terça-feira, 18 de agosto de 2015

Artigo de Opinião - Conciliação ou Ruptura - Arnaldo Bloch

A atual conjuntura, que tem a ma-fé do endemoninhado Eduardo Cunha no centro do forno da nação, sugere, pede, implora, por moderação

Conciliação e ruptura são duas palavras que marcam a história de qualquer país, e especialmente a do Brasil desde a redemocratização. Na iminência da primeira eleição de Lula, o medo da ruptura (de contratos, de direitos adquiridos, de ordem institucional, de sistema de governo, de laços com o empresariado ou da estabilidade conquistada nos mandatos de FH, com uma possível volta da inflação desenfreada) assombrou a classe dominante, e Regina Duarte foi a porta-voz destes temores.

Temores aplacados com a famosa “Carta ao povo brasileiro”, que Lula, em linhas gerais, cumpriu, e foi além: com uma popularidade que resvalava nos 90%, podia ter taxado fortunas, por exemplo, entre outras medidas que boa parte do capital estava até admitindo de razoável grado, desde que as regras do jogo básico não fossem feridas.

Pois bem. Do ponto de vista econômico, Lula governou em três faces: a face do continuísmo, mantendo a estabilidade e os alicerces do Real e da política monetária (depois, meio que puxando para o seu lado a sardinha da invenção da nova moeda); a face conciliadora, através da qual mostrou que não apenas não romperia as regras, mas realizaria os sonhos dos bancos e trataria a elite com as melhores benesses, irritando correligionários; e a face distributivista, através do programa Bolsa-Família, que diminuiu a pobreza e trouxe para a faixa do consumo aquela que ficou conhecida como Nova Classe C (depois, foi reivindicada pelo PSDB, cujo programa-protótipo, com outro nome, contudo, não tinha a amplitude que o tornou efetivo sob nova batuta). Por outro lado, Lula promoveu um grave retrocesso político através de outro tipo de conciliação: o PT, partido que nasce sob a égide da ruptura, trocaria a ruptura pela instalação de uma república sindical. Se não é possível mudar o regime, que sejamos pagos por nossas lutas para levar a classe trabalhadora ao paraíso. Se o paraíso não pode de fato ser concedido à classe trabalhadora, que nos seja concedido, e depois veremos o que se pode fazer.

Isso não bastou: nas mãos de uma troika de ideólogos, o aparelhamento do Estado foi usado para aparelhar também o Congresso, através da compra da base aliada e de um outro sistema distributivo que emporcalhou o grande orgulho nacional que representava a Petrobras — que já era a emporcalhadora de nossos mares mas, até então, aparentemente ilibada do ponto de vista de seus usos e costumes, e um colosso do ponto de vista econômico e financeiro.

Dilma, que sucedeu Lula, herdou parte desses malfeitos. Isso, contudo, não exclui o fato de que os anos FH-Lula tiveram algo em comum: neles, o país esteve sob condução de governantes. Cada um, à sua maneira, contribuiu para um ciclo socioeconômico positivo, teve seus percalços, enfrentou crises, fez bobagens, mas atravessou seu período tendo o país sob as rédeas. O quanto foram bons ou ruins os dois governos (penso que ambos foram, essencialmente, bons) fica ao critério de cada um, mais ou menos parcial, de acordo com seu juízo, sua convicção política, sua consciência, seus gostos, seus preconceitos. O que é claro é que Dilma, diferentemente de seus antecessores, é má governante. É inepta. É forte de caráter, forte de biografia, forte de coragem, mas fraca de recursos mentais, de ouvido, de jogo de cintura, de discurso. Por que Lula a escolheu? Dizem que para evitar que um nome petista forte arriscasse seu legado com um grande governo, ameaçando seu retorno adiante. É a tese do poste. Seja como for, deu errado.

A questão que se propõe agora nos remete, de novo, ao binômio “conciliação ou ruptura”. É caso de se empurrar a presidente janela afora? Se pensarmos no impeachment de Collor, que teve, é claro, beneficiários políticos, será impossível esquecer que, por outro lado, ali o imperativo era moral acima de tudo: o país se vestiu e se pintou de preto quando o presidente convocou uma festa verde-amarela. A desfaçatez individual do caçador de marajás (ou de maracujás, como alertara Lula) estava na cara, comprovada. Impeachment era o que mais cabia ali.

Não é o caso de Dilma. Não ainda. E a atual conjuntura político-parlamentar — que tem a ma-fé do endemoninhado Eduardo Cunha no centro do forno da nação — sugere, pede, clama, implora, por moderação, não só por parte da classe política, mas de todos os que, neste momento, opinam e têm o poder, assim, de lançar fagulhas no perigoso caldeirão da ruptura. Aparentemente, vêm os primeiros sinais de fumaça, sejam eles da parte dos honestos, dos investigados, dos fisiologistas, da oposição, de que o caminho deve passar pela conciliação, e que o Brasil deve se unir e apontar para um tipo de evolução que olha para a História e se recorda de que a herança maldita data de 515 anos. Não uma década.





Nenhum comentário:

Postar um comentário