sábado, 8 de novembro de 2014

Te Contei, não ? - Um rio em situação de emergência

RIO — A preocupação com os efeitos da estiagem sobre o Rio Paraíba do Sul fez o governo do Rio pedir à Agência Nacional de Águas (ANA) a elaboração conjunta de um plano de contingência para o uso da água dos reservatórios existentes ao longo da principal fonte de abastecimento do estado. O secretário estadual do Ambiente, Carlos Francisco Portinho, enviou na última quarta-feira à ANA um ofício onde mostra a preocupação do poder público com o prolongamento da “estiagem severa” e suas consequências para o abastecimento da população, inclusive na Região Metropolitana do Rio. Como O GLOBO mostrou na sexta-feira, o nível do chamado volume útil (água que fica acima das turbinas das represas) dos quatro reservatórios do Paraíba do Sul — Paraibuna, Santa Branca e Jaguari, em São Paulo, e Funil, no Rio — chegou a 6% quinta-feira. E segue descendo. Na sexta-feira, dados agência reguladora mostravam que o nível estava em 5,9%. O índice contrasta com o registrado em primeiro de janeiro deste ano, quando a média dos reservatórios estava em 51,7%. A estiagem fez as estatísticas da água despencarem ladeira abaixo.


No documento, Portinho cita a média dos reservatórios no início do mês, quando ainda estava em 7%. E diz que o índice “pode ser considerado satisfatório no contexto da severidade da estiagem de 2014”. Mas ressalva que, se a estiagem persistir por mais algumas semanas, o governo considera que serão necessárias medidas emergenciais “para evitar o desabastecimento da população atendida pelos rios Paraíba do Sul e Guandu, inclusive da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”.

No ofício, o governo pede à ANA que analise, “como medida de cautela”, a viabilidade de colocar o reservatório de Paraibuna como reserva estratégica adicional de água “em caso de agravamento da situação da bacia do rio, em termos de quantidade e qualidade da água”. E pede informações à agência sobre a quantidade de água “abaixo do volume útil operacional do reservatório” e quanto dela poderia ser colocado à disposição. Essa água que fica abaixo das turbinas é chamada de reserva técnica ou volume morto. Em São Paulo, a estiagem já obrigou o governo a usar o volume morto do sistema Cantareira, um dos que abastecem a Região Metropolitana paulista.

NÍVEL DO PARAIBUNA ESTÁ EM 4,48%

Paraibuna é o maior dos reservatórios do Paraíba do Sul e fica localizado no Médio Paraíba, em São Paulo, mais próximo da cabeceira do rio. Dos quatro reservatórios, é o segundo em situação mais crítica. Ontem, seu volume útil estava em 4,48%, abaixo da média geral do sistema. Membros do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap), órgão que monitora a gestão dos reservatórios, temem que, caso a seca se prolongue, Paraibuna possa chegar ao volume morto em pouco tempo.

