terça-feira, 23 de agosto de 2011

Nos Tempos da Literatura ...............


As mulheres inviáveis nas
 Memórias Póstumas de Brás Cubas

O perfil e a relevância das quatro principais e inviáveis personagens femininas na grande obra machadiana

Por Cícera Araújo de Sousa
 
As mulheres na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance realista de Machado de Assis, são o foco desta análise que tem por objetivo destacar o posicionamento do narrador sobre as personagens, levando-se em conta os aspectos sociais e psicológicos na construção do perfil das mulheres Marcela, Virgília, Eugênia e Nhã-loló. Os comentários irônicos do narrador nos levam a crer que esta representação se constitui numa forma de inviabilizar as mulheres do ponto de vista moral.
Antes de chegarmos às mulheres, primeiramente vamos ao seu narrador. Brás Cubas, um homem sem apegos morais nem sociais, começa a contar sua história depois de morto, assim não devia explicações a ninguém. Era formado em Direito, porém não teve nenhuma conquista profissional. Memórias Póstumas de Brás Cubas narra a vida do protagonista desde seu nascimento até sua morte (1805-1869), delimitando assim o período histórico do Brasil na segunda metade do século XIX, inclusive o Rio de Janeiro, com seus costumes, cultura, entre outros. Foi um homem que tudo tentou, porém nada realizou.
As personagens femininas são descritas como interesseiras, dissimuladas, sensuais, eróticas, traiçoeiras e caprichosas, certamente pelo fato de que o romance apresenta as opiniões e julgamentos de apenas uma das partes, ou seja, Brás Cubas. E, como reflexo de seu ser, suas mulheres lhe faziam jus: Marcela é promíscua, amante dos valores financeiros e sem escrúpulos; Virgília é faceira, pueril, interesseira e mentirosa; Eugênia é coxa, vítima de seu próprio preconceito, sempre triste e melancólica, possui extrema capacidade de dissimulação. Nhã-loló é perfeita para o cargo de esposa, mas adoece e morre.
Começaremos, então, pela primeira mulher da sua vida: "a dama espanhola Marcela", "[...] Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes" (cap. 15), logo se via que ela era bem inviável. E diante de tamanha formosura, Brás Cubas deixa-se apaixonar perdidamente. Este seria o seu primeiro envolvimento carnal. Era uma mulher que amava muito, principalmente a quem a mimasse mais e não falamos aqui de gracejos e carícias, e sim de joias, dinheiro, afinal ela já não possuía a "inocência rústica". Guardava tudo numa caixa de ferro. Porém não gostava de passar por interesseira, possuía seus caprichos para conseguir o que queria. O que não foi diferente com Brás: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos" (cap. 17). Percebe-se um traço comum nos romances maduros de Machado de Assis; a representação da sociedade burguesa do Segundo Reinado com suas damas elegantes e ambiciosas custeadas por homens da alta sociedade que se mostravam de bom caráter e fiéis à esposa, mas na realidade não passavam de libertinos.
Agora tratemos de Virgília, esta além de ser a primeira das mulheres citadas na obra, é descrita de maneira minuciosa. A descrição acontece desde a roupa que ela usa no momento, até a forma como se comporta diante dos acontecimentos. Virgília ocupou muito tempo da vida de Brás. A princípio, o autor fala superficialmente da paixão arrebatadora que ambos sentiam, depois faz uma ponte entre o tempo do romance que viveu e o momento atual. "Dois grandes namorados, de paixões sem freio, nada mais ali, vinte anos depois..." (cap. 06). Mesmo depois de vinte anos a beleza de Virgília não desaparecera, "tinha agora a beleza da velhice, um ar austero e maternal" (cap.06). Virgília é atrevida, voluntariosa, bonita, fresca, clara, faceira, pueril. Um anjo segundo o pai de Brás, o que podemos interpretar de duas maneiras: a primeira delas seria por sua beleza, sua brancura. A segunda, talvez por sua passividade diante da sociedade patriarcal do século XIX, como também por seu papel de boa moça ao lado de um possível homem político.
Analisando o papel da personagem Virgília, do ponto de vista conjugal, pode-se dizer que a mesma não ficava nem um pouco preocupada em ferir o marido, pois ela o traía dentro da própria casa. Percebemos a intenção do autor ao criar uma personagem burguesa, com valores também burgueses, mas com o instinto animal apurado a tal ponto de fazê-la esquecer as regras sociais. O amor carnal vence o social.
