quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Para viver um grande amor


Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.


Texto extraído do livro "Para Viver Um Grande Amor", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

A tragédia do Bondinho e a cidade-cenário


Rio - Chega a ser complicado acreditar nos benefícios das obras anunciadas para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos diante da incompetência e da irresponsabilidade reveladas pelo acidente que matou cinco pessoas no último sábado. Como pensar em trem-bala, na expansão do metrô e e na modernização da SuperVia se o poder público, apesar dos vários alertas e reclamações, não conseguiu dar um jeito no bondinho de Santa Teresa? Por que esperar a morte de sete pessoas para se decretar uma intervenção na empresa que cuida dos bondes?
Não dá para entender como o mesmo governo que construiu uma obra complexa como o teleférico do Alemão não tenha tido capacidade de, literalmente, manter o bonde nos trilhos. Melhor: claro que dá para entender. O serviço de Santa Teresa se tornou ruim e assassino porque foi vítima do descaso criminoso de quem deveria cuidar dele. Não houve falta de recursos, mas de empenho e de interesse.
A proximidade da Copa e das Olimpíadas traz esperanças e, ao mesmo tempo, ressalta alguns riscos. Um deles é a possibilidade de os governos concentrarem empenho e dinheiro apenas nas obras relacionadas aos eventos. Teríamos assim uma nova versão da cidade partida — de um lado, a beneficiada pelas melhorias; de outro, a que ficou de fora. O bonde de Santa Teresa, esquecido por sucessivas administrações estaduais, faria parte desta segunda cidade. É um meio de transporte deficitário, que não gera interesse de empresários. O simpático e carioquíssimo bondinho, patrimônio da cidade, seria visto como algo arcaico, que talvez não combine com uma equivocada e colonizada ideia de modernidade.
A tragédia de sábado passado alerta para o risco de se tentar construir uma cidade baseada numa aparência de prosperidade; uma cidade-cenário, quase um parque temático, agradável apenas durante os eventos. Seria como dar uma nova versão para o absurdo cometido décadas atrás, quando o Rio sediou um congresso de agentes de viagens norte-americanos. Para que nossa miséria não os chocasse, outdoors foram colocados para esconder as favelas — não se tratava de resolver o problema da pobreza, bastava impedir que ela fosse vista pelos visitantes. Não adianta fazer belas e imponentes instalações em torno da Avenida Francisco Bicalho se o Canal do Mangue continuar a ressaltar a tragédia ambiental, social e sanitária que nos cerca. Não há maquiagem capaz de esconder tantas e antigas mazelas.

Fernando Molica é jornalista e escritor 
 JORNAL O DIA

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um pouco de William Shakespeare ......



Citações
William Shakespeare

— Devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer.
— Até mesmo a bondade, se em demasia, morre do próprio excesso.
— O cansaço ronca em cima de uma pedra, enquanto a indolência acha duro o melhor travesseiro.
— Vazias as veias, nosso sangue se arrefece, indispostos ficamos desde cedo, incapazes de dar e de perdoar. Mas quando enchemos os canais e as calhas de nosso sangue com comida e vinho, fica a alma muito mais maleável do que durante esses jejuns de padre.
— Ninguém poderá jamais aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo como mestre. A experiência se adquire na prática.
— Se o ano todo fosse de feriados, o lazer, como o trabalho, entediaria.
-  Ventre grande é sinal de espírito oco; quando a gordura é muita, o senso é pouco.
— Que é o homem, se sua máxima ocupação e o bem maior não passam de comer e dormir?
— Do jeito que o mundo anda, ser honesto é (igual) a ser escolhido entre dez mil.
— Hóspede oferecido (...) só é bem-vindo quando se despede.
— Um homem inteligente pode transformar-se num joão-bobo, quando não sabe valer-se de seus recursos naturais.
— Quem não sabe mandar deve aprender a ser mandado.
— A mulher que não sabe pôr a culpa no marido por suas próprias faltas, não deve amamentar o filho, na certeza de criar um palerma.
— As coisas mais mesquinhas enchem de orgulho os indivíduos baixos.
— Ninguém pode calcular a potência venenosa de uma palavra má num peito amante.
— Sábio é o pai que conhece seu próprio filho.
— Tem ventura fugaz, sempre periga, quem se fia em rapaz ou rapariga.
— Ser ou não ser... eis a questão.
— É estranho que, sem ser forçado, saia alguém em busca de trabalho.
—As mais belas jóias, sem defeito, com o uso o encanto perdem.
— O bom vinho é um camarada bondoso e de confiança, quando tomado com sabedoria.
— Nunca poderá ser ofensivo aquilo que a simplicidade e o zelo ditam.


William Shakespeare (1564-1616), o mais famoso dramaturgo e poeta inglês de todos os tempos, compôs suas peças durante o reinado de Elizabeth I (1558-1603) e de James I, que a sucedeu. Casou-se em 1582 com Anne Hathaway, que tinha 26 anos e estava grávida. O casal teve uma filha, Susanna, e dois anos depois tiveram os gêmeos Hamnet e Judith. Por volta do ano de 1588, mudou-se para Londres e, em 1592, já fazia sucesso como ator e dramaturgo. Mas, eram suas poesias — e não suas peças — que eram aclamadas pelo público. Em virtude da peste, os teatros permaneceram fechados entre 1592 e 1594, impossibilitando seu contato com o público. Publicou dois poemas, "Vênus e Adônis", em 1593, e "O Rapto de Lucrécia", em 1594. Estes dois poemas e seus "Sonetos" (1609), que tornaram-se famosos por explorar todos os aspectos do amor, trouxeram-lhe reconhecimento como poeta. Escreveu mais de 38 peças, que estão divididas entre comédias, tragédias e peças históricas. Seus escritos são famosos até os dias de hoje, e suas atuações trouxeram-lhe riqueza (ele era sócio da companhia de teatro). Shakespeare não publicava suas peças, já que a dramaturgia não era bem paga. Na época, não havia direitos autorais. O autor pretendia que suas peças fossem representadas em vez de publicadas.
Com o dinheiro adquirido na companhia teatral, comprou uma casa em Stratford-upon-Avon e muitas outras propriedades, tais como hectares de terras férteis e uma casa em Londres. Escreveu a maioria de suas peças entre 1590 e 1611. Por volta de 1611, ele aposentou-se em Stratford-upon-Avon, onde havia estabelecido sua família.
Shakespeare morreu em 23 de abril de 1616, no mesmo mês e dia tradicionalmente atribuídos como sendo de seu nascimento.


