sábado, 23 de maio de 2015

Entrevista - Thomas Lovejoy - PRESERVAR PARA EXPLORAR - Revista Veja

Um dos pioneiros no estudo da Amazônia, o biólogo americano defende a idéia de que é possível ter usinas hidrelétricas e poços de extração de petróleo sem destruir a natureza


O biólogo americano Thomas Lovejoy tem um longo relacionamento com a Amazônia. Desde 1965, ele diz já ter vindo "centenas" de vezes ao Brasil. Chegou para fazer estudos no Instituto Evandro Chagas, em Belém, e, com o tempo, tornou-se um conservacionista, preocupado com a gestão dos sistemas ambientais. Duas de suas três filhas são cariocas. Lovejoy é um profundo conhecedor da Legislação Ambiental brasileira, da evolução das iniciativas de proteção e dos projetos que estão saindo do papel. Professor da Universidade George Mason, perto de Washington, com 73 anos, ele falou com VEJA por telefone. Apesar de ter concedido a entrevista em inglês, orgulha-se da fluência em português. 

"Quando um assunto é muito difícil, às vezes escrevo em português primeiro para organizar as ideias", diz Lovejoy.

Qual é a principal ameaça à Floresta Amazônica atualmente?
O Desmatamento continua avançando e está muito próximo de chegar a um ponto crítico, que seria cerca de 20% da cobertura vegetal total. Se isso for alcançado, o ciclo hidrológico da Amazônia poderá ser muito prejudicado. Esse mecanismo foi descoberto pelo engenheiro-agrônomo brasileiro Eneas Salati em 1970. Ele constatou que metade de tudo o que chove na Amazônia é gerada através da evaporação e da transpiração da água absorvida pelas plantas, que depois volta para a atmosfera. É aquilo que alguns especialistas apelidaram de "rios voadores". Essa tese foi um avanço muito grande na ciência mundial e ajudou a entender, pela primeira vez, a interação entre a vegetação e o Clima. Para evitar que isso seja destruído, defendo um reflorestamento intensivo em várias regiões da Amazônia, para construir uma margem de segurança. Assim, mesmo que no futuro o Desmatamento volte a aumentar, estaríamos a uma distância segura de atingir esse ponto crítico.

A alteração nesse ciclo hidrológico tem relação com a seca no Sudeste? A Amazônia gera a água de suas próprias chuvas, mas é também uma fonte de umidade para o restante do Brasil. Esse vapor pode ir além das fronteiras, como para o norte da Argentina. A situação da floresta não é a única nem a principal causa da seca que ocorre em São Paulo, mas é um elemento importante para o Clima do Sudeste.

A chuva ou a falta dela no Sudeste não teria muito mais a ver com as massas de ar que saem do Oceano Atlântico, chegam à Cordilheira dos Andes e depois retornam? O que existe é uma combinação de três fatores: as Mudanças Climáticas provocadas pelo Aquecimento Global, o Desmatamento na região de São Paulo e a destruição da Floresta Amazônica. 

Qual desses fatores pesa mais?
Não dá para falar em termos numéricos, mas sabemos que há uma contribuição do vapor que sai da Amazônia e segue para o sul. Essa umidade ultimamente não tem chegado a São Paulo.

Com o Aquecimento Global, áreas ao leste e ao sul da Amazônia poderão se transformar em savanas?
Acredito que esse seja um futuro possível. Se a temperatura do planeta aumentar mais 2 graus, muitos Ecossistemas não vão resistir. Nessa situação, viveríamos em um mundo sem recifes de corais tropicais. A boa notícia revelada pelos cientistas é que o volume de gás carbônico que já foi liberado na atmosfera pode ser parcialmente reabsorvido. Isso poderia ser feito com reflorestamento intensivo, restauração das pradarias, desenvolvimento dos sistemas agrícolas e proteção das zonas costeiras. Essas medidas poderiam minimizar o efeito do aquecimento em 0,5 grau. Há muito gás carbônico que poderia ser retirado da atmosfera com iniciativas assim.

Quem faria esse reflorestamento e com que dinheiro?
Políticas como essa são mais bem executadas por parcerias público-privadas. Os recursos poderiam vir de bancos de desenvolvimento, como o BNDES, dos mercados de carbono ou da ajuda de outras nações, como a Noruega.

As decisões feitas pelo governo brasileiro têm sido eficazes para proteger as reservas na floresta? 
Fiz um estudo sobre isso e constatei que, nos últimos cinquenta anos, metade das áreas indígenas foi posta sob alguma forma de proteção. Isso foi sem dúvida uma grande conquista, mas não significa que nenhuma dessas regiões esteja sofrendo algum tipo de pressão. De qualquer forma, é uma vitória. O problema é o que pode acontecer com a outra metade. Seria fundamental administrar isso de modo integrado. As decisões relativas à natureza não podem ser tratadas de maneira separada das políticas que envolvem o desenvolvimento dos transportes ou das diferentes fontes de energia. 

Poderia dar exemplos do que pode ser feito? 
Os casos mais interessantes são os projetos de exploração de gás e petróleo de Camisea, no Peru, e de Urucu, na Amazônia brasileira. Tudo foi feito sem a construção de estradas, que custam muito caro. Os materiais foram levados para essas regiões remotas de barco ou de helicóptero, já que não há sequer pistas de pouso. A produção sai por canos reforçados, com um sistema de sensores. Então, se algo dá errado, um helicóptero vai até o local e deixa um técnico no ponto exato para consertar o problema. O único jeito de alcançar essas áreas é pelo ar. O desenvolvimento da cidade de Manaus também tem semelhanças com esses casos. A Zona Franca erguida ao seu redor manteve a maioria da população na cidade. O acesso até lá é muito difícil. É fácil perceber que os níveis de Desmatamento no Estado do Amazonas são bem baixos. No futuro, Cidades Sustentáveis como Manaus serão muito mais importantes. Elas também podem fazer o bem para a floresta ao redor.

