Os extremistas do Estado Islâmico ascenderam depois da desastrada operação dos EUA no Iraque. Agora, propagam o fim dos tempos e defendem a morte para todos que não os seguirem
Amauri Segalla (asegalla@istoe.com.br)
Fogueiras, decapitações, crucificações, guilhotinas, fuzilamentos, fornos crematórios, afogamentos, valas de cadáveres, gulags, campos de concentração, extermínios. A violência sem limites não é novidade na história humana, mas agora o Estado Islâmico acrescentou um componente típico do século 21: a espetacularização como arma de propaganda. Não basta cortar a cabeça do inimigo. É preciso fazer disso um evento capaz de cativar bilhões de pessoas nos canais da internet. Não basta explodir uma bomba no metrô. É preciso atacar os grandes espetáculos, de preferência os que são transmitidos ao vivo pela TV, como o Estado Islâmico quis fazer na partida de futebol entre França e Alemanha. Eis aí a diferença entre a Al Qaeda de Osama Bin Laden, o mentor dos ataques de 11 de setembro de 2011 nos Estados Unidos, e os terroristas do Estado Islâmico. Osama vivia escondido numa caverna. O EI é digital e está em toda a parte. O terror perpetrado em Paris é filho desta nova era.
Bin Laden vivia escondido numa caverna. O Isis é digital e está em toda a parte
O surpreendente na ascensão do Estado Islâmico é o pouco tempo que precisou para se tornar a facção mais temida no Oriente Médio e pelas potências do Ocidente. Como foi possível que um grupo de fanáticos do deserto engendrasse crimes de alcance global? Para responder a essa questão deve-se, antes de tudo, entender como ele surgiu. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante é resultado direto do fracasso do que os Estados Unidos e seus aliados chamaram de “política de reconstrução” no Iraque. A investida americana, que torrou 100 bilhões de dólares dos cofres do país, levou mais instabilidade política a uma região assentada em terreno movediço. Em março de 2011, começa a guerra civil na Síria, que opõe forças do ditador Bashar al-Assad, grupos rebeldes, curdos e radicais islamitas. Nesse mesmo ano, os rebeldes começam a receber dinheiro do Ocidente para desestabilizar Assad. Os recursos fortalecem a Al-Qaeda do Iraque, parceira dos insurretos no conflito. “O resultado foi uma guerra desastrosa que fortaleceu os terroristas e abriu caminho para a ascensão do Isis”, escreveu o Nobel de Economia Paul Krugman em um artigo publicado na semana passada pelo The New York Times.
Em 2013, Abu Bakr al-Baghdadi, líder dos extremistas, anuncia a fusão entre as suas forças no Iraque e na Síria e a criação do Estado Islâmico. Em junho de 2014, o Isis conquista Mossul, a segunda maior cidade do Iraque. No dia 29, Baghdadi declara a constituição de seu califado em partes significativas da Síria e do Iraque. O território dominado pelo Estado Islâmico equivale à Jordânia e abriga dez milhões de pessoas. Em menos de 2 anos, o Isis se consolida como uma ameaça planetária, com mais de 80 mil combatentes, dos quais pelo menos 25 mil são estrangeiros dispostos a deixar países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, França e Inglaterra para morrer no campo de batalha nos piores lugares do mundo – ou se explodir diante de civis inocentes, se for preciso.
Que motivos levam milhares de pessoas a ingressar nas fileiras de um grupo terrorista que defende a prática de crimes hediondos como a crucificação, o estupro coletivo de mulheres e a escravidão? Aqui é preciso sondar o perigoso terreno religioso. A ideologia do Estado Islâmico é uma interpretação radical do wahabismo, a versão mais fundamentalista do Islã. De acordo com o wahabismo, todos os que negam a santidade do Corão e as profecias de Maomé são apóstatas. A eles, deve ser infringido o castigo da morte. As vítimas preferenciais do Isis não são cidadãos do Ocidente, mas muçulmanos considerados apóstatas que vivem no Oriente Médio. Estima-se que, apenas em 2015, mais de 200 muçulmanos foram decapitados pelos wahabistas. Para eles, 200 milhões de xiitas estão marcados para morrer, porque adotam práticas que consideram abomináveis e que não têm base no Corão, como a adoração de túmulos.
Para simplificar a questão: o Isis diz que vai purificar o mundo matando o maior número possível de “infiéis.” Por infiéis, entenda-se qualquer um – judeus, cristãos, hindus, budistas e muçulmanos não wahabistas. Em traços gerais, o Isis comporta-se como um movimento que defende o fim dos tempos. O profeta do apocalipse é seu líder máximo, al-Baghdadi, autodeclarado califa por ser descendente direto da tribo do profeta Maomé, a Quraysh. Segundo creem, haverá, até o apocalipse, apenas doze califas. Baghdadi é oitavo, o que pressupõe que o fim baterá à porta das próximas gerações. “Os apoiadores do Estado Islâmico acreditam estar pessoalmente envolvidos numa luta que transcende as suas vidas e que o simples fato de serem arrastados para o centro do drama é um privilégio e um prazer – sobretudo se for igualmente um fardo”, escreveu recentemente o jornalista canadense Graeme Wood numa brilhante reportagem sobre o Isis.
Os ataques em Paris mostraram uma inesperada força e suscitaram uma questão: a civilização terá meios eficazes para aniquilar seu mais temerário inimigo? Ao recrutar fanáticos por meio de redes sociais, o Estado Islâmico expandiu seu exército para além das fronteiras do Oriente Médio. O terrorista agora pode estar em qualquer lugar, e pode ser qualquer um, mesmo aqueles que jamais andaram pelas terras “sagradas” do Califado. Os Estados Unidos, a França e outras potências do Ocidente reagiram tarde demais para combater a ascensão fulminante do Estado Islâmico. Agora precisam correr contra o tempo e evitar novos massacres como os de Paris.
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