— O risco de, sem chuvas, chegarmos ao volume morto do Paraibuna é grande. Falta muito pouco. Quando se fala em volume morto, não é que a água é ruim, é que ela fica abaixo do mínimo para produção de energia elétrica e precisaria de bombeamento. Essas são reservas hídricas que só deveriam ser usadas em casos extremos — explica a vice-presidente do Ceivap, Vera Lúcia Teixeira.
Ainda segundo Vera Lúcia, o Paraibuna está mais sujeito à falta de chuvas porque fica na cabeceira do Paraíba, e tem poucos afluentes. Então ele depende basicamente de chuva para encher.
No ofício, o governo fluminense assinala que “na hipótese do agravamento da estiagem, considera essencial o estabelecimento de um plano de contingência para a segurança hídrica do estado”. E pede ajuda à agência para sua confecção, uma vez que é o órgão federal quem regula e fiscaliza o uso da água do Paraíba do Sul.
O governo estadual solicitou ainda à ANA que sejam intensificadas a fiscalização sobre os captadores de água ao longo do rio e “a revisão de outorgas em vigor”. As águas do Paraíba são usadas para geração de energia elétrica nas represas ao longo de seu leito, mas também são captadas por empresas, indústrias e companhias estaduais, municipais e privadas de abastecimento.
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Procurada pelo GLOBO, a Secretaria estadual do Ambiente afirmou, em nota, que o ofício enviado à ANA, “reflete o trabalho com a simulação do pior cenário que pode acontecer”. E prossegue dizendo que, neste cenário, “o Estado do Rio não conta com as chuvas da estação (que provavelmente virão)”. A nota diz ainda que a orientação é “trabalhar com um quadro adverso”. A secretaria ressalta ainda que, “embora não seja necessário no momento, caso a crise perdure mais do que o esperado, é importante de antemão saber exatamente qual a reserva técnica (volume morto) do Rio Paraibuna que pode ser disponibilizada”. A secretaria conclui dizendo que está agindo preventivamente e que pelos dados pedidos à ANA, acredita-se que a reserva do Paraibuna “seja suficiente para atender o Rio no próximo ano (em caso de necessidade)”.
Na sexta-feira, a Agência Nacional de Águas também oficiou o governo do Rio para que envie ao órgão o plano de contingência adotado na Bacia do Guandu, um rio estadual. É no Guandu que a Cedae faz a captação de água para tratamento e distribuição para a Região Metropolitana do Rio. O Guandu recebe atualmente 110 metros cúbicos de água por segundo do Paraíba do Sul, através da Barragem de Santa Cecília, em Barra do Piraí. E a Cedae retira do Guandu 45 metros cúbicos por segundo para tratamento e distribuição. Essa vazão do Paraíba para o Guandu já foi maior. Até abril, era de 120 metros cúbicos por segundo, mas, devido a resoluções da agência reguladora, foi reduzida ao longo do ano.
Outros captadores, como empresas e indústrias, entre elas a siderúrgica CSA, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, também têm autorização para retirar água do Guandu.
Em meio a um cenário pouco confortável, o Grupo de Trabalho de Acompanhamento da Operação Hidráulica na Bacia do Rio Paraíba do Sul (GTAOH), que reúne membros da ANA, do Operador Nacional do Sistema Elétrico, e do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, se encontram na próxima segunda-feira para discutir os rumos do Paraíba do Sul.
TRANSPOSIÇÃO QUESTIONADA
Na sexta-feira, a vice-presidente do Ceivap, Vera Lúcia Teixeira, reclamou da demora da ANA em liberar o resultado dos estudos técnicos que estão sendo feitos sobre o pedido do estado de São Paulo de fazer a transposição de parte da água do Paraíba do Sul para abastecer sua Região Metropolitana. O estado quer retirar cinco metros cúbicos por segundo do reservatório de Jaguari e levar a água por tubulações para a represa de Atibainha, uma das que compõem o sistema de abastecimento da capital paulista. Preocupados com os efeitos dessa transposição sobre o Paraíba do Sul, o Comitê do Baixo Paraíba, membro do Ceivap na região de Campos, entrou com uma representação no Ministério Público Federal para tentar barrar a aprovação da medida. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). No próximo dia 20, o relator do processo, ministro Luiz Fux, terá uma audiência com a agência reguladora, o ONS e representantes dos governos estaduais e comitês de monitoramento.
— Enquanto não soubermos os impactos reais da transposição, somos contra. Chamamos a ANA para expor os estudos. E eles não o fizeram até agora — reclamou Vera Lúcia.
O representante da Firjan no Ceivap, Jorge Peron, diz que para que se tenha alguma recuperação do nível dos reservatórios, é preciso chover ao menos a média histórica dos meses de novembro a março. Mesmo assim, ela não seria substancial:
— Em outubro de 2013, a média dos reservatórios estava em 48,2% e, em 31 de dezembro, em 51,7%. Mesmo com a chuva esperada, subiu apenas 3,5%. Depois disso, não tivemos chuvas significativas durante o verão e a queda foi extrema ao longo do ano. Tudo indica que em 2015 também teremos problemas para enfrentar o período seco, que vai de abril a outubro.
O presidente da Cedae, Wagner Victer, voltou a afirmar ontem que o Rio e a Região Metropolitana não correm risco de desabastecimento:

— O estado fez o dever de casa, fazendo modificações na sua captação de água em Guandu.

Para o professor Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, o risco de desabastecimento no Rio “é baixo porque há reservação de águas extras nos reservatórios". Ele ressalva contudo que isso não quer dizer “que se possa relaxar, porque o uso das reservas técnicas cobra um preço”, como a diminuição da produção de energia elétrica.

Enquanto de discute a eventual seca que ameaça o estado, ontem um vazamento de água numa tubulação da Cedae no Morro da Cachoeirinha, no Lins, era a diversão da garotada na sexta-feira de calor.



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