Estreia de 'Bilac vê estrelas' chama atenção para escassez de trilhas sonoras inéditas em musicais
Baseado em livro de Ruy Castro, espetáculo que tem canções originais de Nei Lopes é caso raro na cena carioca atual
POR DEBORA GHIVELDER
RIO — Ruy Castro escreveu dois livros de ficção. “Era no tempo do rei”, de 2007, foi adaptado para os palcos três anos após seu lançamento. Agora, “Bilac vê estrelas”, o primeiro, de 2000, chega ao Teatro Sesc Ginástico transformado em comédia musical. Ambientado no Rio, durante a Belle Époque, o espetáculo dirigido por João Fonseca traz personagens como o poeta Olavo Bilac e o jornalista José do Patrocínio envolvidos em uma trama cômica que mistura ficção e fatos históricos. O texto, de autoria da dupla Heloisa Seixas e Julia Romeu, gira em torno do projeto de um dirigível, criado por Patrocínio e alvo de cobiça de um casal de vilões. Tudo contado, cantado e dançado com a ajuda de 15 músicas, especialmente compostas para a ocasião.
Orçado em cerca de R$ 1 milhão — soma modesta se comparada às cifras na casa dos R$ 10 milhões que se tornaram habituais para produções do gênero —, “Bilac vê estrelas” explora, em sua trilha, uma profusão de ritmos populares no início do século XX, como lundus e modinhas, para pontuar a ação. Foi ideia do próprio Ruy Castro convidar Nei Lopes para elaborar as canções.
— “Bilac vê estrelas” se passa numa época riquíssima da música brasileira: o começo do século XX, em que havia inúmeros ritmos no Rio, como modinhas, valsas, fados, marchas, maxixes. Tudo, menos o samba, que ainda não havia sido inventado. Nei Lopes, que ironicamente é mais conhecido como sambista, domina todo esse universo. Era o compositor perfeito para o score que a peça requeria — explica Castro, que em “Era no tempo do rei” contou com a parceria da dupla Carlos Lyra e Aldir Blanc assinando as canções.
Para o trabalho, que será levado ao vivo por uma banda de três músicos, Lopes se inspirou em composições de Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth.
— Ouvi um pouco mais de autores que eu já conhecia. E transportei o clima para as cenas. Como sei a diferença entre uma polca e um xote, entre um lundu e um maxixe etc., não houve problema — explica o sambista.
O trabalho foi concluído em coisa de um mês, sempre ao lado de Luís Filipe de Lima, responsável pela direção musical.
— Somos parceiros de longa data. Nei aprontou 17 canções. Duas caíram e fechamos a trilha com 15 — conta Lima.
A ideia de montar “Bilac” nasceu durante a temporada de “Era no tempo do rei”. Foi a atriz Izabella Bicalho, que integra o elenco, quem achou que o livro rendia um musical.
— Ela plantou a semente, e fizemos a adaptação. Preservamos o espírito jocoso do livro, a começar pelo título, uma brincadeira com o poema “Ouvir estrelas” — conta Heloisa.
— Nei Lopes construiu uma trilha espirituosa, sofisticada e popular. Não estamos fazendo Broadway, mas um musical brasileiro — diz Julia.
Ruy Castro — fã de teatro e principalmente de teatro musicado, com mais de 500 discos contendo trilhas da Broadway na estante —, defende as composições originais para o gênero:
— O verdadeiro teatro musical é com música feita especialmente para ele. Pelo menos é assim em Londres e Nova York desde 1900. Toda a grande música americana, de Jerome Kern a Stephen Sondheim, foi feita para o teatro. Por que eles podem ter isso e nós, não? Não sou contra as “biografias” musicais de cantores, como as que têm sido feitas sobre Elis Regina e Tim Maia, mas elas me lembram o programa da TV Globo dos anos 1970 que eu ajudava a escrever, o “Saudade não tem idade”. Gostaria de ver espaço também para musicais com canções originais.
Claudio Botelho, que completa 25 anos de musicais e é um dos nomes mais importantes na retomada do gênero nos palcos, reconhece a falta de produções com composições inéditas.
— O teatro brasileiro tinha essa tradição. Veja Chiquinha Gonzaga. É fundamental que haja musicais com trilha original, como os que fez o Chico Buarque (“Ópera do Malandro”, entre outros). Destaco também o trabalho do Tim Rescala, que tem uma imensa colaboração nessa área — lembra Botelho, que, entre vários espetáculos baseados em hits, como “Beatles num céu de diamantes”, encenou também “7 — O musical”, em 2007, com trilha inédita de Ed Motta, e vai assinar, ele mesmo, as canções de “Veronica 13”, nova produção com o parceiro Charles Möeller.
Detentor de um Prêmio Tony pela atuação em “South Pacific”, o barítono paulistano Paulo Szot lamenta que haja poucos musicais com novas canções pensadas especialmente para eles.
— Temos profissionais à altura do desafio. Quando a música é escrita para a cena, ela está conectada com a história. Ela suporta o enredo e oferece o momento mágico — diz Szot, que também defende espaço para o gênero biográfico.
No caso das aventuras de Bilac e Patrocínio por esse Rio efervescente e novo, há nove atores no elenco. O poeta é vivido por André Dias, e o jornalista, por Sergio Menezes. Izabella Bicalho e Tadeu Aguiar encarnam os vilões. João Fonseca condensou a trama em uma hora e meia. Para o diretor, que assina produções biográficas como “Cazuza — Pro dia nascer feliz”, há espaço para todos os estilos.
— O musical original é mais rico e mais prazeroso. Ao mesmo tempo. é um produto mais difícil para o público que não está indo ver a história de um ídolo ou músicas familiares. Agora, todos os gêneros são legítimos. A Broadway também se alimenta de biografias.
Para Fonseca, a avalanche de produções calcadas em um cancioneiro já existente trouxe uma brasilidade que abre caminho para produções como “Bilac”. Ao mesmo tempo, aponta ele, se hoje há mais know-how, ficou também mais caro produzir esse tipo de espetáculo original. Mas essa é uma outra discussão.
SERVIÇO
“Bilac vê estrelas”
Onde: Sesc Ginástico— Avenida Graça Aranha, 187, Centro (2279.4027)
Quando: Estreia nesta sexta, às 19h. Sexta a domingo, 19h. Até 22 de fevevereiro
Quanto: De R$ 10 a R$ 20
Classificação: 12 anos
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