segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Resenhando - Bilac vê estrelas

Estreia de 'Bilac vê estrelas' chama atenção para escassez de trilhas sonoras inéditas em musicais

Baseado em livro de Ruy Castro, espetáculo que tem canções originais de Nei Lopes é caso raro na cena carioca atual


POR DEBORA GHIVELDER



RIO — Ruy Castro escreveu dois livros de ficção. “Era no tempo do rei”, de 2007, foi adaptado para os palcos três anos após seu lançamento. Agora, “Bilac vê estrelas”, o primeiro, de 2000, chega ao Teatro Sesc Ginástico transformado em comédia musical. Ambientado no Rio, durante a Belle Époque, o espetáculo dirigido por João Fonseca traz personagens como o poeta Olavo Bilac e o jornalista José do Patrocínio envolvidos em uma trama cômica que mistura ficção e fatos históricos. O texto, de autoria da dupla Heloisa Seixas e Julia Romeu, gira em torno do projeto de um dirigível, criado por Patrocínio e alvo de cobiça de um casal de vilões. Tudo contado, cantado e dançado com a ajuda de 15 músicas, especialmente compostas para a ocasião.

Orçado em cerca de R$ 1 milhão — soma modesta se comparada às cifras na casa dos R$ 10 milhões que se tornaram habituais para produções do gênero —, “Bilac vê estrelas” explora, em sua trilha, uma profusão de ritmos populares no início do século XX, como lundus e modinhas, para pontuar a ação. Foi ideia do próprio Ruy Castro convidar Nei Lopes para elaborar as canções.

— “Bilac vê estrelas” se passa numa época riquíssima da música brasileira: o começo do século XX, em que havia inúmeros ritmos no Rio, como modinhas, valsas, fados, marchas, maxixes. Tudo, menos o samba, que ainda não havia sido inventado. Nei Lopes, que ironicamente é mais conhecido como sambista, domina todo esse universo. Era o compositor perfeito para o score que a peça requeria — explica Castro, que em “Era no tempo do rei” contou com a parceria da dupla Carlos Lyra e Aldir Blanc assinando as canções.

Para o trabalho, que será levado ao vivo por uma banda de três músicos, Lopes se inspirou em composições de Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth.

— Ouvi um pouco mais de autores que eu já conhecia. E transportei o clima para as cenas. Como sei a diferença entre uma polca e um xote, entre um lundu e um maxixe etc., não houve problema — explica o sambista.

O trabalho foi concluído em coisa de um mês, sempre ao lado de Luís Filipe de Lima, responsável pela direção musical.

— Somos parceiros de longa data. Nei aprontou 17 canções. Duas caíram e fechamos a trilha com 15 — conta Lima.

A ideia de montar “Bilac” nasceu durante a temporada de “Era no tempo do rei”. Foi a atriz Izabella Bicalho, que integra o elenco, quem achou que o livro rendia um musical.

— Ela plantou a semente, e fizemos a adaptação. Preservamos o espírito jocoso do livro, a começar pelo título, uma brincadeira com o poema “Ouvir estrelas” — conta Heloisa.

— Nei Lopes construiu uma trilha espirituosa, sofisticada e popular. Não estamos fazendo Broadway, mas um musical brasileiro — diz Julia.

Ruy Castro — fã de teatro e principalmente de teatro musicado, com mais de 500 discos contendo trilhas da Broadway na estante —, defende as composições originais para o gênero:

— O verdadeiro teatro musical é com música feita especialmente para ele. Pelo menos é assim em Londres e Nova York desde 1900. Toda a grande música americana, de Jerome Kern a Stephen Sondheim, foi feita para o teatro. Por que eles podem ter isso e nós, não? Não sou contra as “biografias” musicais de cantores, como as que têm sido feitas sobre Elis Regina e Tim Maia, mas elas me lembram o programa da TV Globo dos anos 1970 que eu ajudava a escrever, o “Saudade não tem idade”. Gostaria de ver espaço também para musicais com canções originais.

Claudio Botelho, que completa 25 anos de musicais e é um dos nomes mais importantes na retomada do gênero nos palcos, reconhece a falta de produções com composições inéditas.

— O teatro brasileiro tinha essa tradição. Veja Chiquinha Gonzaga. É fundamental que haja musicais com trilha original, como os que fez o Chico Buarque (“Ópera do Malandro”, entre outros). Destaco também o trabalho do Tim Rescala, que tem uma imensa colaboração nessa área — lembra Botelho, que, entre vários espetáculos baseados em hits, como “Beatles num céu de diamantes”, encenou também “7 — O musical”, em 2007, com trilha inédita de Ed Motta, e vai assinar, ele mesmo, as canções de “Veronica 13”, nova produção com o parceiro Charles Möeller.

Detentor de um Prêmio Tony pela atuação em “South Pacific”, o barítono paulistano Paulo Szot lamenta que haja poucos musicais com novas canções pensadas especialmente para eles.

— Temos profissionais à altura do desafio. Quando a música é escrita para a cena, ela está conectada com a história. Ela suporta o enredo e oferece o momento mágico — diz Szot, que também defende espaço para o gênero biográfico.


No caso das aventuras de Bilac e Patrocínio por esse Rio efervescente e novo, há nove atores no elenco. O poeta é vivido por André Dias, e o jornalista, por Sergio Menezes. Izabella Bicalho e Tadeu Aguiar encarnam os vilões. João Fonseca condensou a trama em uma hora e meia. Para o diretor, que assina produções biográficas como “Cazuza — Pro dia nascer feliz”, há espaço para todos os estilos.

— O musical original é mais rico e mais prazeroso. Ao mesmo tempo. é um produto mais difícil para o público que não está indo ver a história de um ídolo ou músicas familiares. Agora, todos os gêneros são legítimos. A Broadway também se alimenta de biografias.

Para Fonseca, a avalanche de produções calcadas em um cancioneiro já existente trouxe uma brasilidade que abre caminho para produções como “Bilac”. Ao mesmo tempo, aponta ele, se hoje há mais know-how, ficou também mais caro produzir esse tipo de espetáculo original. Mas essa é uma outra discussão.

SERVIÇO

“Bilac vê estrelas”

Onde: Sesc Ginástico— Avenida Graça Aranha, 187, Centro (2279.4027)

Quando: Estreia nesta sexta, às 19h. Sexta a domingo, 19h. Até 22 de fevevereiro

Quanto: De R$ 10 a R$ 20

Classificação: 12 anos






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