Algumas obras:

Comédias

A Comédia dos Erros
Os Dois Cavalheiros de Verona
Sonho de Uma Noite de Verão
O Mercador de Veneza
Muito Barulho Por Nada
Como Quiserdes
A Megera Domada
A Décima Segunda Noite.

Peças Históricas

Ricardo II
Henrique IV - Partes I e II
Henrique V
Henrique VI - Partes I, II e III
Ricardo III
Rei João
Henrique VIII.


Tragédias

Romeu e Julieta
A Tempestade
Júlio César
Antônio e Cleópatra
Hamlet
Othello
Rei Lear
Macbeth.


As citações acima foram extraídas do livro "Shakespeare de A a Z: livro de citações", L&PM Editores - Porto Alegre (RS), 2004, seleção de Sérgio Faraco, tradução de Carlos Alberto Nunes.

Filosofando .......


Matemática do amor

Homem esperto + Mulher esperta = Romance
Homem esperto + Mulher burra = Caso
Homem burro + Mulher esperta = Casamento
Homem burro + Mulher burra = Gravidez

Aritmética de Escritório

Chefe esperto + Empregado esperto = Lucro
Chefe esperto + Empregado burro = Produção
Chefe burro + Empregado esperto = Promoção
Chefe burro + Empregado burro = Hora extra

Sucesso & Fracasso

Atrás de um homem de sucesso tem sempre uma mulher.
Atrás de um homem fracassado tem no mínimo duas mulheres.

Equações gerais & Estatística

Uma mulher preocupa-se com o futuro até ela conseguir um marido.
Um homem nunca se preocupa com o futuro até ele conseguir uma esposa.
Um homem de sucesso é aquele que consegue ganhar mais dinheiro do que a sua esposa consegue gastar.
Uma mulher de sucesso é aquela que consegue encontrar este homem.

Felicidade

Para ser feliz com um homem, você deve entendê-lo bastante e amá-lo um pouco.
Para ser feliz com uma mulher, você deve amá-la bastante e jamais tentar entendê-la.

Longevidade

Homens casados vivem mais do que homens solteiros.
No entanto, os homens casados são os que têm mais vontade de morrer.

Propensão à mudança

Uma mulher casa com um homem esperando que um dia ele mude, mas ele não muda.
Um homem casa com uma mulher esperando que ela não mude nunca, mas ela muda.

Discussão técnica

Uma mulher sempre tem a última palavra em qualquer discussão.
Qualquer coisa que um homem diga depois disso, é o começo de uma nova discussão.

Como impedir as pessoas de ficarem te chateando sobre casamento

Durante os casamentos, tias velhas costumavam vir até mim, me bater nas costas e dizer: "tu serás o próximo"!
Elas pararam depois que eu comecei a fazer a mesma coisa com elas nos funerais.

domingo, 28 de agosto de 2011

Te Contei, não ?!!!!!!!!


10 passos da redação nota 10


Dicas e conselhos para escrever melhor e sair-se bem ante a exigência de bons textos no mercado de trabalho, nos processos seletivos e no cotidiano
 
Redigir textos virou exigência tão difundida na sociedade contemporânea que chega a ser quase impossível tocar a vida sem ser obrigado a adquirir familiaridade com qualidades da escrita.

A concorrência nunca esteve tão acirrada e em campos que ressaltam o papel da redação como um filtro. O Enem deste ano, por exemplo, conta com 6,2 milhões de candidatos (1,5 milhão a mais do que em 2010). O vestibular da Unesp, um dos maiores do país, registrou a maior concorrência de sua história: 12.375 inscritos para 510 vagas (24,3 por vaga). Como tantas outras instituições, a PUC-Minas computou aumento no número de candidatos (42,6%) em seu processo seletivo.

Provas de redação viraram o grande vilão dos concursos públicos no Brasil. A avaliação é da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anfac), que registra, por ano, cerca de 10 milhões de candidatos, um terço dos quais têm cadeira cativa em cursos preparatórios, uma indústria que movimenta R$ 1 bilhão por ano. Uma parte substancial do trabalho preparatório, mesmo de provas técnicas, está centrado no ensino de redação.

Com o mercado aquecido, negócios e relacionamentos de trabalho dependem, não raro, do desempenho na criação de textos claros, criativos e precisos - no papel ou em meio eletrônico. O aumento da oferta na rede de ensino pública e no ensino superior privado (há 2.300 instituições do gênero, que não existiam há dez anos) implica o proporcional crescimento de trabalhos escolares redigidos no país.

O peso da redação vem aumentando em ambientes de trabalho que requerem a produção de textos profissionais, como relatórios, memorandos e cartas comerciais. Além de experiência e qualificações curriculares, as entrevistas de emprego nas empresas têm tido por frequente critério a exigência da redação.

Aprimorar a redação está longe de ser perda de tempo. Língua sugere a seguir 10 passos para a redação de qualidade em situações de comunicação cotidianas. Indicam caminhos para o redator aperfeiçoar suas técnicas de escrita. E fazer frente às exigências de escrita do dia a dia.

