domingo, 8 de novembro de 2015

Artigo de Opinião - A hora é essa - Luiz Antônio Simas

É justo ressaltar a importância das questões propostas pelo Enem na seleção para 2016, mas ainda é pouco

O DIA
Rio - No livro “Pele negra, máscaras brancas”, Frantz Fanon chama atenção para um fato: o racismo herdado do colonialismo se manifesta explicitamente a partir de características físicas, mas não apenas aí. A discriminação também se estabelece a partir da inferiorização de bens simbólicos daqueles a quem o colonialismo tenta submeter: crenças, danças, visões de mundo, formas de celebrar a vida, enterrar os mortos, educar as crianças, etc.

O discurso do colonizador europeu em relação aos indígenas e aos povos da África, por exemplo, consagrou a ideia de que estes seriam naturalmente atrasados, despossuídos de história. Apenas elementos externos a eles – a ciência, o cristianismo, a democracia representativa, a economia de mercado, a escola ocidental, etc. – poderiam inseri-los naquilo que imaginamos ser uma maiúscula História da humanidade.

É dentro desta tensão normatizadora que mora a maior das perversidades: o discurso canônico tem a tendência de convencer aos inferiorizados da suposta supremacia natural de alguns saberes. Com requintes de devastação, inclusive emocional, ele faz com que a vítima potencial introjete a visão que a inferioriza como se fosse uma verdade absoluta.

A mesmíssima coisa vale para as mulheres, em uma sociedade patriarcal como a nossa, que padroniza a submissão como comportamento natural feminino, vulgariza o assédio como prática normal inscrita na conduta do macho (prendam as suas cabras que o meu bode está solto, repetem os pais orgulhosos) e historicamente tirou da mulher (e de diversas minorias) o protagonismo da fala e das narrativas sobre o próprio corpo.

Dentro dessa linha de raciocínio, é justo ressaltar a importância das questões propostas pelo ENEM no exame de seleção para 2016. É digno de celebrações, mas ainda é pouco. O ENEM afinal de contas, continua sendo uma prova de classificação, encarada por muitos (incluo aí colégios, famílias, candidatas) como um exame de corte com a finalidade de garantir o acesso ao ensino superior, e não como meio para que se pense a pluralidade no sistema educacional.

Mas a hora é essa. Pensemos numa prática pedagógica cotidiana, inserindo a discussão de gênero nos currículos escolares, criticando o racismo epistemológico (muito mais sutil que o racismo escancarado e riscado na pele), combatendo a obra da escravidão, refletindo sobre o machismo nosso de cada dia e abrindo ouvidos e olhares para vozes dissonantes e miradas mais ousadas. A insurgência epistêmica nunca foi tão urgente e necessária.

E-mail: luizantoniosimas67@gmail.com

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