terça-feira, 18 de setembro de 2012

Bom saber - Uma (re)leitura do HINO NACIONAL BRASILEIRO



Por que escrever um livro sobre o Hino Nacional Brasileiro? A nossa proposta fundamental era fazer com que os professores e os alunos pudessem analisar a letra, trabalhando com o léxico da língua portuguesa e compreendendo melhor os aspectos sintático-semânticos da letra do Hino Nacional Brasileiro, resgatando, assim, um dos símbolos mais belos da pátria.

Tanto o Hino Nacional Brasileiro como a Bandeira Brasileira são sempre lembrados nas Copas do Mundo e nas Olimpíadas, ocasiões em que os brasileiros fazem questão de desfraldar ininterruptamente a flâmula verde-amarela e deixar escapar dos lábios, ainda que erroneamente, alguns versos do hino pátrio.

Os brasileiros temos o dever não só de cantar corretamente o Hino Nacional, mas também de compreender a letra em todos os seus aspectos linguísticos.

Geralmente os professores analisam todos os gêneros textuais - romance, crônica, poesia, publicidade, ensaio -, mas se esquecem de interpretar com os alunos a riqueza do léxico e da sintaxe que há na letra do Hino Nacional Brasileiro.

Hino é um poema ou canto lírico de invocação ou adoração, que celebra uma divindade, um herói ou um acontecimento histórico. E a letra do Hino Nacional Brasileiro resgata fatos da Independência do Brasil, numa alusão ao grito "Independência ou Morte"; cita o Cruzeiro do Sul, símbolo que se faz presente no Brasão da República Federativa do Brasil; o nosso país, metaforizado em "florão", é um dos principais países da América, o Novo Mundo, destacando-se como enfeite em forma de flor.

Ao criar a letra, Joaquim Osório Duque Estrada escreveu "O lábaro que ostentas estrelado, / E diga o verde-louro dessa flâmula", fazendo-nos apreender o sentido das palavras lábaro e flâmula como sinônimos de bandeira, e levando-nos à compreensão de que a bandeira brasileira possui um círculo azul repleto de estrelas e o verde-amarelo simboliza as grandes conquistas da nação - frutos das lutas e das revoluções do passado - e sugere a contribuição da paz, no futuro.

MORFOSSINTAXE

Embora muitas pessoas entendam como sujeito indeterminado, no início da letra, o autor emprega as margens plácidas do Ipiranga como sujeito simples, personificando-as: "As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico", acentuando a participação do povo brasileiro na sua independência.

Já em "Brasil, ó pátria amada, tu és terra adorada entre outras mil", percebe-se que o interlocutor - como nas demais partes - é sempre o próprio país, empregado como vocativos em "Brasil" e "ó pátria amada". Além da hipérbole e da zeugma em "terra adorada entre outras mil (terras)".

"Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte
Em teu seio, ó liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!"

A inversão é marcante nesta estrofe, em que o sujeito "o nosso peito" aparece no quarto verso. Passando esses versos para a ordem direta, teremos: "O nosso peito desafia a própria morte, em teu seio, ó liberdade, se conseguimos conquistar o penhor dessa igualdade com braço forte".
"Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores."
Gonçalves Dias

Há o emprego da metonímia (= contiguidade) em "com braço forte" e "Desafia o nosso peito"; da metáfora (=similaridade) em "em teu seio" e da apóstrofe (chamamento) em "ó liberdade".

INTERTEXTUALIDADE


O ufanismo foi uma das características do Romantismo, quando os poetas, principalmente da geração nacionalista, deveriam exaltar as coisas belas do povo e da terra brasileiros. Daí o belíssimo exemplo de intertextualidade explícita que Duque Estrada utilizou na letra, citando dois versos do romântico Gonçalves Dias, em sua poesia Canção do Exílio: "Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores", em que o poeta expressa saudade e nostalgia, referindo-se à beleza e à alegria que existem em nossa natureza (lá) em contraste com o seu exílio em Portugal (aqui).

Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais amores".

Explica-se o emprego das aspas na citação dos versos do poeta romântico.

Os poetas Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade criaram poemas com alusões ao Hino Nacional Brasileiro. Essa intertextualidade faz com que as pessoas percebam a pujança que há na letra e passem a valorizar mais os símbolos da pátria, sempre visando a uma aprendizagem ética, crítica e reflexiva.
"Trabalho com a ética tem como objetivo o reconhecimento de que as atitudes das pessoas precisam ser pautadas por princípios de respeito, justiça, solidariedade e diálogo, que devem estar expressos na ação cotidiana da escola."

