Juiz dá aula de ética em sentença sobre morte de filho de Cissa Guimarães. Lição serve a todos que encobrem ilícitos da cria
Os atalhos para a impunidade, expressão que define o amplo direito de defesa disponível para quem tem dinheiro, já foram acionados. E tornarão, por isso, mais extenuante a busca por justiça. Menos de uma semana após a sentença, pai e filho condenados pelo envolvimento na morte, três anos atrás, do jovem Rafael Mascarenhas, conseguiram habeas corpus e, provavelmente, vão esperar em liberdade a tramitação do processo nas instâncias restantes. Ainda assim, 2015 já estará marcado pela lição de ética com que o juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte, da 17ª Vara Criminal do Rio, presenteou a sociedade brasileira na sentença. A peça, de 116 páginas, merecia virar livro ou seus melhores trechos, uma cartilha, com leitura obrigatória para quem se habilitar a criar filhos. Melhor dizendo, a educá-los.
A ação penal é um enredo que envolveu violação de regras de trânsito, atropelamento da vítima durante um pega, omissão de socorro, suborno a policiais militares, alteração de provas. Na decisão de primeira instância, o juiz chamou atenção para o papel do réu Roberto Bussamra, pai do atropelador, também de nome Rafael. “O mais impressionante é que o pai foi ao local e encampou todo o comportamento criminoso, passando a tomar papel ativo nas negociações que envolviam a corrupção ativa e o desfazimento de qualquer vestígio. Esta degradação da família é fruto de uma triste realidade que assola o país e tem se mostrado cada vez mais frequente nas varas criminais”, diz a sentença.
De fato, não é a primeira vez — nem a segunda, nem a terceira — que o país tem conhecimento de genitores que acobertam ou minimizam crimes dos filhos. Em julho de 2006, cinco jovens espancaram e roubaram a bolsa da empregada doméstica Sirley Dias de Carvalho Pinto, num ponto de ônibus na Barra da Tijuca. Ao saber da prisão do filho, o pai de Rubens Arruda, um dos agressores, declarou: “Não é justo manter presas crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham. Não concordo com a prisão na Polinter, ao lado de bandidos”.
No ano passado, outro jovem de alta classe média, Renan Menezes de Souza, filho de um empresário, teve prisão decretada após ser acusado de estupro por duas moças. Antes de se apresentar à polícia, passou um mês e meio foragido. Na semana passada, foi condenado por um dos crimes; o segundo julgamento, marcado para a última quarta-feira, foi adiado.
No trecho mais forte da sentença que trata da morte do filho da atriz Cissa Guimarães, o juiz Schilling põe o dedo na ferida da criação dos bem nascidos: “O caso retrata os falsos pais que superprotegem os filhos criando pessoas socialmente desajustadas. Impõe-se uma reflexão sobre o tipo de sociedade que pretendemos para as futuras gerações ou, mais ainda, que tipo de cidadãos somos. Afinal é essa uma das dificuldades atuais da humanidade no plano da ética. De nada vale o Estado reconhecer a dignidade da pessoa, se a conduta de cada indivíduo não se pautar por ela”.
Um bom começo na reconstrução da ética pelos que se autodenominam “pagadores de impostos” e “cidadãos de bem”, mas só leram até a página dois do livro-texto, é olhar para dentro de casa. Quando transgridem, os jovens filhos da classe média são inconsequentes, rebeldes. Fossem pobres, seriam estupradores, assassinos, criminosos. Estar na parte alta da pirâmide social deveria ser agravante, em vez de atenuante, dos ilícitos.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/familia-degradada-15210670#ixzz3R6jXrkZi
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