quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A tragédia do Bondinho e a cidade-cenário


Rio - Chega a ser complicado acreditar nos benefícios das obras anunciadas para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos diante da incompetência e da irresponsabilidade reveladas pelo acidente que matou cinco pessoas no último sábado. Como pensar em trem-bala, na expansão do metrô e e na modernização da SuperVia se o poder público, apesar dos vários alertas e reclamações, não conseguiu dar um jeito no bondinho de Santa Teresa? Por que esperar a morte de sete pessoas para se decretar uma intervenção na empresa que cuida dos bondes?
Não dá para entender como o mesmo governo que construiu uma obra complexa como o teleférico do Alemão não tenha tido capacidade de, literalmente, manter o bonde nos trilhos. Melhor: claro que dá para entender. O serviço de Santa Teresa se tornou ruim e assassino porque foi vítima do descaso criminoso de quem deveria cuidar dele. Não houve falta de recursos, mas de empenho e de interesse.
A proximidade da Copa e das Olimpíadas traz esperanças e, ao mesmo tempo, ressalta alguns riscos. Um deles é a possibilidade de os governos concentrarem empenho e dinheiro apenas nas obras relacionadas aos eventos. Teríamos assim uma nova versão da cidade partida — de um lado, a beneficiada pelas melhorias; de outro, a que ficou de fora. O bonde de Santa Teresa, esquecido por sucessivas administrações estaduais, faria parte desta segunda cidade. É um meio de transporte deficitário, que não gera interesse de empresários. O simpático e carioquíssimo bondinho, patrimônio da cidade, seria visto como algo arcaico, que talvez não combine com uma equivocada e colonizada ideia de modernidade.
A tragédia de sábado passado alerta para o risco de se tentar construir uma cidade baseada numa aparência de prosperidade; uma cidade-cenário, quase um parque temático, agradável apenas durante os eventos. Seria como dar uma nova versão para o absurdo cometido décadas atrás, quando o Rio sediou um congresso de agentes de viagens norte-americanos. Para que nossa miséria não os chocasse, outdoors foram colocados para esconder as favelas — não se tratava de resolver o problema da pobreza, bastava impedir que ela fosse vista pelos visitantes. Não adianta fazer belas e imponentes instalações em torno da Avenida Francisco Bicalho se o Canal do Mangue continuar a ressaltar a tragédia ambiental, social e sanitária que nos cerca. Não há maquiagem capaz de esconder tantas e antigas mazelas.

Fernando Molica é jornalista e escritor 
 JORNAL O DIA

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