LINGUAGEM FIGURADA

Uma vez que o hino celebra um acontecimento histórico, há necessidade de reconhecer e analisar a linguagem conotativa utilizada pelo autor, oferecendo-nos dezenas de figuras de linguagem que embelezam o texto, dando brilho e destaque ao enunciador que dialoga constantemente com o Brasil, cognominando-o de "Ó Pátria amada", "Gigante pela própria natureza", "impávido colosso", "Terra adorada", "florão da América", conferindo-nos a prosopopeia e a apóstrofe que aparecem na letra.

A letra do Hino Nacional é repleta de linguagem figurada. Tomemos como exemplo a estrofe:

"Brasil, um sonho intenso, um raio vívido,
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido
A imagem do Cruzeiro resplandece."

Temos a ordem direta: "Brasil, um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança desce à terra, // se a imagem do Cruzeiro resplandece em teu formoso céu, risonho e límpido". Nestas duas orações, temos um paralelismo sintático, formado pela sequência sujeito, verbo e adjunto adverbial.

Destaca-se a inversão em toda a estrofe; a apóstrofe em "Brasil"; a prosopopeia em "formoso céu risonho" e a metonímia em "A imagem do Cruzeiro resplandece".

CURIOSIDADES

Vale lembrar que a música, composta por Francisco Manuel da Silva, foi executada pela primeira vez em 1831; e a letra, de autoria de Joaquim Osório Duque Estrada, tornou-se conhecida somente em 1909, aprovada pelo Congresso Nacional em 1912. Talvez isso justifique o grande número de inversões na letra do hino pátrio. O Hino Nacional Brasileiro tornou-se oficial, por Decreto, em 06-11-1922.

A junção de "nosso hino" (= suíno) forma um vício de linguagem denominado cacofonia (qualquer sequência silábica intervocálica que provoque som desagradável). Devemos, portanto, sempre fazer referência ao Hino Nacional Brasileiro.

Após a execução do Hino Nacional Brasileiro, não devem ocorrer aplausos, como é de costume em comemorações festivas. Consoante o professor Dalmo de Abreu Dallari (Revista Nova Escola, maio/2000), "O Hino é a expressão de todos os brasileiros - em última análise, a pessoa aplaude a si mesma".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na mídia brasileira atual, notamos uma valorização cada vez maior da língua portuguesa, não somente em programas televisivos, como também em revistas específicas de língua portuguesa e no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo publicou no Diário Oficial, no dia 04-07-2002, um Comunicado SE, com o seguinte teor:
"Dentre as ações previstas no Mutirão da Cidadania, esta Secretaria propõe que as Unidades Escolares incluam nas suas atividades semanais a entoação do Hino Nacional e o Hasteamento da Bandeira, com o objetivo de estimular a criação de espaços voltados à vivência de uma escola cidadã.

Por meio dessa atividade, os educadores poderão enfatizar a riqueza e a grandiosidade dos símbolos nacionais que favorecem a aquisição da consciência da cidadania pelos alunos."

Como escrevi em um artigo científico (2001), "a educação para a cidadania requer que questões sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica". Acrescentei, ainda, que o "trabalho com a ética tem como objetivo o reconhecimento de que as atitudes das pessoas precisam ser pautadas por princípios de respeito, justiça, solidariedade e diálogo, que devem estar expressos na ação cotidiana da escola".

E é apenas com a educação que poderemos mudar as pessoas e conscientizá-las de que o estudo, a cultura e a aprendizagem são imprescindíveis para que o indivíduo saiba portar-se como ser humano e fazendo com que cada cidadão trate o outro como cidadão.

O Prof. Dr. José Carlos Garcia de Freitas (Batatais- SP) escreveu na apresentação do meu livro: "O homem é um ser pluridimensional pensante. Nesta condição, é o único ser capaz de produzir cultura, em decorrência de possuir inteligência. A linguagem é uma das características fundamentais da nossa identidade cultural. Nesse sentido, temos os símbolos que se expressam também através da linguagem. O Hino Nacional é um dos grandes símbolos representativos da nossa produção cultural. Oportuna e muito genuína a obra literária Hino Nacional Brasileiro: Análise e Compreensão, do Prof. Dr. Luiz Roberto Wagner. Assim, o autor nos leva a uma viagem cultural através da essência mais recôndita do Hino Nacional. Uma verdadeira produção cultural... uma comunicação direta através da linguagem natural".


*Luiz Roberto Wagner é Doutor em Letras pela UNESP de Araraquara-SP e autor do livro Hino Nacional Brasileiro: Análise e Compreensão.

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