O ministro da Educação fala de ética, defende sua concepção de ensino e diz que os estudantes são os mais afetados pelas paralisações na educação
FLÁVIA YURI OSHIMA
Entrevistar o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, foi uma aventura. Teríamos quase duas horas de conversa num almoço com entrevista em seu gabinete. Fui recebida no horário por uma assessora e dois secretários. Sentamo-nos em frente ao prato de salada, enquanto aguardávamos o ministro sair de sua quarta reunião do dia, que ocorria na sala ao lado. Ele demorou. Quando apareceu na sala de almoço, o tempo antes de seu próximo compromisso no Banco Central era de apenas 30 minutos. A saída foi segurá-lo por mais um tempo no almoço, aguardar a reunião com o banco, acompanhá-lo no elevador fazendo perguntas, sentar a seu lado no carro e segui-lo pelo prédio com o gravador ligado. Sinal de que administrar a “Pátria Educadora” com verbas minguantes dá trabalho. “Educação no Brasil é uma corrida de longa distância”, disse o ministro. Haja fôlego.
ÉPOCA – Em São Paulo, acabamos de sair de uma paralisação de 92 dias na rede estadual. Greves frequentes, como ocorre com os professores, são éticas?
Renato Janine Ribeiro – A greve é um direito constitucional. Agora, o trabalhador deve pensar muito antes de usar essa arma, que é a arma mais radical que ele pode usar. Greves em empresas infringem um prejuízo ao patrão. No setor público, não há patrão de quem você tire o lucro. No caso da saúde e da educação, os prejudicados são os mais necessitados, doentes e estudantes. Neste ano, representantes dos professores vieram falar conosco e já chegaram com a data da paralisação definida. Não tiveram a postura de negociar, esgotar a via da negociação antes de discutir um reivindicativo de greve. Esse é um jeito de agir que prejudica os mais vulneráveis.
ÉPOCA – O que se poderia fazer para evitar que as greves de professores se repitam com tanta frequência?
Janine Ribeiro – Esse é um assunto muito delicado. Não posso colocar minha opinião sobre isso ou a do MEC, porque, se o fizesse, estaria aceitando o papel de patrão. Os patrões são os pais e os alunos. Eles têm de entrar na discussão e decidir de que forma querem tratar esse assunto. As famílias têm de se envolver com o assunto e acreditar no poder que têm para mudar esse jogo.
ÉPOCA – Uma crítica comum é que, sem a estabilidade no emprego ou com um sistema de meritocracia, os professores seriam mais comprometidos e fariam menos greves.
Janine Ribeiro – A estabilidade dos professores está em lei, é um direito deles. Agora, é claro que temos sempre de considerar a exigência de qualidade. Por isso, falamos em formação continuada e qualificação. A educadora Neca Setúbal colocou de forma clara o problema com a distribuição de bônus. Ao pagar um adicional para o professor cujos alunos têm bons resultados, a chance de cometer injustiças com os demais é enorme. Quem garante que os professores cujos alunos não tiveram bons resultados não tiveram de lidar com questões muito mais complexas com seus alunos, que exigiram muito mais comprometimento e dedicação deles do que daquele que supostamente merece o prêmio? A meritocracia funciona em países em que há igualdade de oportunidades.
ÉPOCA – Países como os Estados Unidos e a Inglaterra têm um modelo bem-sucedido de escolas públicas com patrocínio privado, as charter, e também com a distribuição de vouchers para os alunos escolherem as escolas que estudarão. Esse modelo seria uma possibilidade para o Brasil?
Janine Ribeiro – Não estudei esses assuntos e prefiro não falar sobre eles.
"As famílias têm um papel determinante no desempenho dos alunos. Estimulam o orgulho por suas conquistas"
ÉPOCA – Num artigo de 2012, o senhor afirmava: “No Brasil, nossas rupturas não são para valer. Mudamos tudo para manter tudo como estava”. Entra governo e sai governo, e o mau desempenho dos alunos nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio persiste. Essa é uma ruptura que não mudou nada?
