segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Te Contei, não ? - Ilha da fantasia chamada Brasil

 

  • Mapa que estabeleceu as fronteiras da Colônia no século XVIII mostra regiões que seriam ricas em diamantes e áreas habitadas por guerreiras e criaturas bizarras
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Renato Grandelle
 

Fronteiras da Colônia (em rosa) são determinadas pelo Lago
Foto: Divulgação
Fronteiras da Colônia (em rosa) são determinadas pelo Lago Divulgação
RIO - Ilhas habitadas por monstros, montanhas literalmente de pedras preciosas, uma tribo de guerreiras que defendia as florestas. Uma série de mitos sobreviveu à edição, em meados do século XVIII, de um mapa que redefiniu as fronteiras do Brasil, dando à Colônia um traçado muito próximo ao ocupado atualmente pelo país.
Colonos embrenharam-se pelo interior do continente seguindo lendas da Antiguidade e relatos indígenas. O Império português se animou com a possibilidade de encontrar lagos dourados e terras de diamantes, que estariam em um território do continente sob domínio espanhol. A Corte, então, criou a Carte de l’Amérique méridionale, que em 1748 substituiu o Tratado de Tordesilhas, o formato original da Colônia.
- O Tratado de Tordesilhas ficou ultrapassado porque a colonização do planalto central da América do Sul estava sendo realizada pelos portugueses, e não pelos espanhóis, a quem esse território pertencia por direito - lembra a historiadora Júnia Ferreira Furtado, da UFMG, autora do livro “O mapa que inventou o Brasil”.
O diplomata português Luís da Cunha e o cartógrafo francês Jean-Baptiste Bourguinon foram os autores do novo documento. A Colônia, agora, estendia-se da foz do Rio da Prata ao atual estado do Amapá. No caminho, o território se alargava, chegando ao Mato Grosso e à Amazônia.
Não foi um traçado aleatório. Portugal acreditava que, no interior da Colônia, estavam indícios do paraíso, como rios onde brotava ouro. A crença vinha de relatos de índios e de textos da Antiguidade que descreviam os limites do mundo. E era importante que um mapa assegurasse aos portugueses todas as áreas que seriam promissoras.
O Lago Xarais
Um dos mitos nos quais acreditavam os portugueses entre os séculos XVI e XVIII era a presença, no Centro-Oeste brasileiro, do Lago Xarais, que conectava as bacias do Rio da Prata e do Amazonas. Os limites do lago, de um lado, e do Oceano Atlântico, do outro, tornavam o Brasil uma grande ilha.
Desde sua descoberta, a região onde existiria o lago encantou os viajantes. Os portugueses procuravam ouro e consideravam que dominar aquela área era cumprir uma profecia. As ilhotas seriam o lar de seres monstruosos, como os orelhudos, que já faziam parte do imaginário europeu. A aparência bizarra dessas criaturas foi ilustrada em uma crônica alemã de 1492, o mesmo ano da descoberta da América.
- A crônica reunia o conhecimento que os europeus tinham do mundo, em grande parte herdado da Antiguidade e da Idade Média - explica Júnia. - Acreditava-se em um grande número de criaturas míticas que, com o descobrimento da América, foram situadas no centro do Novo Mundo, como os orelhudos do Lago Xarais.
No início do século XVIII, os portugueses descobriam que, na verdade, o Xarais era o Pantanal, não um lago. Quando a riqueza não foi encontrada naquele falso limite da Colônia, os bandeirantes enveredaram pela Amazônia e o Sertão.
A Serra das Esmeraldas
Padres, sertanistas e cosmógrafos orientavam-se até pela Bíblia em sua busca pelo paraíso terrestre. Segundo o livro de Gênesis, Deus plantou um “jardim delicioso”: “Deste lugar de delícias saiu um rio (...) onde nasce o ouro”.
Na África e na Ásia havia relatos de tesouros guardados por aves sem patas, que passavam a vida inteira voando; e por mulheres com olhos de pedras preciosas, que matavam intrusos com um simples olhar. O Brasil também guardava suas riquezas — restava saber aonde.
No início do século XVIII, os desbravadores estavam convictos da existência de uma serra tomada por pedras preciosas. As expedições seguiram o curso de diversos rios do Nordeste ao Sul da Colônia até descobrirem o que seria a Serra das Esmeraldas, entre o Espírito Santo e Porto Seguro. Seu nome e desenho estão presentes no mapa brasileiro. No entanto, descobriu-se depois que as supostas esmeraldas não passavam de pedras verdes comuns.
As temidas amazonas
O Norte da Colônia também seria rico em diamantes, na terra das amazonas. Segundo um antigo mito grego, essas guerreiras cortavam um seio para posicionarem seus arcos. Algumas histórias relatavam que os descendentes masculinos eram mortos logo depois de nascerem - outros, no entanto, acreditavam que os meninos eram entregues para os pais. Havia, no entanto, um consenso: as mulheres da floresta criavam as meninas.
Embora nunca tenham sido vistas, as amazonas causaram temor entre os exploradores do continente. Cristóvão Colombo assegurou que as “grandes senhoras”, como eram conhecidas pelos índios, estavam no Caribe.
Um frei que acompanhou uma expedição pelo Rio Madeira relatou ter visto as guerreiras, descrevendo-as como “muito alvas e altas (...). São muito membrudas e andam nuas em pelo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos”.
Segundo índios de diversas tribos, as amazonas concentravam-se ao sul da fronteira com as Guianas. As mulheres provocaram fascínio a ponto de batizarem o maior rio do mundo - que, até então, atendia por diversos nomes, como Grão-Pará e Paranguazú.
- As expedições que desceram o Amazonas recolheram muito indícios, mas nenhuma prova empírica da existência das famosas guerreiras - conta Júnia. - De qualquer forma, elas não exerceram barreiras ou impedimentos para a colonização da área.
Perto do rio, segundo outro mito, estava a cidade de Manoa, capital do reino Inga, onde havia palácios de ouro. O índio Juan Martinez de Albújar garantiu que índios canibais da região o fizeram de refém. Ele conseguiu escapar e descreveu a região para o explorador Walter Raleigh, que passou 22 anos tentando encontrar o famoso Eldorado. Apesar do fracasso de suas incursões e da morte de seu filho, que o acompanhava, Raleigh nunca teve dúvidas de que o reino, que nunca encontrou, de fato existia.
Em 1750, Portugal e Espanha enfim acertaram o Tratado de Madrid, que ratificou o novo formato do Brasil. As fronteiras foram definidas. As lendas, que ignoram mapas, sobreviveram por muito mais tempo.


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