O senhor virá para Manaus novamente em julho para falar no XXII Congresso Brasileiro de Ornitologia. Por que é importante salvar as espécies da Amazônia?
Estimamos que entre 10% e 15% de todas as espécies de pássaro do planeta vivam em algum lugar dessa floresta. Se elas forem conservadas, todo o Ecossistema da floresta também o será. Quanto mais ampliarmos nosso conhecimento sobre a biologia, mais informações teremos para desenvolver a medicina e a agricultura, áreas nas quais a biologia tem um papel essencial.

Os pássaros que vivem na Amazônia são mais frágeis que os de outros Biomas? 
Alguns deles vivem no topo da floresta, na copa das árvores. Amam o sol. Outros habitam o interior da vegetação e preferem viver na sombra. Quando se constrói uma estrada, esses animais não podem cruzá-la. Com uma floresta fragmentada, eles não se movem entre os diversos pedaços de mata. A fragmentação das Florestas empobrece muito a Biodiversidade. Um trecho apertado de 100 hectares de vegetação perde metade das espécies de ave em menos de duas décadas. 

Como o senhor enxerga as Hidrelétricas que estão sendo construídas ou planejadas na Amazônia?
A maioria das usinas Hidrelétricas da região foi desenhada com a mentalidade que havia trinta anos atrás, mas o paradigma mudou. É preciso dedicar um novo olhar sobre o setor para encontrar soluções que sejam positivas tanto para a produção de energia quanto para a exploração dos recursos aquáticos e a preservação da Biodiversidade. Já existem até alguns experimentos interessantes, como as usinas do Complexo do Rio Madeira, perto de Porto Velho, em Rondônia. Esses projetos não exigiram a construção de grandes represas. Não inundaram vastas áreas de vegetação. Também são muito mais benéficos para as espécies de peixe que vivem no leito dos rios. Antes da construção, especialistas em vida aquática foram consultados. Modificaram-se os desenhos originais para que as espécies continuassem existindo. Há outros bons exemplos no Peru. Algumas Hidrelétricas nesse país foram construídas para que o rio continuasse correndo normalmente. São projetos novos, com uma visão muito atual. Os cidadãos e as autoridades precisam entender que os rios são uma fonte de energia importante e podem ser explorados, assim como os peixes são um recurso valioso para os povos da Amazônia e podem muito bem ser preservados. É imperativo saber como explorar esses dois recursos do jeito certo, de modo a tirar proveito de ambos sem prejudicar nenhum deles.

Os políticos brasileiros vêm tendo iniciativas consistentes para o Meio Ambiente? 
Considero a legislação que eles produziram muito satisfatória. Nesse trabalho, os parlamentares foram bem assessorados. O Brasil tem os melhores cientistas do mundo na área ambiental. São excelentes, e isso é muito impressionante. Nesses cinquenta anos que trabalhei aqui, notei um enorme amadurecimento da ciência brasileira. Nas principais publicações e nos jornais internacionais, o nome de brasileiros aparece com frequência bastante regular.

Quais são as maiores ameaças à população mundial para o futuro? 
O fato de que, até 2050, o planeta terá de sustentar um adicional de 3 bilhões ou 4 bilhões de pessoas é preocupante. Há pesquisadores muito bons debruçados sobre essa questão, e eles, basicamente, confirmaram que é possível alimentar esse contingente extra sem destruir milhares de quilômetros quadrados de natureza. Para evitar que isso aconteça, contudo, seria necessário reduzir o desperdício de comida e prestar mais atenção aos conselhos dos médicos sobre o que comemos. É uma meta que pode ser alcançada, desde que tudo seja bem administrado. Esse acréscimo populacional não seria muito preponderante na América Latina. O aumento se daria principalmente na Ásia e na África, onde a solução seria mais complicada. A estimativa é que o continente africano ganharia aproximadamente 2 bilhões de novos habitantes em poucas décadas. Com os sistemas precários de agricultura que existem por lá, isso não seria bom nem para o Meio Ambiente nem para a população, que teria dificuldade em obter comida a um preço razoável.

Os Transgênicos poderiam ajudar a alimentar essas pessoas? Qual sua opinião sobre essa tecnologia? 
Nenhuma tecnologia é neutra. Dependendo de como é utilizada, pode ser boa ou ruim. Em um cenário de Mudanças Climáticas, é fácil constatar que os Transgênicos teriam uma contribuição fundamental ao oferecer cultivos geneticamente modificados capazes de resistir à seca ou ao excesso de sal no solo.

Quando cientistas estão envolvidos numa causa, eles prestam menos atenção às evidências das pesquisas? 
Cientistas são seres humanos como qualquer outra pessoa, e isso pode naturalmente acontecer. O importante é distinguir entre aqueles que fazem ciência e os que a fazem mais preocupados com o que suas conclusões significam para os cidadãos. 

Mas é fácil perceber a diferença entre um cientista e um militante? 
Na verdade, acho que esses dois não são coisas distintas. A diferença está na gradação. Quem escuta atentamente a maneira como um cientista expõe suas visões pode separar o que é um grande julgamento científico de algo que não passa de uma posição política.

Como o senhor analisa as previsões feitas no passado? 
Fiz a primeira projeção de extinção de espécies em 1980. O que muitos não se dão conta é que não era uma previsão, mas uma projeção. Seu objetivo é convencer os demais a fazer algo a respeito e evitar que as ameaças se tornem realidade. Desde os anos 1990 vários países aumentaram suas ações preventivas e de conservação e ocorreu um avanço impressionante.

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