quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Te Contei, não ? - Huni Kuin - Cultura e Tradição em jogo

RIO — Elemento central da mitologia dos Huni Kuin — que constituem a maior população indígena do Acre, com sete mil habitantes —, a jiboia branca, que habita um grande lago, simboliza os encantos e os mistérios da floresta, capaz também de gerar a vida e abrir as portas para a “miração”, em rituais de conhecimento e elevação espiritual. Mais de um século depois dos primeiros contatos do grupo com o “homem branco”, que trouxe violência e devastação quase sufocantes, ela se enrosca com a tecnologia para manter viva a cultura do “povo verdadeiro”, ou Kaxinawá, através de um inusitado formato: o videogame.


O réptil de poderes mágicos é o condutor de “Huni Kuin — Os caminhos da jiboia”, que vai ser lançado até o fim do ano, gratuitamente, em formato online. Elaborado por uma equipe multidisciplinar, que incluiu integrantes da própria tribo, o jogo terá suas primeiras fases exibidas em São Paulo, a partir de 27 de agosto, na Mostra Rumos, do Itaú Cultural, que o financiou.

— Tivemos, nessa edição, cerca de 15 mil projetos inscritos, para chegarmos aos 102 contemplados. E “Os caminhos da jiboia” foi, possivelmente, aquele que mais chamou a atenção da comissão julgadora — diz Marcos Cuzziol, gerente do Itaú Cultural. — Ele tem uma proposta incomum, na linguagem e na parte visual.

Idealizado pelo antropólogo da USP Guilherme Meneses, “Os caminhos da jiboia” nasceu a partir de suas pesquisas sobre a tribo — que habita as margens do Rio Jordão e também é encontrada, em menor número, no Peru —, aliadas à sua experiência no universo dos videogames (tema de sua dissertação de mestrado).

— Tenho noções básicas de programação e imaginei que poderia, de alguma forma, conjugar isso com a admiração que passei a ter pela cultura dos Huni Kuin — conta o pesquisador. — Mesmo com todas as dificuldades que cercam as populações indígenas, os Huni Kuin têm suas terras demarcadas e possuem uma estrutura razoável de vida, em comparação com outras tribos. E seguindo um sonho antigo do pajé Manduca que morreu em 2011, têm se mostrado cada vez mais abertos, querendo que sua história seja passada adiante.

‘PONTOS DE CULTURA’ NA ALDEIA

Essa abertura já resultou em projetos ligados à pintura (desenhistas da tribo mostraram seus trabalhos na Fundação Cartier, em Paris, em 2012) e à literatura (a Editora Dantes lançou, em 2014, “Livro da cura Huni Kuin do Rio Jordão”, com fotografias de Ernesto Neto).

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— A ideia de um jogo pareceu uma forma inovadora de preservar essa cultura. E desde a minha primeira visita ao local, em 2012, ela foi bem recebida pela tribo, principalmente pela ala mais jovem — garante Meneses. — Mesmo assim, começamos o projeto na raça. O apoio do Itaú Cultural só chegou no ano passado.

Com mais recursos, a equipe liderada por Meneses desenvolveu o roteiro do game, em formato plataforma, que conta a história de duas crianças que devem vencer uma série de obstáculos até conseguir se tornar verdadeiros representantes dos Huni Kui. Para criar as imagens, registrar os sons ambientes e gravar músicas, foram criadas duas oficinas na aldeia, atendidas por veteranos e novatos. O financiamento de “Os caminhos da jiboia” — que guarda semelhanças com a produção americana “Never alone”, de 2014, com histórias de nativos do Alasca — permitiu também que fossem feitas melhorias na aldeia, criando o que Meneses chama de “pequenos pontos de cultura”.

— Optamos por um roteiro cosmológico, dividido em cinco histórias, que abrangem parte da mitologia dos Huni Kuin. Depois, levamos alguns membros para São Paulo para nos ajudar na tradução, já que o jogo vai ser lançado em português, inglês e no idioma da tribo. Queremos não apenas que as pessoas de fora possam conhecer a cultura da tribo, como também que seus integrantes mais novos possam se relacionar com ela através de um formato atual, como o videogame.

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