sábado, 8 de novembro de 2014

Entrevista - Leo Heller

SÃO PAULO - O acadêmico brasileiro Leo Heller vai assumir, em dezembro, o mandato de relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, cargo que foi ocupado nos últimos seis anos pela portuguesa Catarina de Albuquerque. A indicação de Heller foi confirmada quinta-feira, durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da entidade.


Em entrevista ao GLOBO, Heller afirma que a crise hídrica enfrentada por São Paulo é um problema de planejamento e não de falta de chuvas, como costuma sustentar o governo paulista. Segundo ele, a falta de acesso a água e saneamento não acontece só em países pobres ou em desenvolvimento. Para exemplificar, cita o caso de nações europeias em crise.

Recentemente, Heller foi um dos responsáveis por coordenar um grupo de acadêmicos responsáveis pela pesquisa Panorama do Saneamento Básico no Brasil, utilizada pelo Ministério das Cidades para fazer o Plano Nacional de Saneamento, cujo decreto foi publicado ano passado. O plano estabelece metas e diretrizes para serem seguidas por estados e municípios nos próximos 20 anos, somando investimentos de R$ 508 bilhões.

Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1977, Heller se especializou nas áreas de engenharia sanitária, saúde pública e recursos hídricos, concluindo o pós-doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, em 2005. Professor do curso de pós-graduação da UFMG, ele diz que está de mudança para a Fundação Oswaldo Cruz.

Como o senhor avalia a crise hídrica que São Paulo atravessa?

Um dos grandes problemas dos sistemas de água e esgoto no Brasil é a falta de planejamento. Esse é um mal que temos que enfrentar porque está em todas as áreas, e não só no saneamento. Não me parece plausível quando um gestor diz que está faltando água por causa de mudança no clima. Claro que há problemas de mudanças climáticas. Mas o planejamento precisa prever situações de seca emergenciais e como enfrentá-las. Esta seca que está afetando o Sudeste pegou muitos sistemas desprevenidos.

Faltou planejamento?

Se, de forma geral, os gestores fizessem o planejamento de forma adequada, poderiam evitar os problemas, em vez de buscar soluções depois que eles acontecem. Sabemos que agora os governos de São Paulo e Rio estão discutindo a transposição do Rio Paraíba do Sul. Com planejamento, se essa obra fosse realmente necessária, teria sido feita antes e não durante a crise.

Que outras lições os governantes deveriam tirar da crise?

Recentemente estive num fórum sobre água na Colômbia e um colega falou uma coisa muito interessante: nosso sistema de água é linear. Captamos água em um lugar, usamos e despejamos como esgoto tratado em outro. E se esse sistema fosse circular? Temos que pensar mais em como fazer a água retornar ao sistema, seja por meio de reúso ou captação da chuva.

O governo de São Paulo pretende usar esgoto tratado no abastecimento...

Sim, mas reúso de água não precisa necessariamente ser como o governo de São Paulo propôs, jogando o esgoto tratado no reservatório para voltar ao abastecimento humano. A água de reúso pode ser destinada a usos menos nobres, como regar jardins, por exemplo, ou então servir para dar descarga. Usamos água tratada para dar descarga. Acho que outra coisa importante é trabalhar o planejamento no nível legislativo, por meio de leis que ofereçam descontos para prédios novos que captem água da chuva.

Pretende fazer algum relatório sobre falta de água no Brasil?

Como relator da ONU, uma das minhas obrigações é fazer duas missões por ano e apresentar os relatórios nas reuniões do Conselho de Direitos Humanos. A atual relatora esteve no Brasil no fim do ano passado e já escreveu sobre o país.

Ela chegou a ser criticada pelo trabalho. Como o senhor vê isso?

A relatora fez um excelente trabalho em seus dois mandatos. O Brasil é um país de realidade muito complexa, mas ela fez uma trabalho muito cuidadoso. Uma crítica que ela recebe é que a amostragem não foi suficiente. Mas essa é uma crítica que sempre vai existir, até pelo tamanho do Brasil.

O que o senhor espera do trabalho à frente da relatoria?

Acho que há espaço para fazer muita coisa. Como relator da ONU, posso provocar governos a tomarem decisões que podem ajudar a resolver problemas muito grandes em relação a água e esgoto. Em geral, a população mais pobre é a mais afetada, mas a falta de acesso a água e aos serviços de saneamento não acontece só em áreas pobres. Há problemas em aglomerados urbanos. Recentemente, a própria Catarina preparou um texto sobre Detroit (onde 50 mil famílias tiveram o abastecimento de água cortado no fim de outubro, porque não tinham como pagar as contas).

Que lugares o senhor pretende visitar como relator da ONU?


Um perfil é procurar países extremamente pobres, onde não há acesso suficiente à água. Mas há sérias violações ocorrendo em países que passam por transição, como os do Leste Europeu. Outro caso interessante é o que está acontecendo em países europeus, como Portugal e Espanha, que, por causa da crise econômica, podem excluir populações.

Como foi o processo de candidatura para a vaga?

Inicialmente, abriu-se um processo para a candidatura. Houve 26 candidatos, de várias partes do mundo. Depois, um comitê de seis embaixadores analisou os currículos e fez entrevistas. Fui indicado em primeiro lugar após esse processo, e meu nome foi confirmado na reunião do conselho.



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