1 - O cuidado com a gramática
Muita gente crê que não cometer erros de português já define um texto nota dez.
Um texto sem erros gramaticais, no entanto, deve ser hoje encarado mais do que uma mera meta. É antes um pressuposto.
Toda redação é um composto em que o uso da linguagem adequada se revela um de seus fatores importantes, é verdade.
Mas não o único.
Quem examina redações em concursos, vestibulares e no mercado de trabalho tende a supor que o redator seja capaz de conhecer e reconhecer as diversas linguagens, sabendo comunicar-se em diferentes situações conforme a exigência do contexto.
É preciso saber acentuar, concordar verbal e nominalmente; demonstrar que conhece os preceitos da ortografia e tem habilidade com conectivos, pronomes e verbos, e que o conhecimento da regência verbal e nominal condiga com o tecido textual.
Convém evitar expressões como "eu acho", "eu penso" ou "quem sabe", porque elas mostram dúvida e fazem com que seu texto perca credibilidade.
É preciso, acima de tudo, usar linguagem simples, que não exige do leitor o esforço de decifrar um texto complicado de entender.
Torne as frases leves e curtas sendo claro, seguindo a ordem direta de apresentação do assunto, sem inversão da sequência de dados e opiniões.
É necessário, para tudo isso, uma dose de leitura diária.
 
2 - Saiba cercar-se de fontes

Uma boa redação é muitas vezes aquela em que se soube manejar uma coletânea de textos de apoio, mas fazendo isso com sabedoria, sem simplesmente decalcar as informações. A coletânea deve ser usada como uma referência para que se possa encaminhar o próprio texto. Consultar diferentes fontes, entender as ideias que provêm delas, e produzir o texto em consonância com os limites impostos pelas informações consultadas é um exercício importante, pois pode dar segurança e qualidade aos nossos textos. Assim, quando lançados à obrigação de criar textos sem consultas do gênero, saberemos o que fazer com as ideias que nos surgirem na cabeça, pois teremos aprendido a organizar o desenvolvimento de raciocínios a partir de informações, não mera divagação.
 
3 - Busque um raciocínio lógico

Uma redação nota 10 é a que apresenta ideias que permitam ao leitor uma compreensão exata do que se pretendeu escrever. Cabe ao redator dar um caminho ao raciocínio, criar um sentido que responda às lacunas do que ele imagina tomar o leitor a cada parágrafo. Uma dissertação de vestibular, por exemplo, deve apresentar introdução, desenvolvimento e conclusão. A narrativa de uma entrevista de trabalho, numa seleção de emprego com tema de redação livre, pode dispor de apresentação, trama e desfecho.
É providencial que os parágrafos estejam organizados para que a leitura seja clara e sem dispersão. Para tanto, o uso correto dos conectivos torna-se fundamental. São eles que permitem ajustes de raciocínio por meio de ligações adequadas.
Um bom vocabulário é outro fator importante na composição do raciocínio, pois é preciso saber variar os termos e fazer uso de sinônimos. A coesão espaço temporal requer cuidados para evitar equívocos, como conferir a um personagem citado falas distintas do tempo em que o apresentamos.
 
4 - Concilie tema e proposta

Seja qual for a sua opinião, simplesmente a defenda. Busque a sensatez e evite radicalismos e pontos polêmicos. Numa prova de redação, é frequente a necessidade de fazer a associação entre a leitura, a interpretação do tema proposto. O ideal é ler atentamente o que nos propõem, avaliar os conceitos que temos e os argumentos em contrário, acentuar detalhes imprescindíveis e produzir um projeto de texto que demonstre com precisão a capacidade de trabalhar o tema dentro do que foi solicitado. É sempre bom lembrar que, em muitos casos, o tema exige um senso de observação aguçado, que leva o redator, obrigatoriamente, a relações intertextuais dinâmicas e até mesmo complexas, principalmente nos chamados temas "filosóficos" ou "comportamentais".
 
5 - Recorra aos esboços

Os textos que não passam por um projeto prévio são os que mais podem suscitar problemas. E o que seria um projeto de texto? É projetar aquilo que se vai escrever: limitar o texto às exigências do público que lerá o texto, balanceado com o que se sabe e pode trabalhar. Assim, no caso dos textos argumentativos, o primeiro passo é extrair uma tese, a ideia que vai ser exposta e defendida. Em seguida, buscar as argumentações que, de forma crítica e bem conduzidas, possam sustentar tal tese. Tudo isso de modo a compor um esquema, um esboço, atentando para incluir pontos que sejam importantes e não esquecidos quando da elaboração do texto. A conclusão pode ser projetada desde o início, para que o redator imagine quando e como terminar o trabalho. É fundamental lembrar que temos um espaço para escrever e, seja qual for o gênero, ele precisa atender aos limites impostos pela situação de comunicação. Daí a importância também do planejamento textual.
 
6 - Seja coerente

Uniformidade é uma palavra-chave. A ideia que o norteia não pode ser contraditória, generalizante ou inverossímil. A boa redação prima pela coerência, não desdiz o que vinha apresentando, não faz generalizações inexatas, nem considerações infundadas.
A coerência diz respeito ao modo como as ideias e os fatos são dispostos. Descreva argumentos coerentes. Apresente apenas argumentos que tenham fundamento, não tente escrever o que você "acha" ou não tenha certeza. Tudo isso tende a levar o texto ao descrédito - como dizer, simplesmente, que todos os políticos são desonestos, todos os jovens usam drogas, todas as mulheres gostam de apanhar, e coisas do gênero.
Seja objetivo. Numa seleção de emprego com tema livre, por exemplo, convém falar da carreira, da profissão, da área de atuação ou algo sobre a atualidade. Redações com temas indistintos, como "minhas férias", ou confessionais demais, indicam falta de objetividade.
 
7 - Evite fórmulas

Há quem busque por fórmulas mágicas capazes de, num só momento, produzir um texto impecável sem as "dores do parto" que costumam acompanhar o processo de escrita. Esses redatores tendem a colecionar técnicas e mais técnicas, num amontoado de efeitos que, se não conduzidos a contento, levam a um texto pífio ou sem noção de autoria. É evidente que não se podem eliminar as técnicas na composição de um texto, mas é fundamental que elas sejam bem empregadas, com sentido e bem alicerçadas.
É preciso evitar, por exemplo, o uso de frases de efeito, pois tendem a permitir interpretações apressadas, quando não indesejáveis - isso se a frase for de fato inteligente (há sempre o risco de só o criador delas achá-las inteligentes).
Na dúvida, evite usar termos em inglês. É recurso usado muitas vezes de forma inábil, como sinalização de status e conhecimento com que, de fato, nem sempre se está familiarizado. Corre-se o risco desnecessário de errar a grafia e pode-se encarar um leitor ressabiado pelos estrangeirismos .
De nada vale, também, decorar trechos de obras, menções históricas e coisas do gênero, para depois usar de forma indiscriminada e sem critério num escrito. Abrir um texto com definição descontextualizada ou uma alusão imprópria mostra a debilidade do redator. Uma citação, uma alusão, um efeito de causa e consequência, uma definição, entre outras técnicas, são recursos que imprimem ao texto uma qualidade superior, mas não devem e não podem ser usados sem nexo nem competência. O caminho para uma adequação inteligente desses recursos é o exercício.
 
