domingo, 6 de janeiro de 2013

Entrevista - Steven Spielberg

  "Não faço filmes pensando em Oscar"

O diretor americano afirma que seus trabalhos são pessoais e que poder fazer isso e ainda agradar ao público é o maior prêmio que se pode ter


por Elaine Guerini, de Nova York

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FAVORITO
Dono de uma fortuna de US$ 3 bilhões, Spielberg
lidera as indicações ao Globo de Ouro

O cineasta americano Steven Spielberg, 66 anos, esperou a vitória de Barack Obama nas eleições presidenciais americanas para lançar nos cinemas o seu retrato intimista de um dos mais emblemáticos governantes de seu país, o presidente Abraham Lincoln. Não queria que a sua visão sobre a vida do homem que lutou pelo fim da escravatura nos EUA pesasse na escolha do eleitor. Em cartaz há seis semanas, o filme, que estreia no Brasil no dia 25 de janeiro, já faturou mais de US$ 100 milhões, é o líder de indicações ao Globo de Ouro e um dos fortes concorrentes ao Oscar. E já era favorito mesmo antes de ser lançado. Premiado pela Academia de Artes e Ciências de Hollywood com quatro estatuetas, o cineasta afirma, contudo, que não realiza seus trabalhos pensando em Oscar. “O prêmio maior é o privilégio de fazer os filmes que quero”, afirma. Dono de algumas das maiores bilheterias do cinema e de uma fortuna de US$ 3 bilhões, o criador de sucessos como “ET – O Extraterrestre” e “Os Caçadores da Arca Perdida” não vê problemas em ser identificado como autor de “filmes-pipoca”, mas afasta a fama de adulador do público. Na entrevista a seguir, ele afirma que recusa dirigir sequências de seus longas e que nunca fez uma obra que não fosse extremamente pessoal. Estrelado por Daniel Day-Lewis, “Lincoln”, resgata os últimos quatro meses de vida do 16º presidente americano, após a Guerra da Secessão, no século XIX: “Ele enfrentou a pior crise que um país pode ter”, diz Spielberg.

03.jpg"Encontrei resistência à realização de 'Lincoln' (interpretado
por Daniel Day-Lewis, acima) dentro da minha própria
empresa, a DreamWorks Pictures"

01.jpg"Não discuto política atual (referindo-se ao governo de Barack Obama) com jornalistas.
Sempre que abro a boca para falar de política, esse passa a ser o destaque da entrevista"
Fotos: Divulgação; Pablo Martinez Monsivais/AP Photo
 
Istoé - Apesar de sua importância histórica, Lincoln não tem apelo mundial. O sr. levou isso em consideração, já que a maioria de seus filmes visa um público mais amplo? 
STEVEN SPIELBERG -
Sim. Por outro lado, levei em consideração que toda forma de democracia tem uma infraestrutura similar à dos EUA, o que fará boa parte da plateia internacional se identificar. Há ainda outros paralelos, como no Brasil, que também adotou a escravatura na época. Mas é verdade que encontrei resistência à realização de “Lincoln” dentro da minha própria empresa, a DreamWorks Pictures.
 
Istoé -  Foi por isso que o filme levou tanto tempo para sair do papel?
STEVEN SPIELBERG -
 Eu sempre levo o tempo necessário para encontrar o caminho certo e, assim, garantir que o roteiro saia do jeito que quero. Enquanto isso não acontece, cuido de outros projetos, o que nunca me falta. No caso de “Lincoln”, Tony Kushner trabalhou no roteiro por cinco anos. Queria um filme intimista, passado em interiores, com ênfase nos diálogos e nos relacionamentos. A ideia é que o espectador sinta que está quase ouvindo o que pensa o personagem e acompanhe de perto todo o processo pessoal e político.
Istoé - O sr. está satisfeito com o governo de Barack Obama?
 

STEVEN SPIELBERG -
Não discuto mais política atual com jornalistas. Com o tempo, descobri que sempre que abro a boca para falar de política, esse passa a ser o destaque da entrevista. Foi por essa razão que não lancei o filme antes das eleições. “Lincoln’’ acabaria servindo de plataforma para tratar das eleições nos jornais e o seu conteúdo acabaria ficando em segundo plano.
 
Istoé - Ser cogitado ao Oscar antes mesmo de o filme ser lançado gera alguma pressão, no sentido de corresponder às expectativas?
 

STEVEN SPIELBERG -
Não me sinto confortável para falar de Oscar pela simples razão de isso estar totalmente fora do meu controle. Como não posso determinar o que se passa na Academia, não faço filmes pensando em Oscar. Só posso dizer que tenho muito orgulho do trabalho que Daniel Day-Lewis, Tony Kushner e eu fizemos no filme.
 
Istoé - Nunca se sente pressionado?
 

STEVEN SPIELBERG -
Sim, mas nunca para ter um filme indicado ao Oscar. Não há pressão maior que a de um pai, no sentido de encaminhar e colocar os filhos na faculdade. E eu tenho sete (risos).
 
Istoé - Como consegue conciliar a intensa atividade de cineasta com as responsabilidades de pai de uma família numerosa?
 

