domingo, 16 de agosto de 2015

Artigo de Opinião - Não somos vira - latas - Márcia Vieira

Tom Jobim, um sábio, chamou nossa atenção ainda nos anos 1980, ao ser criticado por ter vendido os direitos de “Águas de março” para uma gigante de refrigerantes. Sofremos do complexo de vira-latas. Somos sempre os piores. Falta de educação no metrô? Coisa de brasileiro mal-educado. Fechar o cruzamento? Só aqui, neste trânsito ensandecido do Rio. Há poucos dias, uma jovem atriz reforçou o complexo depois de, parada na alfândega do Rio, ser obrigada, como manda a lei, a pagar imposto por um computador comprado lá fora. “País de m…”, carregou ela na ofensa numa rede social. A globalização parece ter acirrado esse sentimento crônico de inferioridade. Mas, calma lá, a coisa não é bem assim.


É verdade que nas cidades europeias, Paris e Londres, por exemplo, apenas para citar as duas vedetes do continente, a vida do cidadão está mais fácil do que a nossa. A começar pela fantástica malha de metrô com suas centenas de estações espalhadas por todos os cantos da cidade. É de fato humilhante para o carioca comparar um sistema de transporte eficiente com essa tripa metroviária que agora está chegando à Barra. Fica ainda mais ridículo ver o afinco com que construímos entradas espalhafatosas de estações, como a General Osório, enquanto que as londrinas e parisienses são discretíssimas. Provavelmente porque, em se tratando de transporte público, o que importa mesmo é a eficiência do sistema e não a belezura da fachada.

Mas nem assim tudo lá corre às mil maravilhas. Londres, onde até o prefeito usa o metrô para ir trabalhar, passou, em julho, por um calor nunca visto em terras da rainha. Os termômetros bateram os 30 graus o que, para eles, é um calorão. O metrô de lá, ao contrário do nosso, não tem ar-condicionado. O que sopra nos vagões superlotados é o bafo quente de modestíssimos ventiladores aqui e ali. Tiveram que dar um jeitinho: em algumas estações, a prefeitura distribuiu leques. O mesmo acontece no metrô de Paris. Nada de ar. O calor é insuportável e os cheiros afloram. Por lá, já tem desodorante à venda que garante 72 horas de proteção.

Outro mito que cai: em terras europeias, assim como aqui, existe aquela prática irritante de ficar todo mundo na porta do vagão, mesmo que muito espremido, enquanto o centro do trem fica vazio. E nem os avisos pedindo para abrir espaço nas portas surtem efeito. Sabe aquela famosa pontualidade britânica? Anda abalada. Trens atrasam por lá. Verdade que é coisa rara. Quando acontece, o funcionário da estação fica constrangidíssimo tentando explicar.

Mais uma ilusão de quem acha que aqui é um horror e lá é uma maravilha: os parisienses jogam tanta guimba de cigarro no chão da rua que a cidade só ficou mais limpa depois que aumentou de 35 para 68 euros (coisa de 240 reais) a multa para quem emporcalhar a Cidade Luz com os restos do seu vício.

Não se trata aqui de falar mal do Primeiro Mundo. Muito pelo contrário. Eles dão um show de civilidade. Mas deveríamos aprender com a experiência deles sem nos menosprezar. Um exemplo básico. Ciclistas londrinos e parisienses até podem se “enganar” e de vez em quando subirem com suas bikes nas calçadas, coisa que é terminantemente proibida. Mas os raros que tentam ocupar o lugar do pedestre são imediatamente rechaçados de volta à rua, onde, aliás, são respeitados por motoristas. Os próprios cidadãos reclamam. Individualmente. Não precisa ser nada orquestrado ou convocado por redes sociais. É uma reação natural. A calçada é do pedestre e pronto.

Exigir que seus direitos sejam cumpridos está no DNA deles. E brigam por isso. Algo parecido com o que os usuários da barca Rio-Niterói fizeram na quinta-feira, quando o secretário Carlos Roberto Osorio foi testar um dos piores e mais caros serviços de transporte do estado, oferecido pelo governo e pela CCR. Diante dos problemas cotidianos enfrentados, os passageiros não aguentaram e vaiaram o bem-intencionado secretário.

Nosso complexo vira-lata terá, daqui a um ano, uma grande chance de acabar ou se instalar definitivamente na alma carioca. Estaremos no centro das atenções com os Jogos Olímpicos. Mas há um temor no ar trazido pelas notícias desta semana de que a Baía de Guanabara, sugadora de milhões de dólares, continuará uma pocilga por pelo menos mais 20 anos. Será que vamos passar o vexame de ter um velejador olímpico doente por causa da sujeira da água? Aliás, de 20 em 20 anos, os cariocas são notificados pelo poder público que a Baía de Guanabara só será despoluída daqui a 20 anos. Parece brincadeira e lembra aqueles cartazes de botequim que têm a função de avisar aos seus clientes que fiado, só amanhã. O amanhã, como o “daqui a 20 anos”, nunca chega.

Otimismo não faz mal a ninguém. Uma mazela que parecia sem solução dá sinais de que pode acabar. Pegar um táxi no Tom Jobim já não é aquele inferno. Antes, o passageiro era extorquido pegando os especiais ou caía na máfia dos amarelinhos. Agora, uma cooperativa organiza a fila, paga-se pelo taxímetro e o motorista é gentil. Há esperança.





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