Diante de explicações raivosas, julgamentos sumários, justificativas esdrúxulas, é melhor o calar respeitoso
O silêncio desapareceu na esquina da irracionalidade com a intolerância, no cruzamento do cinismo com a cara de pau. Deu lugar à hiperinflação das opiniões raivosas, dos julgamentos sumários, das explicações esdrúxulas. Aquela, acredite, é pior que a escalada frenética dos preços, velha conhecida dos brasileiros, sepultada há duas décadas. A cobiçada visibilidade nas redes sociais ou a mera incapacidade de emudecer detonaram o movimento. E a barulheira se espalhou. O habitual já não é a contrição, mas o falatório. Ao fim da semana de tristezas enfileiradas, #ficaadica: é preciso o silêncio. Diante do inexplicável, que venham o olhar solidário, o calar respeitoso.
Não é caso de um minuto, mas de horas, quem sabe, dias de silêncio. A vontade de opinar instantaneamente exterminou a discussão cordial, o debate embasado. E momentos dramáticos tornam-se campeonatos de grosseria, ralis de vergonha alheia. No raiar de 2015, exemplos se sucedem. Quarta-feira passada, em Paris, homens armados de AK-47 adentraram a redação do semanário “Charlie Hebdo”, fuzilaram uma dúzia de pessoas, entre jornalistas e policiais; feriram outras 11. Uma França aturdida fez um minuto de silêncio no dia seguinte. A internet não se calou um segundo.
Montado o ringue, a rede mundial pôs de um lado os radicais da liberdade; de outro, o esquadrão da relatividade. Foi um Fla-Flu de ofensas. A obsessão pelo confronto aniquilou o diálogo, fez desaparecer a busca pelo consenso. Caiu em desuso o ditado que ensina: “Melhor ouvir tal coisa do que ser surdo”. Nos dias de hoje, só interessa falar.
Na Babel das redes sociais, a gentileza foi soterrada. Bastou um escrever #JeSuisCharlie (#EuSouCharlie), slogan da corrente de luto pelos chargistas mortos, para outro devolver com um #Nãosouetenhoraivadequemé. No lugar de argumentações civilizadas, imperou o mesmo festival de agressões que, nas eleições de 2014, semeou o ódio e destruiu amizades.
Sim, é legítimo defender com paixão a liberdade de expressão, bem como se indignar com uma charge, uma frase, uma criação artística considerada de mau gosto ou ofensiva. Não é incomum o humor resvalar para interpretações racistas, homofóbicas, machistas ou de intolerância religiosa. Cabe de um tudo no pote de mágoas.
Há uma gama de reações ao alcance de quem se sentir desrespeitado. O leque inclui de campanhas de protesto a boicote comercial, de pressão sobre patrocinadores a medidas judiciais. Tampouco sobram razões para defender a livre expressão do pensamento. Mas nada justifica, em nenhum dos lados do debate, as ofensas pessoais, a brutalidade difamatória, a violência física ou, como na tragédia francesa, os homicídios em série.
Não há justificativa para uma solitária vida interrompida. Ainda assim, agentes da lei tentaram explicar como reação a um assalto o assassinato de Alex Schomaker Bastos, dois dias atrás, numa via da Zona Sul carioca. É argumento pinçado da mesma gaveta de respostas que guarda o batido auto de resistência, expressão que classifica indivíduos mortos (não raro, com tiros nas costas ou na nuca) por reagirem à abordagem policial.
Em vez de culpar a vítima, melhor seria explicar por que o policiamento é precário e os assaltos, rotineiros, nos arredores de uma universidade pública, dois shoppings e um conjunto de edifícios comerciais e residenciais. Quando não há nada de bom a ser dito, o silêncio é sagrado.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/sagrado-silencio-15019891#ixzz3PV8tyWs6
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