quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Te Contei, não ? - Memória estendida - O Rio de amanhã

RIO —
No dia 1º de novembro de 1921, o fotógrafo Augusto Malta estava na Igreja de São Sebastião para fotografar a última missa celebrada ali antes do desmonte do Morro do Castelo, em cujo cume ela fora erguida em 1583. Em 1965, o arquiteto Sergio Bernardes desenhou uma ponte de cinco quilômetros de extensão ligando o Rio a Niterói, imaginando, nas pilastras de sustentação, hotéis com 400 apartamentos cada, “como transatlânticos ancorados numa das mais belas paisagens do mundo”. Entre o templo da era colonial destruído e o projeto pensado para o “Século da Eletrônica”, jamais construído, o Rio de Janeiro passou por várias transformações. No ano em que a cidade completa 450 anos — e em que diversas mostras celebram a data — a Biblioteca Nacional inaugura, na próxima quinta-feira, dia 6, a sua: “Rio de Janeiro 450 anos — Uma história do futuro”. É um grande painel do Rio que não existe mais — e do Rio que poderia ter sido.


— A ideia era fazer da apresentação do acervo uma espécie de plataforma para pensar o futuro: que cidade teríamos, que cidade podemos ter e, mais do que isso: que cidade deixamos de ter ao longo dos anos? — observa Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional. — O Rio de Janeiro é uma cidade de muita dizimação, de dissipação. É como se quiséssemos que o espectador, ao olhar para uma tela, uma gravura, uma fotografia de uma cidade que não existe mais, reflita sobre que cidade poderíamos ter tido.

Curador da mostra, o escritor Marco Lucchesi contou com a ajuda de todos os departamentos da BN — iconografia, cartografia, manuscritos, música e obras raras — para chegar às cerca de 240 peças que a compõem.

— Procurei pensar a cidade ela mesma como uma grande personagem — diz Lucchesi. — Por isso não vamos encontrar muitos rostos nas peças selecionadas. São poucos, quase sempre anônimos, porque a ideia era ter a cidade em seu movimento, como os filmes de Griffith (o cineasta americano D.W. Griffith, diretor de “O nascimento de uma nação”). Essa foi uma perspectiva. A outra: pensar quem é o dono da cidade? É uma cidade sempre incomunicável, ou existem frestas?

Com essa perspectiva, a exposição ganha um caráter bem diversificado. Dividida em “capítulos” — de “A paisagem absoluta” a “Sinais da pós-metrópole”, ela oferece ao visitante mapas do século XVI, como “Quatre parties du monde” (1575) de André Thevet, e desenhos e gravuras que mostram o Rio do século XVII ao XIX. No capítulo “Cidade tentacular”, fotografias registram a ampliação do perímetro urbano, à medida em que linhas de bonde iam sendo implantadas. Em “Redesenho radical”, há o desmonte do Morro do Castelo, a construção da Avenida Presidente Vargas; “Cidade crítica” mostra jornais e revistas como “O Malho” e “Careta” — esta última traz na capa de 30 de julho de 1927 uma crítica à demagogia das autoridades, com uma charge do presidente Washington Luis em visita ao Morro da Favela, a primeira da cidade. Há ainda documentos curiosos, como o jornal “A Justiça”, publicado pelos presos políticos da Casa de Correção, em 1893-94, ou “Memoria sobre o enxugo geral desta cidade do Rio de Janeiro” (1811), um dos primeiros planos para tentar sanar o problema de inundações na cidade.

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DE BANGU I E DO CIEP

Entre 90% e 95% das 240 peças vêm do acervo da biblioteca. O restante, o curador buscou em três fontes distintas: internos da Escola Angenor de Oliveira Cartola, na unidade prisional de Bangu I, produziram desenhos em que exprimem a sua leitura da cidade. Crianças do Ciep Presidente João Goulart, no Cantagalo, fizeram o mesmo. E fotógrafos contemporâneos, todos do GLOBO, cederam registros recentes, da derrubada da perimetral, das manifestações de 2013, da noite na Lapa.

Uma seção é dedicada à própria biblioteca — “ela é nacional, mas muito marcada pelo invólucro carioca”, diz Lessa — e outra, ainda, à cidade imaginária. Nesta, há projetos como o do pintor francês Jacques Guiaud, em 1870, de uma coluna triunfal, a ser erigida no largo do Paço (hoje Praça XV), para celebrar a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai, e do inglês H. Lindsay-Bucknall (1877) de um túnel submarino entre Rio e Niterói.

— O Rio é uma cidade muito amada e, sob todos os aspectos, fascinante. Nós, cariocas, temos uma mística do que é ser carioca, uma ponta de orgulho, mas também de melancolia por essa relação que encontramos desenvolvida em outros países mas incipiente no Brasil, que é a da preservação da paisagem — diz Lucchesi.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/biblioteca-nacional-inaugura-na-proxima-quinta-mostra-rio-de-janeiro-450-anosuma-historia-do-futuro-17053736#ixzz3ieeYMbWV

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