Revista Veja - 19/12/2011
Os americanos estão extraindo gás natural de rocha sedimentar a baixo custo. O Brasil, rico em reservas, está atrasado na exploração dessa fonte de energia limpa
TATIANA GIANINI
A solução estava bem debaixo dos pés. Os Estados Unidos, que consomem quase um quinto da energia no mundo, poderiam evitar muitos malabarismos em política externa se não dependessem do petróleo de países como Venezuela, Nigéria, Rússia e Arábia Saudita. Agora, o país parece ter encontrado parte da solução para a sua demanda energética com a extração do gás de xisto (shale gas, em inglês). Ao contrário do gás natural convencional, concentrado em depósitos no subsolo, o de xisto está misturado à rocha. Avanços tecnológicos recentes tomaram essa forma de combustível economicamente viável. Corno resultado, sua participação na matriz energética americana cresceu. Em 2000, o gás de xisto representava 1 % do total de gás natural consumido nos Estados Unidos. Hoje, corresponde a 16%, e pode chegar a 46% em 2035, o que tomaria o país auto-suficiente em gás natural, sua terceira maior fonte de energia. Se a tendência se confirmar, os EUA podem até reduzir sua demanda por petróleo e carvão externos.
A extração do gás das camadas de xisto, por definição uma formação rochosa sedimentar, começou a ser estudada pelos Estados Unidos nos anos 70, mas o processo era tão caro e complexo que inviabilizava a produção em larga escala. Só nas décadas seguintes a exploração comercial começou a se tornar realidade, com o desenvolvimento de duas tecnologias complementares. A primeira, chamada de "perfuração horizontal", permite acessar melhor o solo que abriga o gás de xisto. A segunda, denominada "fratura hidráulica", facilita a remoção do produto. O poço aberto na perfuração recebe uma mistura de água, areia e diversos produtos químicos sob alta pressão para quebrar a rocha e liberar o gás, que então é levado para a superfície por uma tubulação. A empresa pioneira em combinar o uso das duas técnicas de forma eficiente e lucrativa foi a Mitchell Energy, no campo Barnett, no estado do Texas. Há cinco anos, o aumento no preço do gás natural estimulou os investimentos em novas técnicas, fazendo com que outras firmas também decidissem apostar no negócio.
Os benefícios ambientais dessa forma de energia são tão positivos quanto os do gás natural convencional. "A geração de eletricidade com gás produz apenas metade do dióxido de carbono liberado por termelétricas a carvão", diz o geofísico Mark Zoback, professor da Universidade Stanford. Mais de trinta países possuem reservas de gás de xisto. Poucos exploram comercialmente essa fonte de energia. A China, detentora das maiores reservas mundiais do combustível, completou em março passado a perfuração de seu primeiro poço; na província de Sichuan. A Inglaterra também já concluiu a construção de algumas estruturas de exploração. No Brasil, utiliza-se uma tecnologia antiga para extrair óleo de xisto no Paraná, em pequena escala. Como ainda há muito gás natural convencional para ser explorado, o xisto tem sido menosprezado. Nem sequer foi mencionado no plano de longo prazo definido pela Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia, que prevê como se comportará o mercado de energia até 2030. Segundo o órgão, é possível que o xisto entre no próximo plano, a ser lançado no fim de 2012. As reservas brasileiras são volumosas. "Se se mostrar viável e barato no Brasil, o gás de xisto tem tudo para reduzir a importância do pré-sal", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
O maior empecilho à exploração do gás de xisto é o lobby ambientalista, pois no processo de extração são usados componentes químicos potencialmente tóxicos, como o benzeno. Se essa substância atingir o lençol freático, pode contaminar a água. Mas não existem provas de que isso seja recorrente. "De todas as extrações de gás de xisto desde 1950, só existem dois ou três casos documentados de poluição, e todos por falha humana na construção dos poços, o que pode ser corrigido", diz o geó1ogo Eric Poner, diretor do Centro de Geologia Econômica da Universidade do Texas. O documentário americano Gasland, indicado ao Oscar neste ano (não levou), tentou demonizar indústria do xisto. Numa das cenas do filme, do cineasta americano Josh Fox, um aprendiz de Michael Moore, a água contaminada com gás metano que sai de uma torneira pega fogo quando um isqueiro é aceso. Fox só se esqueceu de contar que o metano na água daquela torneira nada tem a ver com a exploração do gás, segundo um estudo do governo do estado do Colorado, um dos locais mencionados no filme. O metano nos lençóis freáticos que abasteciam a casa em questão era resultado da decomposição natural de material orgânico.
Quem também fez campanha contra o gás de xisto foi o encrenqueiro profissional e criador de ovelhas diletante José Bové, o francês. Depois de depredar uma loja do McDonald"s em 1999 e de destruir uma plantação experimental de soja transgênica no Brasil em 2001, esse defensor do protecionismo agrícola para produtos europeus conseguiu parar a exploração de gás de xisto no sul da França em março passado. O bigodudo quer barrar a extração de gás de xisto em toda a Europa. Em outubro, o presidente francês Nicolas Sarkozy afirmou que outras três licenças de exploração outorgadas em 2010 estão suspensas e só serão retomadas depois de a tecnologia se "provar" inofensiva ao meio ambiente. Nos Estados Unidos, o governo realiza estudos para controlar melhor essa exploração, que cria empregos e benefícios econômicos. Lá, a racionalidade venceu
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