quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Olhares sobre Castro Alves VII - Castro Alves: a crítica e os adeuses de Teresa




Com pesar e ´pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino em terra hospitaleira, onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma´; e com a consciência do fim iminente de sua vida; sabendo de que nada resta senão o vulto de um passar na terra: ´uma esteira de espumas... - flores perdidas na vasta indiferença do oceano. - Um punhado de versos... - espumas flutuantes no dorso fero da vida´, Antônio Frederico de Castro Alves (1847 - 1871) legou à posteridade louros que coroariam a fronte da humanidade: ´seus cantos, como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, filhos da musa - este sopro do alto, do coração - este pélago da alma´. A obra desse poeta é o motivo central dessa edição. 

 Como se dá a travessia de Castro Alves desde 1870 aos dias de hoje? Por que, com ´o seu frescor de orvalho e fulgor de diamante´, a poesia de Castro Alves não sofre a injúria do tempo que danifica as glórias e enxota as notoriedades? Onde está o seu segredo? Na sua eloqüência comicial que se desata, mesmo no momento murmurante, em que no desalinho de uma cama, celebra o seu amor por uma mulher? Na chuva de hipérboles e metáforas que troveja entre as nuvens e astros da sua noite condoreira, juncada de amores e indignações? Na sedução de sua vida breve de poeta romântico, inspirado, que viveu a sua própria antecipação entre alegrias e amarguras, e, na qual, os dias devem ser avaliados numa contabilidade que os dobre ou os multiplique? 

 Ou mais, por que fulgura e nele sente-se o borbulhar do gênio? Por que é poeta distinto por ´lírico amoroso´, que se exprimia quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade, como no formoso quadro do poema ´Adormecida´? Por poeta descritivo, -pintando com admirável verdade e poesia a nossa paisagem, tal em ´O crepúsculo sertanejo´? Por que poeta épico-social, desmedindo-se em violentas antíteses, em retumbantes onomatopéias?´ Ora, há que reconhecer nele, mal-grado os excessos e o mal gosto ocasional, a maior força verbal e inspiração mais generosa de toda a poesia brasileira´, conforme se manifestou Manuel Bandeira apaixonada e solidariamente. Ambos acometidos por tuberculose, o mal do século, em ainda jovens, - o romântico logo foi morto, aos vinte e quatro anos, o modernista, assombrado pela companhia durante anos da iniludível das gentes, em sua prolongada Consoada. 

 O olhar da crítica 

 Euclides da Cunha apontou para que ´há no seu gênio muita coisa do gênio obscuro da nossa raça´, já José de Alencar, em carta a Machado de Assis, padrinhos de Castro Alves na apresentação deste à corte literária, anunciou o Cantor de Iracema que nele ´palpita o poderoso sentimento da nacionalidade, essa alma da pátria, que faz os grandes poetas, como os grandes cidadãos´. 

Talvez se indague tanto sobre a vitalidade e perenidade do poeta pelo fato de que, conforme constatou José Veríssimo, ´poucos livros brasileiros, e menos de versos, têm sido tão lidos´, sabemos que livros relidos são livros eternos. 

 A crítica polemiza entre si, dentre variados temas, em torno de questões sobre sua originalidade e autenticidade; sobre seu estro oratório, afeito para ser declamado em meio ao público, em praças e teatros; sobre sua relação particular com o romantismo brasileiro; sobre a fragilidade de sua obra irregular e impetuosa; por fim, e, principalmente, sobre sua poesia de clamor social. De todos os pontos supracitados habitualmente deslumbrados pela crítica castroalvina, o último, sua poesia de vertente social, é ponto pacífico. Não há voz que se erga da multidão, com sonoridade e vibração audíveis tal quais para calar o brado grandíloquo do poeta dos escravos. 

