COMPAIXÃO E PEDRA
"Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida;
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
Iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina;
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida)."
O texto acima integra a obra mais conhecida do poeta João Cabral de Melo Neto ( 1920-1999 ), o grande nome da poesia modernista da Geraçao de 45.
Morte e Vida Severina é um auto, no caso, um auto de Ntal, peça de origem medieval e popular. REvela, em sua estrutura, duas características centrais da obra do autor: o rigor formal e o engajamento social. O rigor se estabelece com a métrica, a rima e o ritmo marcados do poema. Cabral será reconhecido, também, pelo signo da pedra, da objetividade, da busca da palavra justa, do texto conciso, avesso a sentimentalismo.
O sentimento de injustiça do mundo, como em Carlos Drummond de Andrade, manifesta-se no poeta pernambucano na denúncia da vida sofrida do sertanejo pobre. O poema acompanha a saga de Severino, personagem - símbolo e síntese de toda uma produção marginalizada e famélica, no caminho até a cidade.
Severino encontrará cenas de miséria pelo caminho, mas terminará sua trajetória diante de um nascimento. Como uma ponta de esperança na justiça da vida, soberana.
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