8 - Desenvolva um estilo

É muito importante que a redação tenha um rosto, por meio do qual se vislumbre uma noção de estilo por parte do redator. Pode-se desenvolver a argumentação de pelo menos duas maneiras: usando um tom mais ponderado, focado na discussão de um assunto mais sério e sem espaço para o humor; ou de maneira mais solta e espontânea, exaltando o tema em questão. Esses dois registros são como máscaras, que o redator pode mudar conforme a ocasião ou assunto tratado. Evidentemente, será inadequada a abordagem de um tema como o aborto, por exemplo, valendo-se de um registro leve e descompromissado. Tampouco será apropriado falar de temas que demandem um trato despojado sob um ponto de vista demasiado sisudo ou tecnicista. No entanto, seja qual for o tom adotado, é importante escrever em terceira pessoa, evitando manifestações exacerbadas de sentimentos e tentativas de impressionar com um vocabulário rebuscado.

9 - Estruture os parágrafos

Evite escrever parágrafos muito longos, pois tendem a ser tomados como maçantes. O cuidado com os parágrafos deve ser preocupação permanente de quem escreve. Um parágrafo longo demais pode ser sinônimo de um acúmulo ou confusão de ideias. Já um parágrafo muito curto pode ser indício de sonegação dessas mesmas ideias. O ideal é que eles sejam equilibrados - nem longos, nem curtos - e que possam expressar a ideia de uma forma lógica e competente. Quantos parágrafos deve ter um texto? Cada situação de escrita vai estabelecer o limite da escrita. O ideal é que, para um texto de 30 linhas, haja ao menos 4 parágrafos: um para introdução, dois para o desenvolvimento e um para a conclusão. Entretanto, essa não é uma fórmula exata.
 
10 - Enriqueça seu repertório

Manter-se atualizado e a par dos principais fatos é essencial. Assim como os músicos têm um repertório, o redator precisa ter na manga conhecimentos de que se possa valer ao abordar os mais diversos temas. É preciso conhecer o assunto sobre o qual vai escrever, o que demanda certa leitura e informação. Para tanto, é preciso estar atento ao noticiário e mapear as editorias à procura de assuntos recorrentes. Arriscar-se a falar sobre algo que desconhece pode ser um tiro no pé. Qualquer pessoa mais informada - seja um leitor comum ou um membro da banca examinadora - descobrirá facilmente, ao cabo de um parágrafo ou dois, se o candidato está blefando sobre alguma informação. Sobretudo se esta for expressa de modo maneirista, com excesso de relativizações, o que pode ser sinal de insegurança ao lidar com os dados. Construções pirotécnicas e cheias de adornos retóricos são o refúgio ideal da falta de conhecimento. Na dúvida, é melhor o redator se guiar por raciocínios e informações que ele domine.
 
Do Enem para a vida
 
10 dicas para a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio que são úteis também no dia a dia

Atenção ao que se propõe - Uma leitura cuidadosa da proposta de redação evita que o candidato fuja do tema ou só o tangencie.

Examine a antologia - Trechos selecionados pela prova cumprem a tarefa de provocar a reflexão acerca da situação-problema em questão.

Siga as instruções - Desrespeitar o mínimo de 8 e o máximo de 30 linhas escritas, bem como não entregar a prova à tinta, podem desclassificar o candidato.

Faça um rascunho - É nessa etapa que se organizam as ideias, esquematizando-as em parágrafos para que se organizem segundo a estrutura clássica da dissertação: introdução (apresentação da tese a ser defendida); desenvolvimento (argumentos que justifiquem a tese); conclusão (parágrafo final em que se expõe uma solução ou desfecho para o tema).

Norma culta - O domínio da língua não implica necessariamente um texto rebuscado. O ideal é que seja correto e simples. Convém evitar períodos longos demais e vocabulário pedante, bem como clichês e generalizações vazias.

Marcas de oralidade - Expressões da fala cotidiana, como "né", "ok" ou "tá, por exemplo, não têm lugar numa redação. Palavras obscenas também devem ser evitadas, a menos que indispensáveis ao tratamento do assunto.

Sem internetês - Abreviações do tipo "vc", "hj", "td", etc., podem tirar pontos de uma redação que não está na situação de comunicação que exige o internetês. Nenhum leitor é obrigado a entender a linguagem dos computadores. Convém não usar nenhum tipo de abreviação não explicada, pois se corre o risco de fazer uma abreviação equivocada.

Manter a pessoa do discurso - Convém manter a mesma pessoa do discurso ao longo de todo o texto - seja a 3ª do singular ("entende-se que ela tenha agido assim...") ou a 1ª do plural ("vivemos uma era tecnológica...").

Revisão final - É aconselhável ler o texto depois de terminá-lo, para que não passem possíveis deslizes gramaticais, erros de concordância, etc. Além disso, repetições e redundâncias, comuns quando se escreve com pressa, podem colocar a redação a perder.


Exercite - Escrever e reescrever textos ajuda a criar hábito.




REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA

Ah, se é do Machado, vale a pena ler (6)


O Rio de Machado, além das batatas
Orlando Margarido

Perdoem o guloso, roga Machado de Assis em crônica de 25 de março de 1894 publicada na Gazeta de Notícias, ao descrever a Confeitaria Pascoal, da qual era assíduo frequentador num Rio de Janeiro ainda capital do Império. “Este nome, que nenhuma comoção produz na alma do rapaz nascido com o século, acorda em mim saudades vivíssimas. A casa da mesma rua (…), onde ainda ontem comprei um excelente paio (…), na qual passei horas excelentes.” Apesar de costumeiras, as referências ao bem comer nos textos do escritor não autorizam acreditar que se tratasse de um glutão ou gourmet. “Ele era sóbrio ao se alimentar”, diz Rosa Belluzzo, especialista em antropologia cultural e história da alimentação. “Mesmo porque era muito doente e isso o limitava para comer. De todo modo, homem de seu tempo, acompanhava as transformações do Rio naquela época e isso incluía os hábitos alimentares.”
As mudanças em questão têm início com a chegada da família real portuguesa ao Brasil e a introdução por ela de itens importados como a manteiga francesa e chá, além de doces típicos lusitanos. Prossegue com a difusão do costume de comer fora nas casas de pasto e nas confeitarias e hotéis de luxo. Alcança, por fim, a República e o reforço do “ideal civilizador”, que apura a arte culinária e traz a opulência para jantares, comemorações e saraus. Todas essas fases são narradas por Rosa Belluzzo- em Machado de Assis – Relíquias culinárias (Unesp, 156 págs., R$ 80), no qual o escritor é personagem condutor em meio às novidades que se sucediam.
Nos romances e crônicas machadianos, a cientista social busca apreciação sobre os fatos da vida mundana carioca, ao mesmo tempo que os contextualiza na linha histórica. Dizem muito as 25 receitas do período selecionadas para o livro, entre elas a canja do imperador, o francês bouillabaisse e o sorvete de pitanga. Foram adaptadas e testadas para a publicação. “Tirei exageros de molho, gordura e condimentos pesados, muito comuns na época”, explica.
Rosa voltou a todos os títulos de Machado para concluir o trabalho e pesquisou o legado de suas publicações periódicas na Biblioteca Nacional. “Cosmopolita e urbano, ele frequentava os grandes salões e registrava tudo o que via, os banquetes, a preparação dos cardápios, a etiqueta e os hábitos que iam se refinando.” O resultado são trechos de descrição de festas, a exemplo do conto As Bodas do Dr. Duarte, no qual comenta um jantar nupcial já iluminado pelo fornecimento a gás inaugurado pelo Barão de Mauá “como verdadeira fonte de Moysés”, ou entre personagens de seus romances, sendo o Rubião de Quincas Borba caso simbólico. Se aqui a questão se refere ao aparato luxuoso de um serviço de café, com o peculiar protagonista de Memórias Póstumas de Brás Cubas Machado vai direto a seu apreço pelos acepipes durante uma celebração em família: “Aqui o ananás em fatias, ali o melão em talhadas, as compoteiras de cristal deixando ver o doce de coco, finamente ralado, amarelo como uma gema, ou então o melado escuro e grosso, não longe do queijo e do cará”.
O trecho revela outra característica da postura de Machado em relação ao refinamento europeu. “Ele valorizava essa conduta, reconhecia o que era bom, mas defendia que muitos hábitos importados, como usar botas de couro, tinham seu equivalente nas alpercatas nacionais”, lembra Rosa. “Com as receitas não era diferente.” Exemplos são as bouchées de dames, bolachinhas doces sabor de laranja, que poderiam ser substituídas pela mãe-benta, bolinhos de coco entre seus favoritos. O franguinho de cabidela aparecia na dianteira de seu gosto.
O livro também detalha como as classes menos favorecidas se alimentavam. No primeiro império, as quitandeiras negras vendiam manuê, um tipo de bolo de fubá, sonhos, pão de ló, café e sucos. Nas décadas que se seguiram ao coroamento de dom Pedro II, em 1840, meninos vendedores de balas e biscoitos atuavam nos bondes do Largo da Carioca, enquanto a cidade evoluía devagar com progressos como o esgoto doméstico. E sob essa mesma ideia de modernização os quiosques do centro seriam extintos por Floriano Peixoto, já na República, atitude lamentada por Machado no jornal. Ainda que tenha desfrutado do Brasil de lautos banquetes e os analisado com perspicácia, o escritor mantinha a sobriedade, a melancolia. Para ele, perante tudo o que testemunhou, o melhor era “ajuntar os restos do festim, mandar fazer o que a arte culinária chama roupa velha e comê-la com os amigos, sem vinho”. •

REVISTA CARTA CAPITAL

Você sabia ?????


A inquietude do gênio

Elisa Byington

Exposição redescobre o excepcional renascentista Lorenzo Lotto. Desafiou convenções sacras, antecipou o barroco e foi um iluminado, mesmo depois de abdicar do mecenato veneziano. Por Elisa Byington, de Roma. Imagem: Accademia Carrara-Gamec/Bergamo

