segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Te Contei, não ? - O nascimento do Pós - tudo

 
 
Nunca houve um ano como 1962, quando muitas das transformações gestadas pela juventude nasceram. Algumas só explodiram algum tempo depois

Fábio Altman

O aggiornamento promovido por João XXIII na Igreja Católica está longe de ter sido o único evento extraordinário, de repercussões perenes, de 1962. Mais correto do que dizer que o Concílio Vaticano II moldou aquele período é afirmar que a mudança religiosa foi, ela também, filha de meses muito especiais. Tinha de ter sido em 1962. Haviam se passado apenas dezessete anos do fim da II Guerra Mundial. A Europa se reconstruía. Nos Estados Unidos, a geração conhecida como baby boomer, dos nascidos no pós-guerra, chegava à maioridade. Politicamente, vivia-se a Guerra Fria, cujo apogeu se deu em 22 de outubro daquele ano, quando opresidente dos Estados Unidos, John Kennedy, anunciou que os soviéticos haviam instalado mísseis nucleares em Cuba. Os soviéticos, liderados por Nikita Kruschev, e os americanos chegaram a um acordo e não se deu o pior cenário.

Não houve guerra, ainda não se fazia amor - como descobriríamos em 1968 e 1969 -, mas a juventude de 1962 precisava se reiventar, precisava matar, simbolicamente, os pais que não tinham morrido em combate. Os beatniks Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs, a representação literária dos anos 50, tinham de 30 a 44 anos quando escreveram seus trabalhos fundamentais. Eram velhos demais para revoluções. Elvis, ao voltar do Exército, em 1960, estava com 25 anos e já tinha feito sua parte ao unir a música negra ao rock'n'roll e sexualizar aoo extremo o twist. Então em 1962, à sombra do holocausto nuclear, Bob Dylan cantou Blowin' in the Wind em um festival de Nova York (foi em abril, Dylan tinha 20 anos) e o velho mundo dos adultos foi varrido por um furacão. À revelia de Dylan, a canção virou hino de protesto.

Quando lhe perguntavam que respostas sopravam ao vento, ele dizia com ironia e escárnio: "Tenho apenas 20 anos, vocês são mais velhos e mais espertos". . Em outubro - espremido entre a estreia de 007 contra o Satânico DT. No com J ames Bond, o espião da Guerra Fria, e a crise dos misseis de Cuba-, os Beatles lançaram Love Me Do e o iêiê-iê (o mais velho dos quatro tinha 22 anos). O resto é história.

1962 foi um ano menos celebrado do que 1968, mas poucas vezes tantos eventos ocorridos em 365 dias ajudaram tanto a traduzir uma determinada inflexão histórica (veja na linha do tempo abaixo). É possível que 1962 tenha sido um ano que chegou antes da hora. Os despertares provocados por ele demoraram a ser percebidos no cotidiano, eis outra interessante característica de exatos cinquenta anos atrás - ao contrário de 1968, quando se conheceu, na carne, na hora, a virada fundamental, ou mesmo de 1989, com a queda dos satélites comunistas em Varsóvia, Budapeste, Berlim e Praga. 1962 foi um ovo de serpente que gerou uma imensa árvore de novidades que demorariam a brotar.
Nele nasceu a expressão "via satélite", com as primeiras transmissões globais.
A pílula anticoncepcional, que fora sintetizada dois anos antes, chegou às lojas com timidez - de 50000 usuárias iniciais, em dois anos foi a 1,2 milhão nos Estados Unidos. Hoje, em todo o mundo, mais de 100 milhões de mulheres tomam a pílula.

O ano de 1962, enfim, representou o nascimento do pós-tudo. Os jovens - muito antes da unanimidade que se aplica a 1968 - estavam matando amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Queriam cores, e não o preto e branco niilista de seus pais. No primeiro episódio da segunda temporada do seriado Mad Men, passado em fevereiro de 1962, há festa na agência de publicidade Sterling Cooper com a chegada de uma máquina de xerox colorida. O diretor criativo, Don Draper, digladia-se com um dilema: como fazer propaganda de uma cafeteria onde "ninguém com menos de 25 anos entra para tomar café". A solução? Os jovens, a salvação da envelhecida firma de publicidade. Na mesa de reunião um dos diretores dá a deixa da renovação: "Somos um país jovem, até o presidente tem um bebê". Assim foi 1962, ano em que fotos instantâneas, nem sempre muito nítidas, como as de uma P.olaroid, com o tempo ganharam contornos para mopt'U" o filme que nos trouxe até hoje - na música, no cinema, no sexo e na igreja.

Revista Veja

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