sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Crônicas do Dia - Intelectuais gostam de sofrimento ? - Walcyr Carrasco

Eu estava no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Observei uma escultura de um gato colorido. Está lá faz um bom tempo, na verdade. Apenas não tinha refletido a respeito. A escultura é de Romero Britto Jr. Suas obras são assim: divertidas, coloridas. O artista brasileiro faz sucesso no exterior. Em Miami há uma loja com objetos de sua grife, como canecas. Li que até Madonna comprou um quadro seu.No entanto, aqui no país, a crítica não o vê como um artista importante. Dizem que é “decorativo”. Aí é que não entendo. Por que “decorativo” é ruim? Menor? Um grande artista da modernidade, o inglês Damien Hirst, entre outras obras polêmicas, tem uma vaca no formol. Hirst é um dos mais valorizados atualmente. Tudo bem. A grande arte explora conceitos que transcendem a imagem propriamente dita. A obra de Damien Hirst é impregnada pela ideia de morte, num sentido que supera até uma discussão filosófica. Cá entre nós. Eu gostaria de conviver com uma vaca no formol na sala? Você gostaria?


Grandes artistas como Chagall criaram obras admiráveis para conviver, sem perderem a qualidade estética. Beatriz Milhazes, uma das mais prestigiadas artistas brasileiras da atualidade, tem obra até no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Mas seu trabalho também tem um lance decorativo. Já ouvi uma designer comentar:

– Eu acho que a obra dela não resiste ao tempo.

Só porque é bonita, agradável de ver?

E por que não Romero Britto Jr., com seus quadros coloridos?

Quando começou a onda de musicais no Brasil, cada um que estreava levava cassetadas da crítica. Como se fosse um pecado o público comparecer, se divertir e sair simplesmente relaxado. Enfim, como se o entretenimento em si fosse algo a ser banido. E todo mundo tivesse de ser inteligente o tempo todo. Eu escrevi muitas comédias (não só). Cada vez que uma estreava, vinha uma crítica demolidora. O elenco e eu comemorávamos. Todo mundo sabe: comédia aplaudida pela crítica é chata. E o público boceja. Uma atriz excelente em musicais certa vez comentou:

– Fui indicada para prêmio. É novidade em musical, a crítica não prestigia.

Eu, pessoalmente, respeito gente que gosta de botar quadro de paisagem na parede, pintado por algum anônimo. E que vai a comédia e musical. É com o dinheiro deles que artistas se sustentam. E não, como é comum em tantas peças “cabeça”, com o dinheiro público. Mas tudo bem, eu gosto de peças inteligentes. Assisti ao teatro Oficina desde a primeira montagem de O rei da vela, quando era menor de idade e entrava fingindo ser adulto. Parei quando vi Cacilda, uma das mais belas obras teatrais de minha vida. Respeito. Só que uma proposta não exclui a outra.

Quem aponta o dedo, assumindo o posto de mentor do gosto, é o intelectual. Tratam o entretenimento como pecado. Eu até nem sei como a obra de Romero Britto foi parar no aeroporto, sem que alguém tenha sido apedrejado pela escolha.

Pessoalmente, nem tudo para mim é sério. Aliás, pouquíssima coisa é séria na minha vida. Gosto de me divertir. Se tenho vontade de ler um best-seller, que me traga apenas uma boa história, tudo bem. Por que seria obrigado a só ler coisas inteligentes se preciso relaxar, depois de horas no computador escrevendo? Adoro comédias. Tenho escrito poucas, mas traduzi e adaptei uma argentina, Loucas por eles, em cartaz em São Paulo. Simplesmente porque, ao ler o texto, eu ri. Tenho obras de arte legais. Eu comprei OSGEMEOS na primeira exposição que fizeram, só porque achei incrível. Nunca imaginei que se valorizariam tanto e que a crítica internacional se curvaria a eles. Mas na minha casa também tenho dependurados quadros sem valor monetário algum, que comprei ao longo das minhas viagens. Em Israel, por exemplo, adquiri várias árvores da vida. Enquanto escrevo, vejo uma delas emoldurada a minha frente. Gosto de olhar, só isso. Comprei duas obras do pintor Eduardo Baruch, ainda não muito conhecido. Mas são alegres, colorem a casa.

Há um bom tempo, o falecido Joãosinho Trinta comentou que “quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo”. Antes a vida dos intelectuais era mais fácil. Bastava assumir uma posição de esquerda e tudo bem. Hoje, ser de esquerda não é suficiente nem necessário para o intelectual sério. Importante mesmo é ter mau humor. Ser contra poemas românticos, por exemplo. Eu trabalho com entretenimento. Fico pensando: por que intelectual é contra tudo o que diverte a gente?

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