Só, sem caminho certo e muito inquieto de mente”, descreveu-se Lorenzo Lotto (1480-1556) no melancólico testamento redigido aos “cerca de 66 anos”, ocasião na qual se recolheu como religioso na Santa Casa de Loreto. Devoto, esquivo, suscetível e ansioso, o pintor teve o nome quase esquecido pela história. Ainda assim, a excelência de sua produção renascentista continuava a integrar as maiores coleções internacionais. Mas suas obras de composição refinada e qualidade pictórica singular apenas foram apreciadas, copiadas e compradas quando atribuídas a outros grandes nomes da pintura, como Ticiano, Giorgione, Corregio, Hans Holbein e Van Dyck.
Lotto, contudo, tinha um estilo próprio ao pintar. Ele datou e assinou a maior parte de seus trabalhos, e buscou fazê-lo em locais com significado narrativo na tela, a atestar sua participação emotiva dentro dela. Veja-se o nome “cinzelado” aos pés do anjo que anota as súplicas dos fiéis em Retábulo de San Bernardino. Ou aquele escrito em um bilhete colocado entre cerejas e laranjas, símbolos de sacrifício e recompensa, no primeiro plano do quadro no qual Cristo se despede da Virgem Mãe. Ou, ainda, a assinatura sobre um braço da cruz de Cristo na subida do Calvário, obra que antecipou o naturalismo e a teatralidade adotados pelo barroco cem anos depois.
Nascido em Veneza, chamado de pintor celeberrimus nas primeiras décadas de carreira, Lorenzo Lotto flertou com o passado e antecipou o futuro. Pertenceu à espetacular leva de pintores, entre eles Bellini, Vivarini, Palma il Vecchio, Giorgione, Ticiano, Tintoretto, Veronese e Carpaccio, que fez a glória da cidade quando esta perdia a invencibilidade nos mares. Gozava-se então do fausto acumulado e respirava-se uma refinada cultura humanística que resultaria em quadros alegóricos de mensagens cifradas. Nesta realidade cultural, o pintor se inseriu como protagonista.
Uma exposição até 12 de junho, nas Scuderie del Quirinale, em Roma, reconstrói a trajetória desse gênio inquieto, que jamais se adaptou às cortes nem se ligou a mecenas, marcado pela independência e por um sentimento de inadequação que o tornaria afeito à sensibilidade atual. Entre as cerca de 60 obras expostas, há retratos, alguns dos mais notáveis do Renascimento, e originalíssimas composições sacras em telas, 11 polípticos e retábulos monumentais.
Apreciar tais obras em uma única oportunidade deve contribuir de maneira decisiva para a recondução de Lorenzo Lotto aos livros de história da arte. Contudo, a espetacular exibição não faz inteiramente jus à obra do pintor. Isso porque mostra no mesmo local os polípticos que requereriam peregrinação pela região das Marcas e da Lombardia para ser de todo apreciados. Conhecer Lorenzo Lotto de maneira integral significa viajar até as igrejas onde suas obras foram originalmente expostas. Dentro dessas construções, artisticamente inferiores às invenções do pintor, a obra do artista ganha sentido visionário.
É possível que o anseio de liberdade, a vontade de experimentar soluções novas e a necessidade de indagar sobre a existência humana, somados à incapacidade de transitar pelo poder, tivessem levado Lorenzo Lotto a abandonar a ribalta veneziana e a procurar fora dela outra classe de mecenas. Profissionais liberais, ricos comerciantes e a pequena aristocracia eram menos comprometidos com o gosto dominante na cidade cosmopolita. A escolha de Lotto favoreceu o não menos genial Ticiano, pintor da província, mas com talento para interpretar a vontade dos poderosos e as demandas dos venezianos. Lotto deixou-lhe o campo livre e foi trabalhar em arredores como Recanati e Loreto.
“Ninguém consegue colher o candor dos olhares e a verdade de um personagem como Lorenzo Lotto”, escreveu Bernard Berenson no ensaio de 1895 que redescobriu o pintor. O novo interesse ocorria dentro do horizonte da psicanálise, na vigília de um século mais sensível às razões do seu percurso biográfico, marcado pela inquietude e pelo nomadismo. Nas paróquias e cidades de uma região italiana, até hoje alheia ao turismo, o artista experimentou uma nova síntese entre passado e presente, misturou elementos da tradição bizantina e medieval e antecipou a teatralidade barroca.
Esse é o caso da Giuditta com a Cabeça de Holofernes, que, em razão de sua ousadia, havia sido atribuída a algum “seguidor de Caravaggio”. A crítica julgara que o quadro fora composto um século- depois de seu ano de realização, 1512, até que pesquisas recentes restituíram à obra as verdadeiras data e autoria. O mesmo ocorreu com Retábulo de San Bernardino, pertencente a uma igreja nos arredores de Bergamo e agora presente na exposição. Na obra, anjos em voo cobrem a cena sacra com um grande pano verde, trazendo-o na direção do espectador.
Lotto surpreende com obras novas para o período, como a Anunciação do museu de Recanati, na qual, ao susto da Virgem com a aparição do anjo, corresponde o pulo do gato que foge. Seus sentimentos são revelados ali de maneira inédita dentro de um dos gêneros mais codificados da pintura sacra. E o retrato das Virgens raramente corresponde à iconografia tradicional. De nariz forte, sobrancelha espessa, pescoço pouco aristocrático, sua figura angulosa é dissonante do gosto do período. O tema contido em Matrimônio Místico de Santa Catarina com Jesus (Sposalizio Místico di Santa Caterina) retornaria em diversos quadros. Colorista extraordinário, pintor de rara qualidade na representação das aparências da matéria, dos veludos às joias, das rugas às verrugas, Lotto nunca tornou suas imagens plácidas ou tranquilizantes. Pintor anticlássico, recusou a grandiosidade escultórica que o rodeava e retratou a humanidade cheia de tormentos.

REVISTA CARTA CAPITAL


Para Refletir ................


O VIRA

Início dos anos 2000 minha filha caçula participava de uma gincana na escola que incluía uma dança da turma com música dos anos 70. Ela sugeriu “O Vira”, dos Secos & Molhados, que adorava. Seus colegas aderiram e criaram uma coreografia para o rock antigo. A letra fala de seres mágicos, é fácil de decorar, o ritmo lembra uma música folclórica portuguesa. O estribilho repetia: “-Vira, vira, vira homem, vira, vira. Vira, vira, lobisomem”. Nós, os adultos, ficamos entusiasmados por ver revitalizada uma música que fora significativa para nossa geração, até que um pai se desesperou. Não queria que seu filho participasse da dança que, para ele, era uma apologia aos homossexuais. Não conseguiu impugnar a música, que defendemos com unhas e dentes, mas impediu seu filho de participar da apresentação. Estaria preservada a heterossexualidade do garoto?
Havia uma lenda que o nome original do conjunto seria Secos, Frescos & Molhados e que eles teriam sido impedidos de registrar tal afronta moral, afinal, eram anos duros. De qualquer forma, voz ambígua de Ney Matogrosso não mentia: feminino e masculino não possuem fronteiras tão claras como se queria crer. A suposta contrariedade dos censores era compreensível, os músicos estavam brincando com a ambigüidade sexual. Mas no que isso influiria no destino erótico de qualquer um?
Corta para o ano 2011: uma grande iniciativa, o kit anti-homofobia – composto de material de divulgação sobre a intolerância frente às relações e comportamentos homoafetivos nas escolas – enfrenta um caloroso debate. Um dos temores dos críticos é que o material instigue os jovens a serem homossexuais. Talvez a campanha possa passar por alguns ajustes, mas é sempre bom lembrar que não há propaganda, imagem ou música que possa pender a identidade e escolha de objeto sexual de alguém. Acredito que não se nasce gay, torna-se, mas é por caminhos nada óbvios. É a forma como nos situamos dentro de uma família, de uma época, que vai determinar com quem vamos parecer e a quem vamos amar. Um homem, por exemplo, pode ter uma identificação feminina e amar mulheres ou ser perfeitamente viril e desejar outros homens.
É nas sutilezas da história de alguém que sua sexualidade se define. Nenhuma influência pontual mudará a complexidade de um destino, ela pode, no máximo, dar-lhe voz. Mas os rumos imprevisíveis da sexualidade mexem com os ânimos dos mais inseguros: a revelação da diferença angustia, pensam que seus desejos secretos, tão comuns, podem ser revelados ou ativados por manifestações culturais. O pânico de nada serve, exorcizar supostas influências não oferece a garantia que os inquietos gostariam de ter. A sexualidade se constrói junto com a identidade e a cada um cabe viver a dor e a delícia de ser o que é.



