Obra do compositor é resgatada em livro de músicas inéditas e na remontagem da opereta 'Flôr tapuya'
Publicada em O Globo, em 16/09/2011 às 00h23m
Luiz Fernando Vianna (luiz.vianna@oglobo.com.br)
RIO - Em 1920, Pixinguinha recebeu a missão de fazer com urgência melodias para a opereta "Flôr tapuya" (grafia original). Foi, muito provavelmente, sua primeira encomenda. Ele já criara preciosidades como "Rosa" e "Sofres porque queres", mas era um jovem de 23 anos, editava composições havia apenas seis e ainda nem realizara trabalhos como orquestrador, função em que começaria a fazer história pouco tempo depois.
Era, portanto, um Pixinguinha em preparação para se tornar um artista fundamental o de "Flôr tapuya", peça que volta à cena às 20h desta sexta-feira, no Teatro Carlos Gomes, após a saga de recuperação das partituras, antes dadas como perdidas. Em outro passo para preencher lacunas da história de um músico tão profícuo, o Instituto Moreira Salles (IMS) lançará até o fim do ano "Pixinguinha inédito e redescoberto" (título provisório), livro com partituras de composições não gravadas e outras dez lançadas de forma obscura.
- Temos o sonho de estabelecer o catálogo de obras de Pixinguinha. Mas talvez tenhamos que deixar algo para as futuras gerações, pois é muita coisa - diz Bia Paes Leme, coordenadora de música do IMS, instituição que cuida desde 2000 do Acervo Pixinguinha.
- Gostaria de poder um dia dizer que ele fez x músicas, x arranjos, mas não sei se será possível, porque meu avô nunca se preocupou em organizar as coisas. O que trouxemos para o IMS foi o que meu pai conseguiu reunir - conta o ator e cantor Marcelo Vianna, neto de Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973) e filho de Alfredo da Rocha Vianna Neto (1934-2003).
Marcelo tinha esperança de encontrar no material pelo menos alguma das sete operetas que Pixinguinha fez na década de 1920, mas isso não aconteceu. Coube ao flautista José Maria Braga, do conjunto Galo Preto, achar as partituras de "Flôr tapuya".
A história começa em 1975, quando, numa reforma do Teatro João Caetano (antigo São Pedro, onde a opereta esteve em cartaz), um monte de papéis destinados ao lixo foi enviado à Escola de Música Villa-Lobos para ver se havia algo de valor. Ficou tudo numa espécie de arquivo morto até 2002, quando Braga, tendo assumido a direção da escola e ouvido que existiam ali coisas de Pixinguinha, pediu que as encontrassem.
Lá estavam, enroladas por um barbante, as partituras dos dois primeiros movimentos de "Flôr tapuya" - o terceiro foi recuperado por Braga num "trabalho de arqueólogo", a partir das anotações feitas para os músicos do espetáculo. Pesquisando em jornais, ele reconstruiu a trajetória de sucesso da opereta, que também está resumida na biografia "Pixinguinha - Vida e obra", de Sérgio Cabral.
"Flôr tapuya" estreou em 16 de junho de 1920 com libreto de Alberto Deodato e Danton Vampré e músicas do português Luís Quesada. De acordo com anúncio públicado à epóca pelo empresário Paschoal Segreto, 94 mil pessoas viram o espetáculo em um mês e meio. Possivelmente em função de um desentendimento com Segrego, Quesada largou a produção, levando as partituras. Os artistas passaram a enfrentar dificuldades financeiras, e, por sugestão do amigo Donga, Pixinguinha foi incumbido de criar novas melodias. Graças ao seu trabalho, o sucesso voltou, e a peça foi levada a outras capitais.
- Um dos destaques eram os Oito Batutas (conjunto formado por Pixinguinha, Donga e outros, que faria uma célebre temporada em Paris em 1922). Segundo os jornais, eles eram ovacionados pela plateia - diz Braga, que só não conseguiu recuperar uma das 19 composições originais. - Mas achei uma página dela em que estava escrito "não vai". Se não ia mesmo, continuou fora.
"Flôr tapuya" é uma opereta sertaneja, com 20 tipos interioranos vividos por seis atores, entre eles Marcelo Vianna. A trama se assemelha à de "Romeu e Julieta": Lúcio e Rosa lutam para fazer valer seu amor em meio às brigas de seus pais, os coronéis Menezes e Nitão. Mas tudo é tratado com humor e embalado por ritmos diversos, como cateretê, maxixe, polca e tango. Marcelo, Braga e o diretor da remontagem, Antonio Karnewale, que criaram a companhia Maviosa, sonham montar outras das operetas de Pixinguinha.
Criações que não eram escritas
Há a possibilidade de, em 2012, "Flôr tapuya" ser lançada em livro pelo IMS. No ano passado, saiu "Pixinguinha na pauta - 36 arranjos para o programa 'O pessoal da velha guarda'". Já a publicação de 2011 é resultado de uma longa pesquisa, que constatou não haver gravações de dez músicas registradas em partitura. Para "Pixinguinha inédito e redescoberto", elas serão acrescidas de dez praticamente desconhecidas.
- No choro em geral, e Pixinguinha não foge à regra, os compositores não costumam escrever as músicas. Quem faz isso são os instrumentistas, para poder tocá-las. Então, não é fácil localizar todas as obras. Podem haver mais inéditas - diz Bia Paes Leme, que estima em torno de 400 o número de composições de Pixinguinha, sendo incontáveis os arranjos, pois ele atuou muitos anos em rádios e gravadoras.
Segundo Bia, não é possível precisar as datas das inéditas. Ela conta que, no material, há choro, valsa, polca, tango brasileiro e "um lindo one step". O livro terá texto do músico Pedro Aragão, que participou da pesquisa.
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