 Já em relação aos outros temas destacados da crítica, em tratando do poeta baiano, os posicionamentos são os mais controvertidos e duvidosos. A respeito, Afrânio Coutinho, em seu ´A Literatura no Brasil´, indica que ´uma das maiores dificuldades antepostas aos estudiosos desse poeta é a ignorância reinante, mesmo entre exegetas, do que se faz e fazia naquele tempo, agravada pelo fato de não infundirem respeito (ou confiança) as contribuições válidas de nomes hoje obscurecidos, sem embargo da projeção de que tenham gozado, ou da influência exercida. Daí o perigo de afirmações e classificações aligeiradas do aparato documental, e a quase inanidade de justificativas históricas a serem, assim, formuladas pela primeira vez´.

 Os críticos ou se fazem partidários e aficionados exaltando o poeta Castro Alves enquanto o mais sagaz condor dos mais altos picos da excelência poética; ou se aferram em apontar equívocos direito à obra castroalvina. M. Cavalcanti Proença sobre Castro Alves dá nota dos ´movimentos, que vez por outra, surgem entre os intelectuais, tendendo em valorizá-lo ou desmerecê-lo, e em cujas raízes, se encontram, muitas vezes, o bairrismo, a política ou o primitivismo exclusivista, chegando às fronteiras da polêmica´. 

 Os desentendimentos alcançam tal ordem a ponto de se hostilizaram em seus artigos os estudiosos. Caso houve, quando, tematizando a poesia de Castro Alves, saiu um comentário asseverando: ´Castro Alves não é nenhum gênio´. Em resposta, o editor do ´Jornal de Poesia´ (página on line) tripudiou: ´Concordamos com dona Marilene (grifo nosso): Castro Alves não é um gênio; Castro Alves é um grande gênio´, depois do que assina, alcunhando-se o jargão - do poeta Soares Feitosa, aprendiz. 

 O engajamento literário 

 É possível seja o discurso social o mais destacado por que Castro Alves se solidarizou com o povo americano, com o seu povo - com o povo do Brasil. Tinha ´o coração do homem e a alma do cidadão´, enlevou-se Machado de Assis*; José Veríssimo evidenciou o fato de o poeta ter reclamado nosso ideal humano; Érico Veríssimo, por sua vez, em sua ´Breve História da Literatura Brasileira´, lembrou que Castro Alves ´voltou os olhos às feridas crônicas e sempre sanguinolentas dos escravos e fez-se a si o paladino do abolicionismo, enquanto a maioria cutucava suas próprias feridas fazendo-as sangrar por que isso lhes dava bons motivos para a produção da poesia´.

Em vários de seus poemas -prossegue o autor de ´Olhai dos Lírios do Campo´ - Castro Alves antecipou as reivindicações proletárias que viriam muitos e muitos anos mais tarde´. Perscrutando a alma do poeta: ´tinha compreensão humana e compaixão. Possuía, desse modo, um admirável senso de fraternidade´.  

MARCOS ROBERTO DOS SANTOS AMARAL *Colaborador, do Curso de Letras da Uece 

FIQUE POR DENTRO 

A voz do poeta do povo Jamil Almansur Hadad , em sua ´Revisão de Castro Alves´,observa: ´Com todos os seus rompantes de poeta erudito, imitador de Hugo e tradutor de Esprocenda, ele prolonga a voz dos cantadores cegos das feiras, a voz dos serenatistas bêbedos em noites com lua ou sem lua, mandando a amada suspirosa acordar por detrás das rótulas silentes, a voz do cabra empolgada no desafio, ou entoando o hino de glórias em louvor dos heróis pastoris ou do cangaço´. M. Cavalcanti Proença, fazendo um apanhado de ´semelhança de processos´ entre a poesia de Castro Alves e entre a dos catadores (em geral) nordestinos (especificamente), chama atenção para os ´elementos que estruturam a popularidade do condoreiro´, enumerando, então, um repertório de elementos que atestam essa veia castroalvina que pulsa com a poesia popular. Por essas qualidades de sua obra, é que se entende a admiração tão vigorosa e apaixonada do público ao seu vate. Por isso seus poemas como ´Navio Negreiro´ e ´Vozes d´África´ são estimados como ´a maior altura do seu estro. O primeiro é uma evocação dantesca dos sofrimentos dos negros na travessia da África para o Brasil; o segundo, uma soberba apóstrofe do continente oprimido a implorar a justiça de Deus´, escreve o poeta Manuel Bandeira.

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