 
Diana Corso - REVISTA VIDA SIMPLES

Te Contei, não ?!!!!!!!!


Camisinha na escola

Educação no Brasil | Revista Época | Brasil | BR
 
O governo vai distribuir preservativos para estudantes. A iniciativa enfrenta a oposição dos grupos religiosos
 
Angela Pinho

Após quatro anos parado, um projeto do Ministério da Saúde com grande potencial de causar polêmica acaba de ser desengavetado. Até o fim do mês, o governo federal finalizará a cotação de preços para a compra de 33 máquinas de distribuição de preservativos para escolas públicas. A ideia é instalar esses equipamentos em colégios de ensino médio, que têm alunos a partir de 14 anos. Eles funcionarão como uma máquina de refrigerante, mas sem necessidade de colocar dinheiro. O aluno digitará uma senha, apertará um botão e receberá o preservativo.
O objetivo do projeto é facilitar a distribuição de camisinhas para adolescentes, eliminando o constrangimento que eles possam eventualmente ter em comprá-las ou pedi-las para alguém. As máquinas serão instaladas inicialmente em escolas de quatro capitais: Florianópolis, João Pessoa, Brasília e São Paulo. A experiência será acompanhada por pesquisadores de dois órgãos ligados às Nações Unidas, a Unesco e a Unfpa. Eles ouvirão alunos, pais e professores sobre a iniciativa. Concluída essa fase inicial, a ideia do governo é expandir a instalação das máquinas para 400 escolas públicas em todo o país.
Dois levantamentos estatísticos fundamentam a iniciativa. O primeiro é uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2009. Ela mostra que 30,5% dos alunos do 9º ano do ensino fundamental (a antiga 8ª série) já tiveram alguma relação sexual. O outro revela que os brasileiros usam cada vez menos a camisinha. De acordo com uma pesquisa do ministério, o uso de preservativo em relações casuais caiu de 51,5% para 46,5% entre 2004 e 2008.
O debate sobre as máquinas, porém, não deve se limitar a aspectos técnicos. Padres e parlamentares religiosos prometem fazer barulho contra o projeto."É lamentável. Uma atitude como essa forma pessoas que serão sempre dominadas pela sexualidade e pelo impulso", diz Dom Wilson Tadeu Jönck, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em Santa Catarina. Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Família Brasileira, o senador Magno Malta (PR-ES) tem posição parecida. Ele afirma que vai pedir explicações ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Malta ficou particularmente contrariado pelo fato de o preservativo ser gratuito. "Cada um paga pelo que faz. Quer fazer sexo fora de casa, inseguro, precoce? Que compre a camisinha."
Depois de uma pesquisa em quatro cidades, máquinas deverão ser instaladas em 400 escolas públicas
Na Câmara, o deputado federal João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, afirma que "a camisinha é uma forma de estimular o sexo sem limites". Campos diz que o governo deve investir em programas que valorizam a abstinência sexual até o casamento, sob o mote "Quem ama, espera".
Esse não é o slogan que a maioria dos jovens tem colocado em prática, diz Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos em sexualidade da Universidade de São Paulo. "A realidade é que as pessoas não estão aguardando o casamento para iniciar a vida sexual e não têm um só parceiro", afirma Carmita. Para ela, o uso do preservativo, nesse contexto, se torna indispensável, assim como a definição de um projeto educativo para acompanhar a instalação das máquinas. As pesquisas acadêmicas mostram que educação sexual não estimula a iniciação precoce do adolescente.

sábado, 27 de agosto de 2011

Te contei, não ???!!!!


Do enfeite indígena à maconha

Escavações para construção do polo petroquímico revelam turbulento passado do Estado do Rio

Publicada em 27/08/2011 às 10h35m
Renato Grandelle (renato.grandelle@oglobo.com.br)

RIO - Não é de hoje que Itaboraí, lar do futuro Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), é uma região concorrida. Nos últimos quarenta séculos, aquela região foi habitada pelos pré-históricos sambaquieiros, por ceramistas tupinambás, jesuítas e escravos. De boa parte dessa trajetória sobraram objetos de poucos centímetros, mas grande relevância arqueológica. Entre eles, um tembetá, enfeite tupi pela primeira vez encontrado no estado, e cachimbos, onde a descoberta de maconha surpreendeu os pesquisadores.
Estes objetos estão reunidos a partir de hoje no Museu Nacional. A exposição "Santo Antônio de Sá: primeira vila do Recôncavo da Guanabara" conta a história da ocupação estabelecida ali pelos portugueses em 1697. Pioneiro no interior fluminense, o assentamento seria abandonado apenas no século XIX, devastado por epidemias de febre, malária e tifo.
A mostra representa um esforço para estudar as heranças culturais dispersas nos 45 sítios arqueológicos da região. Embora volte os holofotes para Santo Antônio de Sá, a exposição não deixa de abordar os povos que dominaram o Norte fluminense muito antes dos lusitanos.
- Para a instalação de qualquer grande obra no país, como o Comperj, é necessário fazer uma investigação arqueológica da região, como a que operamos agora - ressalta Madu Gaspar, arqueóloga do Museu Nacional e coordenadora da exposição. - E houve muitas surpresas em nosso trabalho. Encontramos novos registros de sambaquis e da ocupação africana. Suspeitávamos que havia escravos por ali, mas ainda não tínhamos qualquer evidência. Conseguimos finalmente este testemunho, descobrindo uma coleção de mais de cem cachimbos feitos pelos negros e seus descendentes.

