Frei Betto *
Feliz Ano Novo aos que acordarem em 2005 sem a ressaca da culpa, plenos de vida na qual a paixão sobrepuja a omissão e o encanto tece luzes onde a amargura costuma bordar teias de aranha.
Feliz ano a quem não sonega afetos, arranca de si fontes onde borbulham transparências e não mira os que lhe são próximos como estranhos passageiros de uma viagem sem pouso, praias ou horizontes. Felizes aqueles que abandonam no passado seus excessos de bagagem e, coração imponderável, recolhem à terra a pipa do orgulho e do tédio; generosos, ousam a humildade.
Ano Novo a todos que despertam hoje ao som de preces e agradecem o tido e não havido, maravilhados pelo dom da vida, malgrado tantas rachaduras nas paredes, figos ressecados e gatos furtivos.
Bom ano a quem gosta de feijão e se compraz nos grãos sobrados em prato alheio; a vida é dádiva, contração do útero, desejo ereto, espírito glutão insaciado de Deus.
Novo seja o ano àqueles que nunca maldizem e possuem a própria língua, poupam palavras e semeiam fragâncias nas veredas dos sentimentos.
Seja também feliz o ano de quem guarda-se no olhar e, se tropeça, não cai no abismo da inveja nem se perde em escuridões onde o pavor é apenas o eco de seus próprios temores.
Novo ano a quem se recusa a ser tão velho que ambiciona tudo novo: corpo, carro e amor; viver é graça a quem acaricia suas rugas e trata seus limites como cerca florida de choupana montanhês.
Tenham um feliz ano todos que sabem ser gordos e felizes, endividados e alegres, carentes de afago mas repletos de vindouras fortunas em seus anseios.
Feliz Ano Novo aos órfãos de Deus e de esperanças, e aos mendigos com vergonha de pedir; aos cavaleiros da noite e às damas que jamais provaram do leite que carregam em seus seios.
Felizes sejam, neste ano, os homens ridiculamente adornados, supostos campeões de vantagens; aqueles que nada temem, exceto o olhar súplice do filho e o sorriso irônico das mulheres que não lhes querem. Felizes sejam também as mulheres que se matam de amor, e de dor por quem não merece, e que, no espelho, se descobrem tão belas por fora quanto o sabem por dentro.
Seja novo o ano para os bêbados que jamais tropeçam em impertinências e para quem não conspira contra a vida alheia.
Feliz Ano Novo para quem coleciona utopias, faz de suas mãos arado e, com o próprio sangue, rega as sementes que cultiva.
Sejam muito felizes os velhos que não se disfarçam de jovens e os jovens que superam a velhice precoce; seus corações tragam a idade alvíssara de emoções férteis.
Muitas felicidades aos que trazem em si a casa do silêncio e, à tarde, oferecem em suas varandas chocolate quente adocicado com sorrisos de sabedoria.
Um ano feliz aos que não se ostentam no poleiro da própria vaidade, tratam a morte sem estranheza e brincam com a criança que os habita.
Feliz Ano Novo aos sonâmbulos que se equilibram em fios que unem postes e aos que garimpam luzes nas esquinas da noite.
Um Ano Novo muito feliz a todos nós que juramos seqüestrar os vícios que carregamos e não pagar o resgate da dependência; o futuro nos fará magros por comer menos; saudáveis, por fumar oxigênio; solidários, por partilhar dons e bens.
Feliz 2005 ao Brasil que circunscreve a geografia do paraíso terrestre, sem terremotos, tufões, furacões, maremotos, desertos, vulcões, geleiras, tornados, neves e montanhas inabitáveis.
Conceda-nos Deus a bênção de tantos dons, livres de políticos que constroem para si o céu na Terra com a matéria-prima do inferno coletivo.
Feliz ano a quem não sonega afetos, arranca de si fontes onde borbulham transparências e não mira os que lhe são próximos como estranhos passageiros de uma viagem sem pouso, praias ou horizontes. Felizes aqueles que abandonam no passado seus excessos de bagagem e, coração imponderável, recolhem à terra a pipa do orgulho e do tédio; generosos, ousam a humildade.
Ano Novo a todos que despertam hoje ao som de preces e agradecem o tido e não havido, maravilhados pelo dom da vida, malgrado tantas rachaduras nas paredes, figos ressecados e gatos furtivos.
Bom ano a quem gosta de feijão e se compraz nos grãos sobrados em prato alheio; a vida é dádiva, contração do útero, desejo ereto, espírito glutão insaciado de Deus.
Novo seja o ano àqueles que nunca maldizem e possuem a própria língua, poupam palavras e semeiam fragâncias nas veredas dos sentimentos.
Seja também feliz o ano de quem guarda-se no olhar e, se tropeça, não cai no abismo da inveja nem se perde em escuridões onde o pavor é apenas o eco de seus próprios temores.
Novo ano a quem se recusa a ser tão velho que ambiciona tudo novo: corpo, carro e amor; viver é graça a quem acaricia suas rugas e trata seus limites como cerca florida de choupana montanhês.
Tenham um feliz ano todos que sabem ser gordos e felizes, endividados e alegres, carentes de afago mas repletos de vindouras fortunas em seus anseios.
Feliz Ano Novo aos órfãos de Deus e de esperanças, e aos mendigos com vergonha de pedir; aos cavaleiros da noite e às damas que jamais provaram do leite que carregam em seus seios.
Felizes sejam, neste ano, os homens ridiculamente adornados, supostos campeões de vantagens; aqueles que nada temem, exceto o olhar súplice do filho e o sorriso irônico das mulheres que não lhes querem. Felizes sejam também as mulheres que se matam de amor, e de dor por quem não merece, e que, no espelho, se descobrem tão belas por fora quanto o sabem por dentro.
Seja novo o ano para os bêbados que jamais tropeçam em impertinências e para quem não conspira contra a vida alheia.
Feliz Ano Novo para quem coleciona utopias, faz de suas mãos arado e, com o próprio sangue, rega as sementes que cultiva.
Sejam muito felizes os velhos que não se disfarçam de jovens e os jovens que superam a velhice precoce; seus corações tragam a idade alvíssara de emoções férteis.
Muitas felicidades aos que trazem em si a casa do silêncio e, à tarde, oferecem em suas varandas chocolate quente adocicado com sorrisos de sabedoria.
Um ano feliz aos que não se ostentam no poleiro da própria vaidade, tratam a morte sem estranheza e brincam com a criança que os habita.
Feliz Ano Novo aos sonâmbulos que se equilibram em fios que unem postes e aos que garimpam luzes nas esquinas da noite.
Um Ano Novo muito feliz a todos nós que juramos seqüestrar os vícios que carregamos e não pagar o resgate da dependência; o futuro nos fará magros por comer menos; saudáveis, por fumar oxigênio; solidários, por partilhar dons e bens.
Feliz 2005 ao Brasil que circunscreve a geografia do paraíso terrestre, sem terremotos, tufões, furacões, maremotos, desertos, vulcões, geleiras, tornados, neves e montanhas inabitáveis.
Conceda-nos Deus a bênção de tantos dons, livres de políticos que constroem para si o céu na Terra com a matéria-prima do inferno coletivo.
• Frei Betto é escritor, autor de Típicos Tipos – perfis literários (A Girafa), entre outros livros.
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