Línguagem formal e informal.
A aplicação em sala de aula
A polêmica sobre o livro Por uma Vida Melhor trouxe à tona um assunto fundamental: entre a língua escrita formalmente e a falada no cotidiano, o que devemos ensinar a nossos alunos?
por Juvenal Brito Cezarino Júnior
Com o advento dos estudos linguísticos, a Língua Portuguesa sofreu, e ainda sofre, significativas modificações, as quais dizem respeito aos objetos de ensino de nosso idioma. Considerando a língua como uma entidade dinâmica e flexível, portanto vulnerável a alterações, o trabalho que a envolve em sala de aula não pode se privar de considerar esse fato.
Nas últimas semanas presenciamos especulações da mídia em torno da educação, dentre elas o caso do "erro" no livro didático aprovado pelo MEC. A mídia, mais uma vez, resolve propagar um caso sem ter o mínimo de noção da proposta apresentada. Por que ela não divulga o trabalho diário dos professores e as dificuldades enfrentadas no ambiente escolar? Esses acontecimentos apenas reforçam a ideia de que a educação em nosso país nunca foi prioridade, pois só é lembrada quando há problemas com Enem, mortes em escola e outros pequenos casos. Novidade? Alguém ainda fica espantado com esse tipo de afirmação?
A educação no Brasil, gradativamente, passa por grandes avanços e um deles foi a inserção da linguística aplicada ao ensino da língua portuguesa em nossos livros didáticos. Este ano, as escolas deverão escolher os livros didáticos que subsidiarão o trabalho docente no próximo triênio. Destarte, o Ministério da Educação - MEC - analisou alguns exemplares e divulgou uma lista com os mais adequados às propostas educacionais vigentes atualmente. Muitas pessoas criticaram o conteúdo do livro Por uma Vida Melhor, voltado para a Educação de Jovens e Adultos - EJA, da coleção "Viver, aprender", da editora Global, porém, pelo visto, não buscaram sequer estudar um pouco sobre as propostas do material antes de emitir qualquer comentário, perpetuando, dessa forma, o trabalho com partes isoladas, metodologia típica da gramática normativa.
Após o alarde que a mídia fez em torno do caso, desconsiderando a obra como um todo, restringindo a análise a meia dúzia de páginas, todos resolveram externar suas críticas. Não é estranha essa mania de profissionais de diversas áreas opinarem sobre o trabalho dos professores de Língua Portuguesa em relação às variedades linguísticas? Quem já viu algum professor palpitando no trabalho de um engenheiro, advogado, deputado? Por que todos se acham no direito de tecer críticas sobre o trabalho com a língua materna? Será que esses profissionais conhecem as propostas da Linguística aplicada ao ensino de língua portuguesa? Será que conhecem a realidade do falar de nossos estudantes? Temos que respeitar todas as formas de expressão oriundas do ambiente familiar e instruir para os diversos usos que a língua pode assumir frente às diferentes situações. Nessa perspectiva, vale evidenciar que o trabalho com a língua não é restrito à modalidade escrita.
Para os desinformados, o ensino de Língua Portuguesa, segundo o professor Luiz Carlos Travaglia, justifica-se prioritariamente pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua (falante/escritor/leitor), isto é, a capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua em diversas situações de comunicação. Infelizmente, o que ocorre é que muitos criam visões estereotipadas da escola pública, ou, na melhor das hipóteses, idealizam uma escola como se ela estivesse em uma redoma, impossibilitada de receber influências do contexto onde está inserida.
Muitos ainda acreditam que o ensino de Língua Portuguesa deva ser o tradicional, em que o estudante "decora" nomenclaturas gramaticais, as quais ele, muitas vezes, não sabe como aplicar, haja vista que são ensinadas em frases isoladas e não contextualizadas. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a fala que identifica o aluno a sua comunidade, como se esta fosse formada de incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde a nenhuma de suas variedades, por mais prestígio que uma delas possa ter (p. 31, 1998).
É lamentável que alguns representantes políticos reprovem o livro didático do MEC, pois isso demonstra que eles desconhecem as propostas do(s) Referencial(is) Curricular(es) da Educação Básica dos estados brasileiros, documento que contempla as variedades linguísticas e que deve ser seguido por todas as escolas públicas, haja vista que ele deve estar de acordo com as exigências expostas pelos PCNs e Orientações Curriculares para o Ensino Médio - OCEM. Nossos representantes, em vez de criticar o livro e achar que induz ao erro, deveriam criar projetos que incentivem a construção de bibliotecas e facilitem o acesso à leitura, pois o que temos em nossas escolas hoje é, na maioria dos casos, um depósito de livros didáticos intitulado "biblioteca''.
Uma coisa é certa: qualquer professor de Língua Portuguesa que mantém suas leituras atualizadas e acompanha as discussões acerca do ensino do idioma materno saberá como trabalhar a questão das variedades linguísticas em sala de aula sem dificuldade, levando em consideração a gramática internalizada do estudante.
Os debates sobre o ensino deveriam envolver todas as disciplinas, pois, se analisarmos a realidade das escolas brasileiras, perceberemos que muitos professores, independente da disciplina ministrada, passam por dificuldade em sala de aula, seja pelos poucos recursos didáticos disponíveis, número excessivo de alunos por sala e falta de condições mínimas para garantir a permanência do estudante na escola.
Tudo isso merece atenção! Não vamos nos ater a perpetuar a ignorância linguística de alguns. Quem está em sala de aula e compreende todo esse processo de ensino sabe do que estou falando.
Juvenal Brito Cezarino Júnior é graduado em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atua como técnico- -pedagógico na Secretaria de Estado de Educação de MS.
REVISTA - CONHECIMENTO PRÁTICO DE LITERATURA
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