Tupinambás, os primeiros escravos

Muito antes de a sociedade do século XVIII encher seus cachimbos com maconha, as terras eram dos sambaquieiros. Quatro mil anos atrás, esta população já estava distribuída por toda a costa fluminense, onde pescava e construía portos para chegar com suas canoas.
Os sambaquieiros habitavam locais secos, embora o mais próximos possível do mar. A marca registrada desse povo eram os sambaquis, um amontoado de conchas, restos de alimentos e artefatos, que ocasionalmente serviam como tumbas.
- Foi o primeiro povo a colonizar a região, e o fez numa área diferente à de seus sucessores - compara Madu. - Enquanto eles estavam sempre na baía, os tupinambás buscavam rios pequenos, porque, para eles, o mais importante era encontrar terras onde pudessem praticar a agricultura.
Proveniente da Amazônia, os tupinambás expandiram-se a partir do início da era cristã, sempre pela guerra. Os confrontos com os índios macro-jê perduraram séculos e foram testemunhados pelos portugueses, que aproveitam a rivalidade tribal para unir-se cada hora a um dos lados. Os vencidos lhes serviam como escravos.
Estranhos às terras tropicais e ao seu cultivo, os portugueses priorizam a ocupação das áreas indígenas - assim, bastava delegar-lhes o trabalho no campo.
- Os portugueses não sabiam sequer se os nativos tinham alma e se deveriam ser reconhecidos como gente. Mas isso não os impediu de depender do conhecimento desses mesmos índios para sobreviver - observa Madu. - Houve, porém, uma inadequação dos índios àquela atividade. O estilo de vida deles não era compatível a um trabalho rotineiro e sistemático no campo.
Cansados de uma tarefa na qual não viam sentido, os tupinambás fugiram para áreas vizinhas - alguns não saíram a tempo de evitar uma represália violenta dos portugueses. Sem ter quem os sustentasse naquele povoado, fundado em 1648, e renomeado Vila Santo Antônio de Sá em 1697, os portugueses recorreram aos escravos africanos que já serviam como motor da economia carioca.
Os tupinambás se mudaram para os arredores da vila - ainda brigando entre si. Um de seus legados, que integra a exposição no Museu Nacional, é o tembetá. Trata-se da primeira vez que os pesquisadores identificam este adorno, de apenas três centímetros, no estado.
A peça era considerada uma joia pelos tupis no século XVI. Graças a ela, foi possível saber como essas tribos distribuíram-se em terras fluminenses nas primeiras décadas após o Descobrimento.
- Era um adereço usado pelos homens desde a infância - explica Madu. - Quando a criança nascia, faziam um pequeno orifício em seu lábio, que aumentava com o tempo. Este era verde, talvez de quartzo, e ficava com uma protuberância para o lado de fora. Podia, também, ser usado na orelha, o que vem sendo feito hoje por muitos jovens.
Sucessores dos índios, os escravos assumiram a agricultura e a produção de açúcar - à época uma especiaria - e de lenha. A madeira cortada do Norte fluminense era levada de barco para o Rio, onde abastecia lareiras e fogões.
Assim como os tupis, os africanos também deixaram objetos curiosos para os arqueólogos desvendarem. Um deles era a fôrma do pão de açúcar, que tinha furinhos no fundo. A cana era espremida e o açúcar ficava no molde, enquanto o melaço escorria para fora dele.
- Foi esta fôrma que deu o nome do Pão de Açúcar, nosso cartão postal - destaca Madu. - Depois, o açúcar era usado em chás. Ao contrário de hoje, em que é consumido em larga escala, no século XVIII este produto era muito caro.
Outra curiosidade descoberta entre os vestígios da vila é uma coleção de dezenas de cachimbos africanos. Chamou a atenção dos pesquisadores o tamanho da pipa, muito pequena em alguns exemplares. Seria o indício de que eles receberiam algo mais forte do que o fumo comum. E a suspeita foi confirmada pela análise de microvestígios ali encontrados.
- Havia restos de maconha nos cachimbos - conta Madu. - Ainda precisamos fazer mais análises para confirmar. Se for isso mesmo, é muito provável que a substância fosse fumada por todos as classes sociais, e não apenas escravos. Houve uma mistura muito grande entre brancos e negros. Há gravuras da época mostrando até mesmo as mulheres europeias com os cachimbos.
No século XVIII, madeira e produtos agrícolas contribuíram para que a vila atingisse seu apogeu econômico. O centro nervoso local era o Convento de São Boaventura, administrados pelos jesuítas. Mas tudo foi reduzido a ruínas a partir dos anos 1800, quando a região, encharcada e pantanosa, foi vítima de seguidos surtos de doenças. Sem qualquer domínio sobre saneamento básico, restou à população - cujo tamanho ainda é ignorado pelos arqueólogos - mudar-se para áreas mais elevadas.
Os vestígios do convento sobreviveram até hoje por se localizarem numa propriedade privada, e num local de difícil acesso. Ao redor dele estão os campos de onde saíram, por exemplo, as faianças, porcelanas portuguesas e espanholas com brasões de famílias que deram origem ao sobrenome de grande parte dos brasileiros - Silva entre eles. A exposição, que conta com o apoio da Petrobras e da Sociedade dos Amigos do Museu, está aberta ao público de terça a domingo, das 10h às 16h, até o dia 26 de novembro. A entrada custa R$ 3.

JORNAL O GLOBO - 27/08/11