STEVEN SPIELBERG -
Não sei (risos). O mais curioso é que, depois da faculdade, aos 20 ou 21 anos, os filhos acabam voltando. Recentemente, a nossa casa passou de um ninho vazio a um ninho cheio novamente. Eles voltaram a viver conosco por cerca de um ano até encontrarem um lugar para morar. Vê-los de novo nos mesmos quartos onde cresceram foi uma alegria para mim e para Kate (a atriz Kate Capshaw, com quem Spielberg está casado desde 1991). Foi uma prova de que fizemos um bom trabalho e de que eles ainda gostam dos pais.
 
Istoé - O sr. encorajou os filhos que resolveram seguir os seus passos?
 

STEVEN SPIELBERG -
Sim. Tenho muito orgulho de vê-los trabalhando na mesma área. Jessica Capshaw (filha do primeiro casamento de Kate, com Robert Capshaw) é uma das médicas no seriado “Grey’s Anatomy”. Meu filho Sawyer estuda artes dramáticas em Nova York e já fez a sua primeira peça off Broadway. Theo trabalha com videogames e Sasha é atriz e roteirista. Sasha e Theo ainda têm uma banda, chamada Brother/Sister.  
Istoé - Nenhum deles quis ser cineasta?
 

STEVEN SPIELBERG -
Ainda bem. Como eles cresceram nos sets de filmagem, observando de perto o que eu faço, ficaram com a impressão de que o trabalho do diretor é o mais chato do mundo (risos).
 
Istoé - Seus atores costumam dizer que o sr. parece uma criança no set. Como mantém esse entusiamo?
 

STEVEN SPIELBERG -
Amo o que faço, apesar dos detalhes triviais comuns à atividade. Para mim, todo dia é uma nova aventura. É como se fosse a primeira vez.
 
Istoé - Qual a sua primeira lembrança cinematográfica?
 

STEVEN SPIELBERG -
Quando era criança, meu pai me disse que me levaria a um “movie circus”. Confesso que nem ouvi a palavra filme. Fiquei ansioso por um circo. Ao entrar no local, achei estranha a disposição das cadeiras, esperava uma arquibancada. Achava que, abertas as cortinas, veria leões e elefantes. Quando a luz apagou, no entanto, não havia animal algum. Era apenas um filme sobre circo. No início, eu me senti enganado pelo meu pai e até chorei. Ele não entendeu nada (risos). Passados dez minutos, porém, eu me esqueci completamente de que aquilo não era um circo e comecei a acreditar nas imagens. Foi dessa forma que descobri o cinema.
 
Istoé - Poucos diretores em Hollywood assinam superproduções com um toque pessoal. Como conseguiu isso?
 

STEVEN SPIELBERG -
Todos os meus filmes são pessoais, mesmo os mais caros e também aqueles baseados em ficção científica. Muitas vezes o meu investimento pessoal na história é ofuscado pelo tamanho do filme ou pela grandiosidade do conceito ou ideia por trás dele. Na maioria das vezes, o público enxerga meus trabalhos como se fossem concebidos apenas para agradar às massas, um “filme-pipoca”.
 
Istoé - Isso incomoda?
STEVEN SPIELBERG -
Não. Eu sei o motivo por trás de cada um dos meus filmes. Todos são experiências pessoais, com as quais tenho uma conexão emocional muito forte. Ao longo dos anos, recusei centenas de filmes por não sentir qualquer ligação com os projetos.
 
Istoé - Quais filmes, por exemplo?
 

STEVEN SPIELBERG -
As sequências, principalmente, algo que não faço. A única que assinei foi “O Mundo Perdido: Jurassic Park”.
 
Istoé - A série “Indiana Jones” não se enquadra nesse caso? 
STEVEN SPIELBERG -
Não classifico a série “Indiana Jones” como sequência. É um personagem que eu adoro revisitar.
 
Istoé - Quando sairá o quinto filme?
 

STEVEN SPIELBERG -
Esta pergunta você deve fazer a meu melhor amigo, George Lucas. Enquanto ele não escrever o roteiro, não há nada garantido. Eu estou pronto, mas falta a história.
 
Istoé - Uma sequência de “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” foi rodada nas Cataratas do Iguaçu, sem a sua presença. Não tem vontade de conhecer o Brasil?
 

STEVEN SPIELBERG -
Sim. Não fui ao País na ocasião porque estava muito ocupado e realmente não havia necessidade. A equipe só precisou realizar as tomadas aéreas das quedas d’água a partir de um helicóptero seguindo o storyboard que eu já tinha criado. Como não usamos atores, não havia mesmo um motivo para estar lá.
 
Istoé - Qual a imagem que tem do País?
 

STEVEN SPIELBERG -
Quero muito conhecer o Brasil. Minha ex-mulher, Amy Irving, foi casada com o cineasta Bruno Barreto e, por isso, meu filho Max Samuel (de 27 anos, fruto da união de quatro anos com Amy) já passou longas temporadas no país, principalmente em Búzios e em São Paulo. Ele até aprendeu um pouco de português e só fala maravilhas do Brasil. Por enquanto, a minha experiência com o País só se dá por essa conexão com o meu filho. Vou mudar isso e, finalmente, conhecer o Brasil. 

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