Eugênia, mocinha morena, 16 anos, quieta e impassível. "Ideias claras, maneiras chãs, certa graça natural, um ar de senhora e não sei se alguma outra coisa; a boca exatamente a da mãe" (cap. 32). Há, era coxa! Eugênia é descrita com certa seriedade e muito sarcasmo, opondo ao que sua mãe afirma: moça prendada, educada e respeitada. É notória a maneira fria e debochada como o narrador refere-se a Eugênia. A começar pelo nome: Eugênia - significa bem nascida - mas o narrador-personagem a chama de "a flor da moita", ou seja, é filha de um caso, e não do matrimônio.
O "problema físico" a tornava reservada. E a crítica continua a tal ponto de ele fazer um contraponto entre o defeito físico e a beleza da menina Eugênia, "uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa (cap. 32)". Através do adjetivo "tão", o narrador dissocia perfeição de imperfeição. Aprofunda sua crítica aos padrões sociais: só tem algum prestígio na sociedade quem é realmente "perfeito". Ela tinha sua beleza, e era tanta que encantou Brás, que a adorava e até pagava qualquer preço por um rostinho bonito, mas se tornou inviável pela própria natureza.
A quarta mulher a ser apresentada é Nhã-loló, filha de família burguesa decadente. Esta aparece bem depois dos devaneios amorosos de Brás Cubas. Representa a tentativa de resposta à sociedade que o mesmo deveria dar. Não a amava, mas ela era um tipo que a sociedade aceitava para ser esposa, mãe e dona de casa. Era tão pura, tão angelical que os anjos a levaram para junto do pai aos 19 anos de idade. Nhãloló morre de febre antes que se consumasse o romance, tornando-a irrevogavelmente inviável.
As quatro mulheres que participam da vida amorosa de Brás diferem em vários aspectos uma das outras. Marcela representa o profano, a descoberta do prazer carnal ao mesmo tempo que significa avareza, ambição e interesse financeiro. Eugênia representa a moça prendada, de família - mesmo não sendo fruto do matrimônio - pronta para se casar, mas infelizmente é coxa. "É bonita, mas é coxa". Virgília é o grande amor de Cubas. A mulher capaz de virar o mundo deste com um simples olhar. Virgília é repleta de sedução, pecado, feitiço e, por que não dizer: uma mulher feita para o amor da cabeça aos pés. E Nhã-loló tinha a beleza da conveniência social.
Assim como os demais projetos de vida de Brás Cubas, os seus amores não deram certo. O amor de Marcela fracassou porque ela não amava um homem só, mas todos. Não era de ninguém, mas nunca estava sozinha. O namoro entre Eugenia e Brás não deu certo por um simples motivo: ela era coxa. Já o enlace matrimonial com Virgília não se realizou porque Lobo Neves foi mais inteligente e conseguiu conquistar a confiança política de seu pai. Mas tudo tem uma recompensa na vida. Talvez se Virgilia não tivesse trocado Brás por Lobo Neves quando solteira, eles não tivessem vivido uma bela história de amor, mesmo sendo adúlteros. Por último, temos o casamento encomendado por Sabina, irmã de Cubas, a Nhãloló. E mais uma vez tudo fracassa. O possível enlace conjugal foi interrompido pelo destino: a noiva morrera de febre amarela. E comigo levou os sonhos que este tinha de construir uma família.
Das quatro relações, duas foram consumadas: com a prostituta e com a adúltera. As outras duas não passaram de namoricos, sem consequências mais sólidas.
Percebe-se a repetição negativa da visão feminina no romance. Marcela finge, é dissimulada, pois mantém os dois amantes, sem que um deles fosse informado da circunstancia - O Xavier depões as insíneas (cap. 15). A própria mãe de Brás, ao desviar algum dinheiro, para fornecê-lo clandestinamente, não deixa de enganar ao pai e ser também dissimulada.
As mulheres das Memórias Póstumas se tornavam inviáveis por escolha, ou por insatisfação pessoal ou até por simples golpe do destino: a "dama espanhola" nunca seria digna de ocupar o cargo de esposa naquela sociedade, por seu passado impuro; o "diabrete angelical" teve seu capricho de mulher, mas já tinha um marido; a ideia de ver sua noiva entrando na igreja mancando não agradou Brás e o coração de pérola morrera sem mais delongas. E assim, o destino de Brás seria, inconformavelmente, a solidão.

Cícera Araújo de Sousa é aluna concluinte do curso Licenciatura Plena em Letras da Universidade Federal de Campina Grande, campus de Cajazeiras.

REVISTA - CONHECIMENTO PRÁTICO LITERATURA

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