terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Te Contei, não ? - Depoimento de Rita Lee



Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinham da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. 

 Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem. Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente; esqueceu, morrendo tuberculosa. Estes episódios marcaram para sempre e a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres? 

Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos. Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso nas passarelas do samba. Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens. E, com isso, Barbies de facaria, provocaram em muitas outras mulheres - as baixinhas, as gordas, as de óculos - um sentimento de perda de auto-estima. Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E, no momento em que as pioneiras do minismo passam a defender a teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo. Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas e punhais. Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência. É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas. São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e a doçura de seus corações. 

- "Nem toda feiticeira é corcunda. - Nem toda brasileira é só bunda.“ 

Texto: Rita Lee

2 comentários:

  1. Rita Lee escreveu um texto sobre como as mulheres estão sendo manipuladas. No inicio do texto ela esta dando dois exemplos da sua infância, onde duas meninas são torturadas pelos pais como se fossem pecadoras. Entendo que os pais queiram cuidar das filhas mais não acredito ser certo desconfiar dessa forma e nem torturá-las de tal maneira que acabem que fugindo de casa para viver longe de seus pais ou terminem mortas. Não e justo que sejam subjugadas e condenas dessa forma.
    Também podemos observar que o texto fala sobre como à sociedade mercantilista age nos dias de hoje, criando um exemplo de mulher que todo mundo quer copiar, um estereotipo, ou seja, se não seguirem esse modelo nunca terão sucesso. Eu acredito que isso para as mulheres e muito injusto, e como se algumas mulheres se auto-desprezassem e preferissem utilizar seus corpos como maneiros mais fáceis e rápidos para conseguir dinheiro, pois as mulheres são mais que beleza exterior, já que elas podem, estudar e a cada dia estão conquistando mais o sucesso profissional. Depois a autora faz uma comparação de como um estimulo seja dos pais ou da sociedade podem ser tão forte para mudar o idealismo das mulheres. Acredito que a autora do texto utilizou de muita inteligência para falar sobre o tema.
    Luis Felipe Ochoa
    801

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  2. Depoimento de Rita Lee

    Esta crônica foi escrita por Rita Lee, uma cantora que não tem medo de falar o que pensa nem de criticar a sociedade e seu povo, nós podemos perceber isso no jeito que ela escreveu este texto maravilhoso sobre um tema muito interessante.
    A crônica fala sobre a mulher em si, como ela está sendo manipulada nos dias de hoje. Dando dois exemplos de coisas que aconteceram com pessoas perto dela, ela fala que as meninas são quase que torturadas em exames para certificar os pais que não cometeram nenhum ato sexual, o que para uma moça é como um enorme pecado, e se houver algum sinal do ato elas são castigadas e vistas como pecadoras. É crueldade e desnecessário fazer jovens passarem por essas coisas, e acredito que ações assim dos pais facilitam o afastamento dos seus filhos e eles podem acabar fugindo de casa e não serem encontrados.
    O texto também fala como a mulher hoje em dia quer seguir um estereótipo de “Barbies turbinadas”, magras, com seios enormes e nádegas também todas feitas de silicone, narizes arrumados, cintura fina... Todo o possível para ficar mais e mais “bonita”, também fala que deve se respeitar o corpo da mulher e ela em si. Nenhuma mulher devia se submeter a essas coisas, ela devia acreditar em sua beleza interior e não ligar para os padrões de beleza, sendo mulheres fortes que estão cada vez mais presentes no mercado de trabalho.

    Paula Quirino
    Turma 801

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