quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Artigo de Opinião - Coisa de índio

Todo dia uma nova cópia é noticiada. É cópia de cordão, de sapato, de estampa, de layout. O autor tem todo o direito de se sentir ofendido, de reclamar, de impedir


Em recente viagem ao Mato Grosso, para uma pesquisa de campo sobre grafismos indígenas, a designer Antonia Souza visitou a aldeia dos kamayurás, no Alto Xingu, onde notou algo curioso e que lhe chamou a atenção, posteriormente relatado a seus advogados. Ali acontecia o quarup, uma cerimônias para homenagear e se despedir dos mortos, que são representados por toras de madeira com o mesmo nome. Os quarups, presos ao chão, são pintados pelas famílias dos falecidos. Ao final, são lançados ao lago para que as almas sejam libertadas, finalizando o período de luto.

O cacique anfitrião dos kamayurás, junto ao seu grupo, recebeu diversas outras etnias na aldeia. Por tradição, os integrantes de cada uma delas tinham seus corpos pintados com grafismos característicos, representando suas coletividades. Ao ver que alguns índios de diferentes etnias haviam feito desenhos iguais ou muito similares aos dos kamayurás, a irritação deles foi tremenda. Havia uma identificação com algo que lhes pertencia, uma apropriação não autorizada de elementos próprios tão intrinsecamente conectados aos kamayurás. Quanto aos aspectos visuais, um plágio!

Em contrapartida, Antonia havia levado do mundo “dos brancos” amostras de grafismos usados na cidade, aplicados em estampas de roupa, papéis e artigos de decoração. Ao apresentar seus exemplos, em especial aqueles que eram visualmente parecidos aos desenvolvidos pelos moradores da aldeia, a indignação dos índios foi menor, talvez pela incompreensão do que aqueles suportes representavam, mas certamente porque não sentiram sua honra ofendida.

Voltando ao mundo que muitos não índios consideram civilizado, todo dia uma nova cópia é noticiada. É cópia de cordão, de sapato, de estampa, de layout. O autor, índio ou não, tem todo o direito de se sentir ofendido, de reclamar, de impedir cópias não autorizadas e o aproveitamento parasitário. Ainda que haja algumas peculiaridades de proteção e forma de exploração previstas em lei, as criações do espírito, ou seja, aquilo que a mente humana puder criar e aplicar, são passíveis de proteção para todos.

O Brasil e nada menos que outros 167 países são signatários da Convenção de Berna, que garante um padrão mínimo de proteção autoral ao redor do mundo, sem nem mesmo analisar as legislações locais específicas, inclusive, para os brasileiros, os artigos constitucionais aplicáveis e a Lei de Direitos Autorais. Vale destacar que, para os índios, na forma de seu estatuto, uma lei federal de 1973, todos os direitos e benefícios da legislação comum lhes serão aplicáveis sempre que possível, inclusive a capacidade de proteção de sua arte.

Sobre o direito moral do autor, é importante observar que ele está intrinsecamente conectado à sua criação, à sua honra, sendo, portanto um direito personalíssimo, que garante a possibilidade de reivindicar sua autoria. Junto dele vem a capacidade de exploração patrimonial, aspecto que pode ser objeto de transferência para terceiros, seja por licença, ou por cessão.

Para os índios, em razão de características sociais e antropológicas peculiares, em especial a ampla capacidade de identificação com a sua coletividade, normas excepcionais permitem que o direito do autor seja, de forma originária, um direito coletivo, sendo atribuído ao grupo. Desta forma, o grupo que poderá decidir sobre a forma de utilizar a obra, deterá direitos para protegê-la contra abusos de terceiros e deverá ser sempre reconhecido como criador.

Os índios, portanto, inclusive grupos étnicos de forma coletiva, poderão se insurgir contra o uso não autorizado de suas obras, como qualquer outro autor, e gozarão dos mesmos direitos, inclusive possibilidade de requerer a apreensão de materiais que reproduzam criações de forma não autorizada e ingressar em juízo para obtenção de indenizações por danos patrimoniais e morais.

Inspirações e referências continuam sendo possíveis, sejam elas baseadas no urbano ou na arte feita em ocas. Reproduzir sem autorização continua sendo ilícito e o limite entre tais referências e a real infração deverá ser observado caso a caso.

Entre os brasileiros, índios ou não, e todo o resto do mundo continuaremos com o ímpeto da proteção de autoria em comum, pela simples semelhança de sermos pessoas.

Alberto Esteves Ferreira Filho e Andreia de Andrade Gomes são advogados



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/coisa-de-indio-14216075#ixzz3GG9wHSC6

2 comentários:

  1. Existem vários motivos que levam as pessoa a plagiar, e também plagiar diferentes coisas uma redação, uma obra de arte ou uma foto. Mas a questão é o mal que esse crime faz, ele pode não matar mas de um certo jeito ele causa grande problemas podendo até prender pessoas.
    Há vários exemplos de empregos que sofrem om plagio como os jornalistas, fotógrafos, escritores e etc. Então nós conseguimos perceber a dimensão do problema causada por esse crime ele pode tirar o sustento de uma pessoa.
    O exemplo dado no texto foi uma “simplificação” para ajudar a transmitir a ideia dos grandes esquemas de plagio urbano, os que causam os maiores problemas principalmente envolvendo profissionais de grande porte esse tipo é apresentado a justiça que dá diferentes tipos de pena.
    Aluno: Wenderson Fernandes Rangel
    Turma: 802

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  2. Plagiar é uma atitude desonesta, que envolve prejuízo aos sujeitos envolvidos. Todos o brasileiros, índios ou não, tem o direito de expressar-se em uma obra por exemplo, que deverá sempre ser reconhecida como sua criação.
    Como diz no texto, para os índios,em uma lei federal de 1973, todos os direitos e benefícios da legislação comum lhes serão aplicáveis, inclusive a capacidade de proteção de sua arte.
    O artigo alem de nos dar essa excelentes informações a respeito do plagio, principalmente com os índios, nos mostra logo em seu início um pouco da rica cultura indígena, que na minha percepção deve ser cada ver mais preservada e estudada, até para que muito deixem de definir os índios como incivilizados.
    Claro que podemos ter admirações e inspirações em outras obras, mas plagiar alem de ser ilegal, é uma mensagem de como a sua mente é incapaz.

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