treinamento e de aprimoramento técnico, além de um investimento pesado, para chegar a algo minimamente competitivo. Mesmo assim, o mestre arqueiro topou ir até a tribo para conhecer os meninos que Virgílio jurava serem capazes de acertar os mais ligeiros e ariscos animais terrestres e voadores com suas setas de precisão balística.

Pouco tempo foi preciso para que também ele constatasse o talento notável de jovens de etnias diversas. São barés, carapanãs e cambebas, com idade entre 14 e 19 anos, pinçados nas seletivas que começaram em janeiro deste ano com 100 participantes de diferentes regiões do Amazonas. Neste mês, será feita mais uma peneira para definir o grupo de seis arqueiros indígenas que irão se aprimorar no centro de treinamento na Vila Olímpica de Manaus ao longo de 2014 para tentar conseguir o índice para os Jogos no Brasil, em que os principais concorrentes serão os russos, os italianos e os atuais campeões olímpicos, os sul-coreanos. Detalhes dessa história fantástica serão mostrados em reportagem de capa da revista “Istoé 2016”, que circula na próxima semana.

Com o acompanhamento do próprio Roberval e da professora de educação física e treinadora Márcia Lot, índios como Iagoara, 17 anos, continuam caçando com seus arcos e flechas as refeições que dividirão com suas tribos, mas agora treinam também com dedicação absoluta para tentar ver seus nomes entre as seis vagas possíveis para o tiro com arco do Brasil. A curto prazo, o objetivo é o jantar. A médio, ser incluído socialmente pelo esporte, ser percebido como um atleta profissional e ver a autoestima dos povos indígenas e a percepção da sociedade sobre eles mudarem para um patamar mais alto e digno.
 
 
Com reportagem de Luís Patriani 
A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente

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