sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Te Contei, não ? - A cara do Modernismo

Foi com absoluta sinceridade que Mário de Andrade justificou sua preferência: “O do Portinari é mais certo, porque é o que eu gosto.” Ele se referia ao retrato de si pintado por Cândido Portinari, diante de outro, feito por Lasar Segall. Tal referência consta de uma carta enviada à escritora Henriqueta Lisboa em 1941. Dessa análise, tão simples quanto improvável para um dos mais importantes críticos de arte do País, depreende-se um Mário de Andrade humano, inseguro, egocêntrico e, sobretudo, profundamente preocupado com sua imagem – uma angústia que explicaria, em parte, sua coleção de 40 telas que o retratam, produzidas pelos mais talentosos artistas – entre eles, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.
“Ele tinha uma tremenda consciência da importância de sua obra para a literatura e cultura brasileiras”, diz Pedro Meira Monteiro, professor de literatura latino-americana da Universidade de Princeton, nos EUA. “Se a isso se chamar vaidade, então vá lá, ele era vaidoso.” Essa maneira até espontânea demais com que Mário de Andrade imprimia suas opiniões é uma constante nas quase duas mil cartas que ele compartilhou com seus colegas modernistas – um mosaico homogêneo no qual ele revela sua vontade de desenvolver uma cena cultural genuinamente brasileira e, em especial, de se tornar a cara desse emergente movimento.
Para cumprir esse objetivo, Mário se empenhou com afinco em apadrinhar artistas por vezes inconstantes, como foi o caso da amiga Anita Malfatti, que acabou “retrocedendo” a uma espécie de classicismo e nunca cedeu às pressões do crítico. Em seus textos, ele batia o pé para que o grupo permanecesse fiel às bases assentadas na Semana de Arte Moderna de 1922.
“As cartas contam as mesmas ideias de brasilidade de maneira diferente para cada um dos destinatários”, diz Denise Mattar, curadora da exposição “Cartas do Modernismo”, que fica em cartaz no Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, entre os dias 14 de novembro e 6 de janeiro. “O tom da correspondência para Anita Malfatti é sempre carinhoso. O tom das cartas para a Tarsila, por outro lado, é totalmente apaixonado, muito poético e emocional”, diz Denise.
Para o professor Meira Monteiro, tal atitude era premeditada: “É o caso estranho, interessante, de alguém que escrevia para outra pessoa sabendo que escrevia para a posteridade.” Curioso pensar que, em respeito a sua vontade, sua correspondência só foi aberta e publicada 50 anos depois de sua morte, em 1995. Nesses documentos, que são de inestimável valor para o estudo das artes plásticas brasileiras e têm vindo à tona em forma de incontáveis recopilações, o escritor que chamava Portinari de “amico mio” e descrevia Segall como “russo complexo e bom judeu místico” prova que sua grande obra, seu autorretrato mais perfeito, não podia ser outra que o próprio conjunto da arte moderna brasileira.


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Revista Isto É

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