Flávio Fernandes
Há uma minoria no país que é altamente discriminada e que sequer é reconhecida e organizada como uma minoria. Estou falando dos obesos mórbidos.
Considerada atualmente uma doença pela medicina, é fácil identificar a obesidade mórbida. Basta dividir o peso da pessoa por sua altura elevada ao quadrado. Se o número encontrado estiver acima de 39, a obesidade mórbida existe – e com ela os possíveis problemas de saúde relacionados. Mas há um mal ainda pior e pouco falado quando o assunto é obesidade: o preconceito.
O obeso sente que a sociedade, quando não o ignora, o agride. A começar pelo rótulo: quem conviveria bem com a alcunha de “mórbido”? Não há proteção legal ou qualquer mecanismo de defesa aos vexames pelos quais o obeso passa nas ruas diariamente. Você já imaginou o que é ir ao cinema ou viajar de avião e não encontrar uma simples cadeira adequada ao seu tamanho? Ou perceber as risadas das pessoas quando você não consegue passar pela roleta de um ônibus? Enquanto o preconceito racial não é muitas vezes explícito, a maioria das pessoas não se intimida em rir diante de um obeso. É como se ele fosse assim apenas porque é preguiçoso, relapso e comilão. Logo, merece ser motivo de todo tipo de piada.
É claro que a ciência não vê assim a obesidade e encara o problema como uma doença. Os médicos sabem que, por mais que lutem por meio de dietas ou temporadas em spas, nem sempre essas pessoas conseguem emagrecer. Há casos de obesos que comem até menos que pessoas “exemplares” em sua dieta. Mesmo assim, a sociedade simplesmente ignora as evidências e faz os seus julgamentos movida pela ignorância.
Esse é o caso de uma das maiores consultorias de recrutamento e seleção de altos executivos em São Paulo. Em uma entrevista no rádio, que ouvi há algumas semanas, o representante dessa empresa confessou que 90% dos seus clientes não querem obesos contratados. “Afinal, quem não cuida de si mesmo não cuidará a contento dos negócios da empresa.”
Como é possível alguém dizer isso no rádio em um país que se diz democrático e contrário a todos os preconceitos? Como julgar a capacidade, a inteligência e a força de vontade de um ser humano apenas por sua aparência física? Ou simplesmente por não se enquadrar fora dos padrões aceitos pela maioria das pessoas? Será que essa empresa de recrutamento e as outras que trabalham com a mesma visão tacanha estão, de fato, prestando bons serviços aos seus clientes? Será que excelentes profissionais não são preteridos em relação a outros “visualmente mais corretos” e as empresas não acabam perdendo por seu preconceito?
É como se o obeso tivesse apenas duas opções: emagrecer ou se matar. Pelo menos é dessa forma que a mídia trata o problema. Em uma reportagem sobre a cirurgia bariátrica (diminuição do estômago), a apresentadora do programa Fantástico, da Rede Globo, levanta o tema com a seguinte frase: “O que fazer quando todas as dietas falharam?” Parte-se do pressuposto de que ninguém pode ser feliz obeso. E quem não consegue ou não quer ter um corpinho dentro do “padrão global” de aparência? Tem que passar o resto da vida atormentado – por si mesmo e pelos outros – por causa da sua forma física?
Essa perseguição faz com que os obesos se sintam culpados. Alguns terminam adotando para si o mesmo preconceito que sofrem de outras pessoas. Resultado: em vez de se unir em busca dos seus direitos, tratam de seus problemas como uma vergonha – como já aconteceu com outras minorias como os gays e os negros, por exemplo.
Mesmo que essa causa não tenha a mesma simpatia da luta de outras minorias, os obesos precisam buscar o respeito que merecem. Muito além da reivindicação de espaço físico adequado para o nosso corpo, é hora de conquistarmos um espaço de verdade na sociedade para que a nossa voz seja levada em consideração em qualquer debate público. Não estou aqui fazendo uma apologia da gordura e dos problemas de saúde que podem estar correlacionados a ela. Mas acho que somente unidos os obesos poderão garantir para si o direito elementar de serem felizes: amarem e serem amados, terem sucesso profissional, irem ao cinema ou simplesmente poderem caminhar tranqüilamente pela rua sem receber olhares de julgamento de outras pessoas.
Consultor financeiro e administrativo
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