Janine Ribeiro – Tivemos, sim, uma verdadeira ruptura na educação quando iniciamos, há pouco mais de 12 anos, o processo de inclusão. Na década de 1960, tínhamos 54% de analfabetos, hoje estamos com 9%. Ainda não está bom. Mas passamos por saltos ascendentes em educação em todos os níveis. No ensino médio, em cinco anos aumentamos o investimento por aluno de R$ 400 para R$ 5 mil. A questão com as séries que você mencionou agora não é mais de ruptura, mas de trabalho articulado entre todos, inclusive com a família, a mídia e toda a sociedade. Quando as famílias torcem pelo avanço educacional das crianças, elas as estimulam a sentir orgulho por suas conquistas na escola. As novelas respondem muito pelo imaginário das pessoas. Eu me pergunto: quando foi a última vez que alguém viu um professor como modelo de pessoa numa novela? Isso tudo faz diferença no desempenho dos alunos. Agora, formalmente, vamos focar na criação da Base Nacional Comum, que é o mapeamento de tudo o que as crianças têm direito de aprender em cada idade. Isso diminuirá desigualdades regionais, ajudará na formação contínua dos professores e na forma de avaliarmos alunos e professores.
ÉPOCA – Entre os 655 cursos do Pronatec, programa de ensino técnico do governo federal, há formação auxiliar de secretaria de escola e auxiliar de cabeleireiro. Esse é o tipo de formação que muda a vida do aluno?
Janine Ribeiro – O auxiliar não é o destino final da formação dessa pessoa. Essa formação o levará para a próxima com mais facilidade. Ainda que ele mude de área, aquela formação pode fazer uma diferença enorme na pessoa que ele é. Um grande exemplo disso é o engenheiro que será gerente de banco. O engenheiro aprendeu a construir pontes. Ele desenvolveu a capacidade de calcular riscos. Com isso, aprendeu um estilo de raciocínio que o faz ser caçado a laço pelos bancos.
ÉPOCA – De que forma o senhor enxerga a educação?
Janine Ribeiro – Em sua etimologia, educar é conduzir e tirar. Educação é promover. É tirar alguém de um estágio para levá-la para outro mais elevado. Educar é fazer isso entregando às pessoas algo que passará a fazer parte delas. Educação é o que há de mais consistente na sociedade. Uma vida social bem-sucedida é uma vida em que as pessoas educam umas às outras. A Pátria Educadora surge da ideia de cidade educadora, em que todas as ações são conjugadas de maneira que as pessoas eduquem a si, reciprocamente. No caso do MEC, tratamos da educação no sentido mais preciso, formal, mas com desdobramentos em todos os aspectos da vida da sociedade. Indo dos zero aos 17 anos, enxergo que os temas fundamentais hoje são prover boas creches para todos, alfabetizar no tempo certo e dar especial atenção ao final do ensino fundamental e ao ensino médio.
ÉPOCA – A história mostra que o movimento normal das nações foi garantir o acesso à vaga para todos e depois preocupar-se com o acesso à educação de qualidade. Como garantir o acesso ao aprendizado efetivo ao mesmo tempo que conseguimos uma cadeira para o aluno se sentar?
Janine Ribeiro – A gente tem de aumentar os dois ao mesmo tempo. Não é e não pode ser uma escolha de Sofia. Se tivéssemos nos contentado em pensar apenas em aumentar a qualidade no ensino médio em 2002, quando tínhamos 3 milhões de alunos, teríamos hoje 3 milhões de alunos com ensino de melhor qualidade. Mas não teríamos incluído os 4,5 milhões de estudantes que se somaram a eles. Fizemos essa inclusão com ganhos de qualidade. A única coisa positiva no atraso é que não precisamos percorrer todo o caminho de erros para evoluir. Podemos pular muitos erros. Temos um problema de crianças subnutridas por falta de quantidade de alimentos, mas não precisamos primeiro dar uma alimentação calórica suficiente, mas ruim, para depois dar uma calórica e boa. Podemos já almejar o bom. Dá mais trabalho, mas fazer de outra forma não é uma opção.
ÉPOCA – Como o senhor vê a ética na política brasileira? A punição de políticos acusados de corrupção, inclusive em seu partido, é um bom sinal?
Janine Ribeiro – Não sou filiado a nenhum partido. Sou contra a corrupção em qualquer instância. Um dos problemas sérios da discussão política no Brasil é que se usa a corrupção como arma específica contra um partido ou outro. As pessoas que fazem isso não são contra a corrupção. Diria que quem usa a corrupção como arma selecionada contra um partido é a favor da corrupção. O problema da corrupção existe, mas ele não pode ser usado nem só pelos partidos para acusar ou absolver os outros nem para nos furtar de nossa responsabilidade com a inclusão social. O grande escândalo ético da sociedade brasileira é o da miséria e o da exclusão. Temos um conflito áspero na política brasileira porque a agenda da inclusão que temos incomoda muita gente, que já está incluída.
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